ARACAJU/SE, 26 de dezembro de 2024 , 11:33:00

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Vovô Zeca, a devoção e a política

Religiosamente, no oito de dezembro, vovô Zeca acendia velas para Nossa Senhora da Conceição. Era o que ouvia de papai nesse dia. Apesar da freguesia de Itabaiana ter, como padroeiro, Santo Antonio, a sua devoção se voltava para a santa aludida. Penso que a religiosidade se concentrava só aí, não sendo de frequentar a igreja. Pelo menos, nunca ouvi referência alguma a qualquer missa, ou crítica, no que revelava sua profunda ironia, a sermão de padre, principalmente quando a paróquia era comandada por Padre Eraldo, que, segundo os grandes enciclopedistas da época, não conseguia dizer portanto e com uma frase dar o longo sermão por encerrado. Papai continuou seu gesto, também acendendo velas no dia oito de dezembro, no que, por muitos anos, ele ainda vivo, segui o mesmo caminho, até que me limitei só a relembrar o fato, sem mais me utilizar das velas. Acho que diminui a poluição, mesmo que tivesse sido um tantinho de nada.

Já no campo político, a língua afiada, a memória que não perdia o tamanho, ouvindo A Voz do Brasil, distribuía seus petardos ao regime militar, reproduzindo os pontos fundamentais dos pronunciamentos dos presidentes de plantão, sobretudo quando se exigia a abertura e se prometia que seria lenta e gradual. Vovô se inflamava, seja balançando na rede, o charuto na mão, seja na mesa, durante a refeição, descendo suas observações também para os acontecimentos locais, desenterrando fatos de décadas passadas, ressuscitando apelidos que sapecou, naqueles velhos tempos. Vem à tona a crítica que um radialista esportivo fez ao time do Itabaiana, vovô relembrando o dito, como servidor do Banco do Brasil na terrinha, de lambreta nas ruas, com uma senhora, que não tinha agua para se lavar, na garupa, em plena luz do dia, dando voltinhas nas principais ruas. Um desrespeito ao povo de Itabaiana, afirmava, a boca encenando uma careta.

Uma vez lhe perguntei porque não quis se candidatar a nada, já que o tio foi/era chefe político. Fez cara de nojo. Lembrou o fato de, em 1930, com a morte da República Velha, ter o cofre da Intendência sido retirado do sobrado do tio. Vergonhoso o fato. Sem nunca ter disputado cargo eletivo, sempre viveu, não tão distante, os acontecimentos regionais e locais. Seu ponto fraco era um prato de fava com carne frita de porco. Da fava encontrou em mim um fiel seguidor.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras