Enquanto os bispos católicos estão reunidos em Roma, no Sínodo que deve procurar meios para a atuação da Igreja, a partir de agora, sabe-se que o Papa Francisco tem lutado por uma Igreja cada vez mais perto dos fiéis, voltada para os mais pobres, como o próprio Jesus fizera-o, estando ao lado do povo, dos pobres, dos marginalizados e dos pecadores, afirmando que “O Pai não quer que eu perca nenhum dentre aqueles que Ele me confiou” (Jo 6,37-40). Noutra passagem memorável, Jesus disse: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
A Igreja dividiu-se desde os seus primórdios. Nunca mais, por assim dizer, esteve unida, no sentido de que cada prelado tem o seu modo de ser, de pensar e de agir, como cada leigo (a) também o tem. Todavia, a Igreja, sendo católica, ou seja, universal, tem permanecido sob a unidade do sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, apesar de algumas secessões, que, não têm abalado a Cátedra Papal, nem mesmo em face daqueles ultraconservadores, que não têm aceitado os últimos Papas, como se a eles, os ultraconservadores, fosse dado o direito de contestar por contestar aqueles que têm levado a Igreja por caminhos que a conduzem a estar mais perto do povo, assim mesmo como Jesus esteve. O Filho de Deus não ficou encastelado no poder rabínico, no poder temporal dos reis e príncipes, no poder econômico dos sumos sacerdotes de Jerusalém.
Jesus evitou o triunfalismo, tão caro a grupos ultraconservadores, que querem, em vão, uma Igreja que viva nas “alturas” aberrantes de um triunfalismo litúrgico, que encobre muitas mazelas de alguns dos seus defensores. O nefasto triunfalismo que se esconde por baixo de determinadas vestes litúrgicas pomposas, por exemplo, quando o Salvador disse que “As raposas têm covis, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9,58). Dentre esses defensores, certamente pode haver pessoas de bom senso, mas não devem ser muitas. Algumas destas têm se deixado levar. Uma pena, com respeito a quem pode pensar de modo diverso. Enfim, todos têm o direito de pensar da maneira que quiser. É o exercício do livre arbítrio. Que cada um possa respeitar cada um.
Há, no Brasil, uma Igreja cada vez mais dividida, no pensar e no agir dos seus membros, do clero e do laicato. Inclusive, no adotar-se posições políticas partidárias, até mesmo nos púlpitos, ora defendendo posições dos direitistas, ora posições dos esquerdistas, como se pudesse, em todos os aspectos da vida social, política e econômica, fazer uma separação única entre essas duas correntes ditas políticas. O que é direita e o que é esquerda, neste país em que quase todos os políticos têm os pés no mesmo saco, com honrosas e raríssimas exceções?
Por outro lado, os homens da Igreja, falo, aqui, do seu clero, em vários momentos e por vários deles, têm faltado com o dom da profecia. O profeta anuncia e denuncia o que ofende o povo, o que desvirtua a vida social, o que arrasta os fiéis para longe da espiritualidade verdadeiramente cristã, ou seja, pautada na experiência e na vivência dos Evangelhos, vivenciados na oração e na ação. A vida cristã, como disse Paulo, deve ser vivida “mediante a oração, as súplicas e a ação de graças” (Fl 4,6).
No momento, há prelados que, nos púlpitos, condenam partidos políticos e parlamentares, chamando-os até de “assassinos”, porque estes, insensatamente, defendem a estupidez do aborto. Devemos, sim, todos nós cristãos, que cremos que a vida é um dom de Deus, e, como tal, deve ser defendida, desde a concepção, defendê-la com destemor. Porém, partidos políticos e parlamentares que parecem ser contra o aborto, por outro lado, defendem a tortura, os torturadores do passado recente, defendem o armamento desenfreado, atentam contra a democracia, são contra tantas situações que os cristãos devem defender. Cautela, isso, sim, é o que falta a alguns membros da Igreja brasileira. Vamos defender a vida em todas as circunstâncias. Mas, vamos, também, defender outros tantos valores que têm merecido ao longo dos tempos o apoio da Igreja, porque são valores cristãos. A liberdade e a igualdade. A paz e a justiça. A dignidade da pessoa humana. A plenitude da cidadania. Jesus não fez diferente disso. Afinal de contas, “Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio” (2Tim, 1,7).
Eu convivi no início da minha vida religiosa, a partir de 1976, quando, com outras três pessoas, fundei o grupo de jovens – Juventude Unida na Fé/JUF – na minha Paróquia de origem, Nossa Senhor das Dores, com dois bispos, um tanto quando diferentes entre si, mas, respeitando-se mutuamente, na nossa Arquidiocese: Dom Luciano José Cabral Duarte, o arcebispo, e Dom Edvaldo Gonçalves do Amaral, o bispo auxiliar. Dom Luciano foi um dos mais brilhantes intelectuais do nosso episcopado, filiado ao grupo mais conservador. Dom Edvaldo, um bispo ponderado, estudioso, dado ao povo, e da ala moderada do episcopado. Eu me tornei amigo dele e costumava dizer-lhe às vésperas das assembleias da CNBB: “Dom, vote com os progressistas”. Ele ria. Eu carregava em mim o espírito do Concílio Vaticano II. Por seis anos, de abril de 1976 a maio de 1982, estive na coordenação do TLC – Treinamento de Liderança Cristã, responsável, na Arquidiocese, pela pastoral da juventude, quando convivi com 41 grupos de jovens ativos, na capital e no interior. Bons tempos!
Que todos na Igreja, conservadores, moderados e progressistas, se estas alcunhas ainda tiverem valência, possam entender que a Igreja pode até se dividir, pelos seus membros que possam se situar nessas categorias, mas que todos nós somos de Cristo. E isso deve bastar. Ou deveria.