ARACAJU/SE, 5 de dezembro de 2025 , 10:30:52

A régua desigual das redes sociais e o impacto emocional das comparações de fim de ano

À medida que dezembro vai acontecendo, as redes sociais se enchem de publicações comemorando conquistas, viagens, promoções, metas cumpridas e um sentimento generalizado de vitória. As retrospectivas digitais se tornaram um ritual contemporâneo, uma vitrine onde cada um expõe o melhor de si e do próprio ano. No entanto, sob o brilho desses relatos, existe uma realidade que raramente aparece nos feeds: 2025 não foi um ano bom para muita gente. E essa constatação não diminui a alegria de quem celebra, mas convida a refletir sobre o que fica escondido entre as imagens editadas e as frases motivacionais.

Como jornalista e psicóloga, observo com preocupação a naturalização de comparações que surgem nesse período. Comparar-se ao outro é um processo inerente à experiência humana, mas quando essa comparação é feita usando uma régua desigual, o impacto emocional pode ser profundo. As redes sociais potencializam esse movimento ao oferecer uma janela permanente para a vida alheia, mas essa janela nunca mostra tudo. Mostra apenas o recorte que convém, o que se encaixa na narrativa desejada. Enquanto isso, o que não deu certo, o que doeu, o que precisou ser enfrentado no silêncio, dificilmente aparece.

Para muitos, 2025 foi marcado por crises financeiras, instabilidade no trabalho, perdas afetivas, desafios com a saúde mental e física ou até mesmo a sensação de que nenhum esforço foi suficiente. Ainda assim, ao se depararem com o desfile de conquistas alheias, é comum surgirem sentimentos de inadequação, fracasso e autocrítica severa. Essa sensação não é resultado da falta de mérito ou de empenho individual, mas de contextos profundamente desiguais. Oportunidades não são distribuídas de forma homogênea. Acesso à educação, estabilidade, suporte emocional, rede de apoio, segurança, tempo e até mesmo saúde são variáveis que interferem diretamente no que cada pessoa pode alcançar em um determinado período.

A lógica da comparação desconsidera esses fatores e transforma vidas complexas em métricas simplificadas. Em um ambiente onde cada um apresenta apenas seus melhores momentos, a ilusão de que existe um padrão ideal de sucesso se intensifica. E quando esse padrão é inalcançável para muitos, o sofrimento emocional cresce. É importante lembrar que reconhecer as próprias limitações não é sinônimo de fracasso, mas um ato de honestidade consigo mesmo. Nem todo mundo teve as mesmas oportunidades em 2025, e isso não deveria ser motivo de culpa ou vergonha.

O final de ano não precisa ser um palco de competição silenciosa. Pode ser um momento de acolhimento, de reconhecimento das próprias lutas, de empatia com as trajetórias diversas que coexistem em uma sociedade tão plural quanto desigual. Se a retrospectiva de alguém é repleta de conquistas, que seja celebrada. Mas que também haja espaço para quem simplesmente resistiu, sobreviveu ou caminhou no próprio ritmo. A vida não acontece dentro das molduras perfeitas das redes sociais, mas nos bastidores que cada um carrega e que raramente são compartilhados.

Ao entrar em 2026, talvez o convite mais necessário não seja o de fazer mais, conquistar mais ou mostrar mais, mas o de olhar para si e para o outro com mais humanidade. Em vez de seguir medindo a própria vida com a régua do vizinho, talvez seja tempo de construir um instrumento próprio, que leve em conta a realidade, a história e os limites de cada um. Porque no fim das contas, não é a comparação que define quem somos, mas a capacidade de atravessar cada ano de maneira verdadeira, mesmo quando aquilo que conseguimos não cabe em um post comemorativo.

Por Adriana Meneses ( jornalista, psicóloga e pesquisadora).

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