ARACAJU/SE, 22 de novembro de 2024 , 23:44:19

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“Aqui não é um mar de rosas”, afirma Wellington Mangueira sobre a Fundação Renascer

 

Por Joângelo Custódio

A Agência Jornal de Notícias (AJN1) entrevistou com exclusividade o presidente da Fundação Renascer, Wellington Mangueira. Ele revela a relação conflituosa dos agentes socioeducativos com o governo; o excesso de rebeliões; a facilitação de alguns agentes para as fugas dos menores; o processo licitatório para construção de uma nova unidade socioeducativa, que será erguida em Nossa Senhora do Socorro; além de tecer opinião sobre a redução da maioridade penal, assunto polêmico que dividiu a sociedade durante a semana passada.

Com 70 anos de idade, preso, torturado e exiliado na época da Ditadura Militar, Wellington está no comando da Fundação há cinco meses e tem uma missão árdua pela frente: reestruturar as unidades socioeducativas do Estado, consideradas o “calcanhar de Aquiles” que coloca em xeque a incapacidade deste governo e dos anteriores em administrar o Cenam e Usip. Confira:

AJN1 – Por que a Fundação Renascer não deu certo nos governos anteriores e com esse grupo político que está no poder há 9 anos?

Wellington Mangueira – Não posso falar sobre o passado, porque eu não conhecia a Fundação Renascer, apenas através da imprensa. Eu sei que há um esforço continuado desde muitos governos que nos antecederam. Sei também que houve tempos em que o problema não era tão grave, até porque a geração e a preocupação eram outras. 
 

A criança ou adolescente, naquela época, quando muito, cheiravam a cola de sapateiro ou fumavam maconha. Elas não estavam tão violentadas e discriminadas pela sociedade. As crianças de 20 anos atrás não são as mesmas de hoje. Há 20 anos não existia o crack, a não ser de futebol. Essa droga liquida.

Hoje são crianças e adolescentes mais difíceis de serem encaminhadas para um processo de socioeducação e reeducação, porque vêm de lares desestruturados, filhas de pessoas humildes, vítimas da falta de recursos, das desigualdades sociais gritantes, da péssima distribuição de renda. Estamos agindo com muita força de vontade, com habilidade. Somos contrários a qualquer violência, sobretudo contra crianças. O filósofo e matemático Pitágoras dizia: Educai as crianças e não será preciso punir os adultos.

AJN1 – Por que a demora em se construir uma unidade socioeducativa com as normas da Secretaria Nacional de Direitos Humanos? Faltou vontade política?

WM – Além dos empecilhos burocráticos, que são exigências corretas, muitas vezes não absolvidas pelos nossos profissionais que estão distantes dos centros de Brasília. O ir e vir de documentos e uma série de outros fatores culminaram com a devolução das verbas federais para edificação de uma nova unidade. As verbas voltaram porque não foi construída em tempo hábil. Quando cheguei aqui, o governador Jackson Barreto disse que a minha missão primeira era fazer com que essas crianças fossem vistas como seres humanos, pois havia meses que não viam nem a luz do sol.

 

A verba federal veio e voltou para Brasília, e como é que poderíamos agir? Entramos em contato com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e a verba foi, novamente, recolocada à disposição. Já tem um contrato assinado, processo licitatório pronto, só falta a ordem de serviço do governador.

Dentro de 10 dias, no máximo, o governador dará ordem de serviço para construção de uma nova unidade socioeducativa, que será erguida em Nossa Senhora do Socorro, orçado em torno R$14 milhões, com contrapartida do Estado. O prazo para finalizar a obra é de 390 dias.

AJN1 – Por que há uma relação de animosidade entre os agentes socioeducativos e o governo?

WM – Não sei se é uma animosidade consciente ou se é porque houve um erro no passado distante, em que os agentes de segurança concursados foram treinados pelo Pelotão de Choque da Polícia Militar. Se treinar para conflitos fortes, como vai aplicar medidas socioeducativas? Muitos desses agentes se viram como policiais tomando conta de adultos.

