ARACAJU/SE, 9 de agosto de 2025 , 19:42:30

A delação premiada que mudou a história do Brasil

 

A figura do delator é constantemente tratada como controversa na história brasileira. Hoje, o alvo da vez é o tenente-coronel Mauro Barbosa Cid, antigo ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, único a aceitar participar de uma delação premiada na ação penal contra o ex-presidente no Supremo Tribunal Federal (STF), e empurrado ao isolamento por seus antigos aliados. Há poucos anos, incontáveis empresários e políticos foram jogados ao ostracismo ao delatar na Operação Lava-Jato.

Na última semana, um antigo delator começou a aparecer nos discursos do presidente Lula: ao criticar a articulação de Eduardo Bolsonaro junto ao governo americano para pressionar a articulação junto ao governo americano para pressionar autoridades brasileiras, o comparou a Joaquim Silvério dos Reis, “o traidor de Tiradentes”.

Coincidentemente, a figura histórica citada por Lula sofreu um destino não muito diferente dos delatores do presente. Sua delação premiada, que pode ter adiado por mais de duas décadas a independência do Brasil, o proporcionou uma vida de perseguições e acusações de traição.

Silvério dos Reis entregou um levante e se tornou símbolo histórico de traição.

Joaquim Silvério dos Reis era Coronel de cavalaria do exército colonial português durante o final do século XVIII, quando a capitania de Minas Gerais enfrentava o esgotamento das jazidas de ouro. A cobrança do imposto conhecido como “quinto”, correspondente a 20% de toda extração mineral, tornava-se cada vez mais pesada. Quando a quantia de 1.500 quilos anuais não era alcançada, a Coroa portuguesa impunha a derrama, que transferia a dívida à população.

A revolta crescia entre membros da elite local: poetas, militares, padres e magistrados. Inspirados pela independência dos Estados Unidos e pela revolução francesa passaram a articular a criação de uma república. A Inconfidência Mineira seria deflagrada no momento em que a derrama fosse anunciada. Entre os líderes, estava o alferes [patente hoje equivalente ao Segundo Tenente] Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes.

Silvério dos Reis se encontrou em meio ao fogo cruzado: de um lado, ele era proprietário de minas de ouro, simpatizava com o movimento e acumulava dívidas impagáveis com Lisboa. Por outro, ele próprio era português e mantinha uma relação de proximidade com a Coroa, requisito para ocupar sua patente. Em meio aos dois grupos opostos, encontrou na delação premiada uma oportunidade.

A carta que desmontou o levante

Em 11 de abril de 1789, Silvério dos Reis escreveu uma carta ao governador Visconde de Barbacena denunciando o plano dos inconfidentes. No documento, detalhou nomes, objetivos e datas. A derrama foi suspensa. Os principais articuladores foram presos.

Como recompensa, o delator exigiu o perdão de todas as suas dívidas, uma pensão vitalícia, comendas honoríficas, cargos públicos e audiência com o príncipe regente. Não se sabe quantas das demandas foram atendidas, mas a traição foi suficiente para mudar o curso da história brasileira.

Traidor rejeitado

A reação pública não tardou. A denúncia lhe garantiu favores da Coroa, mas selou sua reputação entre os conterrâneos. Foi hostilizado em Minas Gerais, sofreu atentados e precisou fugir para Lisboa. Voltou ao Brasil em 1808, instalando-se no Maranhão, terra da esposa.

Morreu em 1819, cercado por rejeição. Sua tentativa de ascensão social não teve o prestígio esperado. Joaquim Silvério dos Reis entrou para a história como símbolo de traição, em contraponto à figura de Tiradentes, único inconfidente executado, transformado um século depois em mártir nacional.

Ironia histórica

A delação de Silvério dos Reis não apenas desarticulou um dos principais movimentos contra o domínio português. Ela também estabeleceu, no imaginário popular, o desprezo ao delator. Seu nome se tornou sinônimo de traição. A história de Joaquim Silvério dos Reis é a lembrança de que, no Brasil, a escolha por delatar uma conspiração costuma vir a um preço alto.

Uma ironia paira sobre o nome de Silvério dos Reis: se houve traição de sua parte, é difícil dizer que a vítima foi exatamente a Inconfidência. Como militar, seu compromisso era com Lisboa, e era seu dever, como representante da Coroa, tomar iniciativa diante de ameaças. No lugar do cumprimento cego da missão, o Coronel preferiu cobrar um preço em troca de seu futuro ostracismo.

Fonte: Congresso em Foco

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