Todo aquele que titulariza algum cargo público encontra-se sob constante julgamento dos cidadãos. No nosso regime constitucional-democrático, o direito à crítica, decorrência lógica da liberdade de expressão, é uma importante garantia do indivíduo, especialmente quando dirigida aos agentes responsáveis pela gestão da coisa pública. A Constituição assegura aos cidadãos o direito de se manifestarem sobre qualquer tema relacionado à condução dos negócios estatais, como também o de se engajarem na discussão política da forma que quiserem e como bem entenderem. Tudo isso sem pedir licença ou autorização a quem quer que seja e podendo se utilizar de qualquer meio de comunicação social.
Todavia, o debate político em Estados democráticos como o nosso, seja ele qual for, só se revela legítimo se realizado sob o guarda-chuva constitucional. Somente com a trena da Constituição é que podemos medir qual o verdadeiro limite da discussão política por ela admitido, bem como o da opinião, por mais ácida que ela seja, inerente àquele tipo de enfrentamento.
Como sabido, a Constituição de 88 escancarou o seu compromisso fundante com o pluralismo político, um dos pilares sobre o qual se assenta o Estado brasileiro, criando, com isso, um ambiente favorável para a livre e desembaraçada circulação de ideias. Por via de consequência, assegurou aos cidadãos o direito à livre manifestação do pensamento, a fim de que pudessem exercer a santa prerrogativa de indignar-se sobre os vários temas relacionados com a coletividade, notadamente sobre os assuntos públicos.
Ao mesmo tempo, porém, e como que já antecipando o juízo de que a liberdade de expressão não seria um direito absoluto ou ilimitado – como, aliás, nenhum outro direito constitucional o é – vedou o anonimato da crítica. E o fez a fim de possibilitar o exercício, agora pelo eventual ofendido, de outros direitos de berço igualmente constitucionais: o de resposta e o de obter indenização por dano material, moral ou à imagem.
De se perceber, portanto, que, se de um lado, o constituinte brasileiro assegurou a ampla liberdade de expressão dos cidadãos, estabeleceu, por outro, duas condicionantes que balizam o exercício desse direito de livremente opinar. A identificação do seu responsável e a possibilidade de obtenção de resposta e de reparação por dano material, moral ou à imagem. Tudo a sinalizar que nem toda expressão de um juízo de desaprovação é tolerada pela Constituição, pois poderá haver situações em que, a pretexto de exercer o direito de posicionar-se sobre certos assuntos, descambará o cidadão para a violação de outras garantias, incorrendo na prática de ilícitos previstos na legislação brasileira.
Aos olhos da Constituição de 88, xingamento não é crítica, assim como ameaça não é liberdade de expressão. É inconcebível que a Lei Maior, que pretendeu transformar o Estado brasileiro numa descongestionada avenida para o livre trânsito de boas ideias e numa autoestrada para a ampla circulação do julgamento cidadão minimamente qualificado, acolha a cólera corrosiva de reputações e de instituições.