Incidentes envolvendo coquetel molotov, tinta e fogo nas urnas marcaram o primeiro dia de eleições na Rússia nesta sexta-feira (15). As eleições vão até o domingo (17) e o presidente Vladimir Putin deve ser reeleito para seu quinto mandato, até 2030.
O presidente Vladimir Putin chamou os atos de “ações criminosas”.
Não foi confirmado se os atos têm relação à oposição de Vladimir Putin. Veja o que aconteceu em cada um dos casos:
Uma mulher ateou fogo a uma cabine de votação no distrito de Maryno, em Moscou, onde Alexei Navalny já morou. Se acusada, a mulher pode enfrentar uma punição máxima de cinco anos de prisão. Um caso criminal foi aberto para apurar o caso.
Em outro local de votação, uma mulher despejou um frasco de tinta em uma urna de votos e foi imediatamente detida por policiais. As imagens de câmera flagram a ação, realizada calmamente pela suspeita.
A mulher que despejou a tinta, que não foi identificada, foi acusada de “obstruir o exercício de direitos eleitorais ou o trabalho de comissões eleitorais”, segundo o Comitê de Investigação russo. Foi aberto um processo criminal contra a mulher, que pode pegar uma pena de até cinco anos de prisão.
Uma mulher jogou um coquetel molotov contra uma escola de São Petesburgo, que serve como local de votação. Ela foi detida logo após o incidente.
A Reuters confirmou as localizações dos locais de votação mencionados por meio de detalhes nos locais de votação. Segundo a agência, a confirmação de que os casos ocorreram na sexta-feira (15) foi feita por meio de recursos como comunicado do Comitê de Investigação de Moscou, outros vídeos do mesmo caso e por relatos de funcionários do local de votação.
Eleições marcadas
Os eleitores da Rússia vão às urnas em três dias de votação para a eleição presidencial que deve confirmar o favoritismo do atual presidente, Vladimir Putin e garantir a ele mais seis anos no poder.
Outros três candidatos, todos deputados, disputam o pleito com Putin, mas são considerados fantoches — eles votaram a favor da guerra na Ucrânia no Parlamento e já deram declarações públicas de apoio ao atual líder.
Maior país do mundo em área territorial e com uma população de 141 milhões de habitantes, a Rússia adotou a votação em três dias para dar conta de regiões com 11 fusos horários diferentes. São cerca de 114 milhões de eleitores, incluindo ucranianos convocados a votar nos territórios ocupados por tropas russas.
Putin está no poder há 24 anos e é o presidente mais longevo da Rússia desde Josef Stalin, da época da União Soviética. Caso eleito, o que a imprensa internacional dá como certo, o atual presidente terá a chance de ultrapassar os quase 30 anos de Stalin no comando. Em 2020, Putin mudou a Constituição para poder ficar no cargo até 2036.
O peso desse longo mandato e a supressão completa das vozes eficazes da oposição interna dão a Putin uma mão muito forte – e talvez irrestrita.
A maior parte dos políticos de oposição foi presa, e alguns deles morreram em circunstâncias obscuras, como Alexei Navalny e Boris Nemtsov. Outros, como Garry Kasparov, foram classificados como terroristas e deixaram o país.
Na prática, Putin não permite que opositores reais disputem eleições contra ele – foi o que aconteceu neste ano. Veículos de imprensa também foram banidos –inclusive o “Novaya Gazeta”, cujo fundador venceu um Nobel da Paz por causa do jornal.
A Promotoria do país avisou ainda que qualquer manifestação durante o período de votação é ilegal e está sujeita a punição. Nesta manhã, pouco depois da abertura das urnas, uma mulher foi presa após jogar tinta contra uma urna em um dos locais de votação de Moscou.
Ainda assim, a esposa de Alexei Navalny, Yulia Navalny, convocou um grande ato de protesto na capital russa no domingo.
Democracia administrada
As eleições russas não são para valer: trata-se só de uma “cortina”, e não algo real, e acontecem porque a Constituição determina que é preciso realizá-las, disse ao g1 Lenina Pomeranz, professora da USP especializada em economia russa. “Putin controla as eleições para continuar no poder”, afirma ela.
Nas eleições atuais, havia outros dois candidatos “de verdade” originalmente:
- Boris Nadezhdin, de centro-direita, e
- Yekaterina Duntsova
“Pelas normas, eles deveriam apresentar 100 mil candidaturas de apoio para se candidatarem. Eles conseguiram mais do que 100 mil, mas a comissão eleitoral afirmou que encontrou defeitos nos formulários da Yekaterina, e ela resolveu apoiar o Boris Nadezhdin. Só que a Comissão Central Eleitoral invalidou milhares de assinaturas que ele apresentou”, diz a professora.
Pomeranz afirma que na Rússia nem mesmo se diz que o regime é uma democracia, mas, sim, uma “democracia controlada”.
Os candidatos que permanecem nas cédulas —na prática, são aliados de Putin— são os seguintes:
- Nikolai Kharitonov: Deputado de 75 anos e candidato pelo Partido Comunista. As pesquisas mostram que ele tem cerca de 4% das intenções de voto.
- Leonid Slutsky: Deputado de um partido nacionalista. Ele tem cerca de 4% das intenções de voto.