Houve alguns excessos e desvios de conduta e alguns deles foram punidos pela Justiça. Eu mesmo interferi, após muitos diálogos, reconhecendo que eles são pais de família e que o principal erro, em tese, foi a concepção de segurança que reina no país. Por conta disso, eles queriam tratar os jovens como se fossem adultos em estado de alucinação. Como posso ser treinado para combate e estimular o diálogo e compreensão? Um curso à base de pancada é equivocado.

É preciso implantar uma psicologia da presença, do calor humano. Temos que encontrar pais substitutos para crianças que muitas vezes não têm pai. Trouxemos socioeducadores da Bahia, com experiência vivida, e colocamos para os nossos agentes aprenderem com eles. Aqui está proibido, terminantemente, maus tratos, torturas e violências contra crianças e adolescentes. Pelo menos comigo houve diálogo. Estamos acabando com esse conflito permanente com estudo e processo educativo. Aqui não é um mar de rosas ainda não.

 

AJN1 – Por que há tantas fugas e rebeliões?

WM – Havia uma certa leniência e omissão de alguns agentes, sobretudo depois que alguns foram presos pela Justiça, acusados de facilitar fuga ou acusados de maus tratos. Outro agravante é que as unidades são frágeis. Não foram construídas com a ideia de salas propícias para adolescentes em conflito com a lei. Os garotos aprenderam a usar espuma de colchão molhada para dissolver os rebocos das paredes e fazer buracos. Estamos colocando o revestimento das paredes.

Já são 95 dias que não há fugas no Centro de Atendimento ao Menor (Cenam). Os garotos do Cenam estão estudando regulamente, praticando esportes, já estão recebendo visitas de seus familiares. No total, são cerca de 200 internos, distribuídos na Unidade Socioeducativa de Internação Provisória (Usip), entre 50 e 60 internos; no Cenam entre 48 e 55 internos, além do Centro de Estudos e Observações (Ceo) e abrigo Isabel Abreu.

AJN1 – Os adolescentes que hoje entram na Fundação saem melhor do que entraram?

WM – Nosso objetivo é fazer com que eles não saiam piores do que quando entraram. É lógico que há exceções. Nosso objetivo é educar. Temos muitos exemplos de casos positivos de crianças e adolescentes que se reencontraram. Alguns pela força da religião, outros porque, já perto dos 18 anos, engravidaram alguma menina e tornaram-se pai, aí já muda a visão. Outros, através da ação dos nossos pedagogos, psicólogos e psiquiatras, mas sobretudo pela ação do trabalho manual, da arte, do esporte. Muitos já começam a levar juma vida diferente do que levavam até então. Ainda não é um mar de rosas, é um mar tumultuado, estamos enfrentando as ondas, surfando nelas na tentativa de disseminar o amor.

AJN1 – O que o governo de JB tem a oferecer para mudar a atual realidade?

WM – O governador me coloca aqui, com a idade que tenho, com a experiência que tenho, com a missão de humanizar e resolver os problemas. Estamos jogando todas as nossas forças. Mantenho diálogo com os garotos. Não fico no gabinete, vou para as unidades, sobretudo, quando tem rebelião ou arrombamento de paredes. Há mais ou menos três meses que a polícia de choque não entra nas unidades, ficam só de prontidão. Os nossos socioeducadores estão controlando os internos, na lógica da psicologia da presença. Temos um quadro pequeno de efetivos de agentes socioeducadores, que hoje são 95. Já cobrei do governador o aumento. Este ano, foram várias tentativas de fugas, de quebrar telhados, paredes e grades.

AJN1 – O senhor concorda com a redução da maioridade penal? Por que?

WM – Contra. É uma estupidez! É projeto de pessoas catadoras de voto. Se não há vagas para adultos, como é que vai acolher jovens nesses ambientes que são verdadeiras universidades do crime? Para torná-los mais perigosos ainda? Nesses ambientes eles não terão socioeducação. A solução é educar.

 

O presidente da Fundação Renascer, Wellington Mangueira

Foto: AJN1

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