O timing para a chegada às livrarias brasileiras de “A Geração Ansiosa – como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais”, lançado nesta terça (16), não poderia ser mais adequado.
A ansiedade saiu dos consultórios médicos para se tornar estrela de cinema. A animação “Divertida Mente 2”, lançada no mês passado, em poucas semanas superou US$ 66 milhões em arrecadação e se tornou a maior bilheteria da história dos cinemas brasileiros.
A animação da Disney fala das emoções que povoam o cérebro de uma adolescente de 13 anos – e a Ansiedade ganha papel de destaque.
Já o livro do psicólogo americano Jonathan Haidt condensa, em pouco mais de 400 páginas, uma série de estudos que mostram que o uso das redes sociais não apenas está correlacionado a transtornos mentais em crianças e adolescentes da geração Z, mas é sua causa.
Apesar da densidade dos dados apresentados – são 44 páginas de notas de rodapé e outras 36 de referências bibiliográficas –, o autor é didático e resume em tópicos os assuntos de cada capítulo. Segundo ele, “os custos de utilizar redes sociais são particularmente altos na adolescência, em comparação com a vida adulta, e os benefícios são mínimos”.
Haidt recupera o período entre 2010 e 2015, quando a vida social dos adolescentes americanos começou a ser impactada pela presença constante de smartphones, com acesso permanente a redes sociais, jogos on‑line etc. Haidt chama essa mudança social de “Grande Reconfiguração da Infância”, e, de acordo com ele, foi a principal razão da onda gigante de transtornos mentais em adolescentes do início da década de 2010.
Assim, a primeira geração de jovens americanos (mas não só, já que mais à frente Haidt apresenta dados de outros países) que entraram na puberdade com acesso a smartphones apresenta maiores índices de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio. É a chamada “geração Z”, que veio depois dos millennials, que em sua maior parte já haviam saído da puberdade quando a Grande Reconfiguração teve início, em 2010.
Essa onda gigante de ansiedade, depressão e automutilação impactou mais as meninas que os meninos, e mais ainda as pré‑adolescentes. A taxa de suicídio de adolescentes começou a aumentar por volta de 2008 nos Estados Unidos, e cresceu muito mais na década seguinte.
Haidt até cita teorias como o impacto de guerras e do aquecimento global na saúde mental dessa faixa etária, mas, argumenta, nenhuma outra teoria explica por que os índices de ansiedade e depressão aumentaram entre os adolescentes em tantos países, ao mesmo tempo e da mesma maneira. “É claro que outros fatores contribuíram para o declínio da saúde mental, porém o agravamento sem precedentes entre 2010 e 2015 não pode ser explicado pela crise financeira mundial ou por quaisquer eventos que tenham ocorrido nos Estados Unidos ou em outros países em particular”, afirma.
Superproteção no mundo real também causa prejuízo a crianças
Para o autor, que é professor na Stern School of Business da Universidade de Nova York, há ainda um fator social que ajuda a ampliar os índices de ansiedade. “Há uma segunda história, que é a da guinada bem‑intencionada porém desastrosa em direção à superproteção das crianças e à restrição de sua autonomia no mundo real. A afirmação central destas páginas é que essas duas tendências — superproteção no mundo real e subproteção no mundo virtual — são as principais responsáveis por tornar as crianças nascidas depois de 1995 a geração ansiosa”.
O autor demonstra como a “infância baseada no brincar” entrou em declínio na década de 1980 e foi substituída pela “infância baseada no celular”, acompanhada por uma hiperconectividade que alterou o desenvolvimento social e neurológico dos jovens e tem causado privação de sono, privação social, fragmentação da atenção e vício.
Como pais, escolas e a sociedade podem atuar por uma infância digital saudável
De acordo com Haidt, a saída para evitar que o cenário se agrave é uma ação coordenada, com escolha de ações mais benéficas para todos no longo prazo. Ele cita quatro reformas fundamentais:
1 Nada de smartphone antes do nono ano (o equivalente ao 1º ano do ensino médio no Brasil). Antes disso, os pais devem dar aos filhos apenas celulares básicos (com aplicativos limitados e sem navegador de internet). “Smartphones, tablets, computadores e televisões não são apropriados para crianças muito pequenas. Em comparação com outros objetos e brinquedos, esses aparelhos transmitem estímulos sensoriais intensos e absorventes. Ao mesmo tempo, incentivam o comportamento passivo e o consumo de informações, o que pode retardar o aprendizado”, argumenta.
2 Nada de redes sociais antes dos 16 anos. As crianças devem passar pelo período mais vulnerável do desenvolvimento cerebral sem ter acesso a um fluxo sem filtro de comparações sociais e influenciadores escolhidos por algoritmos.
3 Escolas não devem permitir celulares. Durante todo o período de aula, em todas as escolas, desde o ensino fundamental até o médio, os alunos devem deixar trancados celulares, smartwatches e quaisquer outros dispositivos pessoais que enviem ou recebam mensagens, atrapalhando a capacidade de concentração.
4 As crianças devem brincar mais de maneira não supervisionada e independente na infância. Dessa maneira, desenvolvem naturalmente habilidades sociais, superam a ansiedade e se tornam jovens adultos autônomos.
“A humanidade evoluiu na Terra. Crianças evoluíram para a brincadeira física e a exploração. Elas prosperam quando têm raízes em comunidades do mundo real, não em redes de contatos virtuais e descorporificadas. Crescer no mundo virtual promove ansiedade, anomia e solidão. A Grande Reconfiguração da Infância tem sido um fracasso catastrófico. É hora de dar fim a esse experimento. Vamos trazer nossas crianças de volta para casa”, conclui.
Fonte: CNN Brasil