- Vladislav Davankov: vice-presidente da Câmara de Deputados. Aparece com cerca de 5% das intenções de votos.
E a guerra na Ucrânia?
A eleição russa acontece ainda em um momento de avanço de tropas de Moscou na Ucrânia, que estavam praticamente estagnadas havia mais de um ano.
Atualmente, o Exército russo ocupa pouco mais de 20% do território da Ucrânia. Urnas de votação para a eleição presidencial foram inclusive instaladas em algumas dessas áreas, que Putin reivindicou ter anexado.
Em uma delas, na região de Kherson, no sul, a Ucrânia bombardeou um dos locais de votação, segundo a agência de notícias estatal russa Tass.
Mesmo antes da campanha eleitoral, o presidente russo descrevia a guerra como uma espécie de batalha contra o Ocidente na qual a própria sobrevivência da Rússia está em jogo.
Em um discurso no mês passado, Putin acusou os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de tentarem trocar a Rússia por “um lugar dependente e decadente para que possam fazer o que quiserem”.
Na campanha eleitoral, ele tem afirmado que vai cumprir seus objetivos na Ucrânia.
Ele justifica a invasão do país vizinho, a partir de fevereiro de 2022, com os seguintes argumentos:
- Era preciso invadir para proteger as pessoas de origem russa na região leste da Ucrânia;
- O governo da Ucrânia era uma ameaça para a própria Rússia porque iria se juntar à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Putin tem afirmado também que as forças russas estão em vantagem após o fracasso da contraofensiva ucraniana no ano passado, e que “mais cedo ou mais tarde”, tanto a Ucrânia como os países do Ocidente vão aceitar um acordo nos termos dele.
O presidente russo também tem elogiado as tropas na Ucrânia e prometeu torná-las a nova elite da Rússia.
Os russos comuns sabem pouco sobre os problemas militares, como o alto índice de baixas – a mídia estatal divulga apenas as conquistas.
Lenina Pomeranz afirma que os russos não gostam de guerra e que não há apoio entusiasmado à invasão da Ucrânia, mas que foram poucos os tempos de paz – ou seja, de certa forma, estão acostumados a situações como essa.
E a economia?
Quando a Rússia atacou a Ucrânia, países do Ocidente cortaram relações econômicas e impuseram sanções a quem negociasse com os russos.
No entanto, as indústrias militares tornaram-se um motor de crescimento. Os pagamentos para centenas de milhares de pessoas ligados diretamente ou indiretamente com a guerra ajudaram a impulsionar a demanda do consumidor.
Além disso, a Rússia tem conseguido vender petróleo para alguns grandes consumidores, principalmente da Ásia.
A economia deve crescer 2,6% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). A inflação é prevista em mais de 7%, mas o desemprego está baixo.
Em sua campanha, Putin prometeu subsídios do governo para famílias jovens, especialmente com filhos, para comprar casas. Isso acelerou o setor de construção.
Ele também se comprometeu a investir mais em saúde, educação, ciência, cultura, esportes e em políticas contra a pobreza.
Algo diferente no ar
Alexei Navalny era o principal político de oposição na Rússia e a pessoa mais famosa que criticava Putin publicamente. Ele estava preso, cumprindo uma pena de 19 anos, condenado como terrorista, quando morreu em uma penitenciária na região ártica.
Outros líderes da oposição também receberam longas penas, comparáveis às dadas aos “inimigos do povo” durante o período de Stalin.
Putin tem tornado a política russa mais fechada desde que se tornou presidente, no ano 2000. Depois da invasão da Ucrânia, no entanto, a situação na Rússia ficou ainda mais repressiva politicamente.
Poucos dias após o começo da invasão da Ucrânia, foi aprovada uma lei que tornava um crime qualquer crítica pública à guerra. A polícia começou a dispersar rapidamente reuniões não autorizadas. O número de prisões e julgamentos aumentou drasticamente, e penas de prisão prolongadas são mais comuns.
No entanto, algo está mudando, afirma a professora da USP Lenina Pomeranz.
“Nunca no passado um opositor teve uma demonstração de apoio como no velório do Alexei Navalny. Foram longas filas para ver o caixão. Isso é notável porque mostra que de certa forma, as coisas estão mudando, as pessoas estão perdendo medo de fazer manifestação de massa”.
A trajetória de Putin no poder
Putin assumiu como líder tampão quando Boris Yeltsin renunciou, no dia 31 de dezembro de 1999. Ele foi eleito pela primeira vez em maio de 2000, e ficou dois mandatos no poder.
Então, em 2008, Dimitri Medvedev, um aliado, se tornou presidente, mas Putin manteve o poder no cargo de primeiro-ministro.
Em 2012 ele voltou a ser eleito presidente, e foi reeleito em 2018 para um mandato até 2024. Pela Constituição, deveria ser o último dele, mas o presidente conseguiu alterar a Constituição e, agora, ele pode ficar no cargo por mais dois mandatos, até 2036.
Como comparação, no período em que Putin esteve no poder, os EUA tiveram cinco presidentes: Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden.
As urnas em toda a Rússia serão fechadas na noite de domingo (17), e o resultado está previsto para sair já na segunda-feira (18).
Fonte: G1