ARACAJU/SE, 14 de março de 2025 , 13:44:40

Um colega de velhos tempos

 

Dele me lembro, a começar nos bancos do primário, eu mais adiantado um ano. Chegamos a sentar juntos, eu, no 4º ano, ele, no 3º. A lembrança paira num jogo de desenho de um boneco, que a gente ia fechando, até o perdedor ser enforcado. Ao brincar, ficamos expostos à vigilância da professora, correndo o risco de reprimendas. Não ocorreu. No ginásio, passo seguinte, não voltamos a manter contato, e assim o tempo passou, cada um seguindo seu caminho. De lembrança, tão só uma brincadeira que fizeram com ele, gerando mangação, a irritá-lo. Fazia parte do ambiente ginasial e do tempo, que os manteve afastados pelo resto da vida.

Muitos anos depois, – e bote anos – no hospital, em função da hemodiálise a que papai se submetia, me encontrei com ele, a mesma feição, moreno, o rosto bochechudo, e a ele me dirigi a lhe revelar que fomos colegas na escola de Maria de Branquinha. Ele respondeu indagando se Maria de Branquinha ainda era viva. E de imediato, observou que não sabia notícias de ninguém em Itabaiana. E pronto. Se danou porta afora, não tendo nem a curiosidade de obter resposta a indagação formulada e de perguntar, afinal, quem eu era, se tinha me reconhecido ou não.

A essa altura, eu já sabia notícias dele estar mergulhado num processo de alcoolismo, que exigia internações frequentes em hospital, – aquela era uma delas -, que ele ia driblando quando podia, saindo escondido para uma alta hospitalar que ele mesmo ditava, indiferente a qualquer tentativa de cura. Foi a única vez que eu o vi depois de muito tempo. Não demorou muito, a notícia do óbito foi repassada de conterrâneo para conterrâneo, porque a confraria de Itabaiana está atento a vida de todos nós, estejamos onde for, um divulgando a outro, outro a outro, de modo que, em pouco tempo, a comunidade itabaianense inteira está sabendo dos ocorridos.

O álcool vai ceifando os que por ele foram tragados. Os nomes desfilam na lista que já se forma, nomes que cada morte vai mantendo acesos, as fotos –  de épocas passadas quando o futuro era apenas uma palavra – divulgadas nas quais os que morrem aparecem. Aos sobreviventes, a triste tarefa de acrescentar, na caneta, uma cruz ao lado do falecido, como os antigos faziam. Ou, em enterro, em Itabaiana, passear pelo cemitério visitando a sepultura do que lá descansam, mantendo respeitoso silêncio. As palavras, nessas ocasiões, se fazem desnecessárias.