O céu está cinza e o ar está difícil de respirar. A densa camada que vem cobrindo o céu é reflexo das chamas na Amazônia, que registra o maior número de focos de fogo em 17 anos, e se soma aos incêndios pelo Norte do país e com a seca que castiga mais de mil cidades brasileiras.
A floresta registrou 59 mil focos de fogo desde janeiro até agora. O número é o maior desde 2008 e pode aumentar, já que o levantamento é feito mês a mês e agosto ainda não terminou. Toda essa fumaça que cobre a floresta está viajando milhares de quilômetros.
Esse volume ainda se soma ao que vem do Pantanal, de Rondônia com a queimada no Parque Guajará-Mirim há um mês, e da Bolívia, formando uma densa camada cinza na atmosfera que é arrastada para o restante do mapa formando um “corredor de fumaça”.
Até agora, há registros de fumaça nos seguintes estados:
- Rio Grande do Sul
- Santa Catarina
- Mato Grosso do Sul
- Mato Grosso
- Acre
- Rondônia
- Oeste do Paraná
- Parte de Minas Gerais
- Trechos de São Paulo
- Amazonas
A previsão é que a partir desta quarta-feira (21) o volume de fumaça piore com o vento frio que traz a frente fria do fim de semana.
Por que isso está acontecendo?
A primeira causa está relacionada à intensidade do fogo. Na Amazônia Legal, foram registrados, só no mês de agosto, mais de 22 mil focos de incêndio. No mesmo período do ano passado, por exemplo, o número era de 12 mil. Este é o pior momento para a floresta neste período dos últimos 17 anos.
No restante do país, o cenário também não é favorável. De forma geral, o país está no pior momento em relação aos focos de incêndio da última década.
O segundo fator é a seca, que serve como ignição para os focos de incêndio, somando-se às queimadas ilegais. Geralmente, a estiagem acontece de agosto a outubro, mas o pico acontece em setembro, quando sentimos mais os impactos. No entanto, meteorologistas explicam que ela chegou antes do previsto, ainda em julho.
A causa disso é uma consequência do El Niño, que deixou um déficit hídrico com a seca que causou no ano de 2023, e que se soma ao aquecimento do Atlântico, que continua fervendo e a consequência é menos umidade e chuva pelo país. Além do aumento das temperaturas, por causa do aquecimento global.
Segundo o Cemaden, que também monitora as secas no país, há mais de mil cidades em situação de estiagem, variando de severa a moderada. Entre os municípios da Amazônia, mais de 60% estão sob essa classificação. Esse cenário torna o território mais propenso ao fogo e à expansão dos incêndios.
Isso fez com que o período crítico de queimadas chegasse antes do tempo e a preocupação é se ele vai terminar antes ou se vamos ter um período de queimadas estendido.
“O que mais preocupa este ano, em relação aos anteriores, é que não se sabe ao certo se o que está acontecendo é simplesmente uma antecipação do período crítico ou se, realmente, teremos um período mais longo de exposição à fumaça tóxica, já que o pico da poluição em 2023 foi em outubro. Seria algo inusitado e extremamente preocupante”, Jesem Orellana, epidemiologista e pesquisador da Fiocruz.
Por que há fogo recorde na Amazônia se o desmatamento caiu?
Segundo o último levantamento do Inpe, houve uma redução de 45% no desmatamento na Amazônia no último ano, entre agosto de 2023 e julho de 2024. O número é um recorde em termos de preservação e representa o menor índice de perda do bioma registrado desde o início da série histórica, que começou em 2015.
E você pode se perguntar: como há mais fogo se o desmatamento está caindo?
O pesquisador do Inpe, Luiz Aragão, que atua no monitoramento de queimadas, explica que isso ocorre porque, apesar da redução, o desmatamento ainda continua. Mas principalmente as áreas desmatadas anteriormente continuam sendo afetadas pelo fogo.
“A Amazônia tem mais de 800 mil quilômetros quadrados de áreas desmatadas, a maioria utilizada para pastagem. Portanto, quem está nessas áreas continua utilizando o fogo para o manejo do pasto, o que aumenta a incidência de queimadas, somando-se às novas invasões. Ou seja, não basta apenas reduzir o desmatamento, é necessário monitorar o que acontece com as áreas já destruídas”, diz Luiz Aragão, pesquisador do Inpe.
Ele reforça que, com o clima mais seco que a região vem enfrentando, o fogo utilizado em áreas específicas acaba se alastrando, atingindo grandes proporções e produzindo grandes quantidades de fumaça, como a que estamos vendo.
E como essa fumaça viaja tantos quilômetros?
O primeiro ponto para entender o motivo disso estar acontecendo é compreender que a atmosfera, que é a camada de gases que envolve a Terra, é uma só. Ou seja, mesmo que um evento seja isolado, como o fogo na Amazônia, quando a fumaça sobe para a camada da atmosfera, ela pode ser transportada para qualquer lugar.
O segundo ponto são as correntes de vento. Há um fluxo natural que vem do oceano, entra no território brasileiro pelo nordeste, passa pela Amazônia ganhando umidade e segue para o sul do Brasil. Esse é o mesmo sistema, por exemplo, que afeta o país com a seca que existe no Norte.
No entanto, dessa vez, ao passar pela Amazônia, a corrente encontrou a fumaça e continuou seu ciclo, empurrando-a para o Sul do país, formando um “corredor de fumaça”.
Esses ventos continuam em fluxo para o restante do país, o que fez espalhar a fumaça, atingindo pelo menos dez estados brasileiros.
“Esse fluxo que deveria trazer umidade da Amazônia para o Sul encontrou fumaça e trouxe esse volume com ela. Ao chegar ao Sul, os ventos frios foram empurrando a fumaça, fazendo com que chegasse a outros estados no país. É como um sistema interligado”, explica Fábio Luengo, meteorologista do Climatempo.
E o que esperar para os próximos dias?
Segundo os especialistas, a partir de quarta-feira (21) a previsão é de que o cenário piore e a quantidade de fumaça aumente, atingindo com mais intensidade a capital São Paulo, indo até o interior do estado, avançando sobre Belo Horizonte em Minas Gerias e várias cidades do Paraná.
Isso vai acontecer por causa do vento frio que está trazendo a frente fria que vai avançar sobre o Centro-Sul. O meteorologista do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), Giovani Dolif, explica que o ar frio vai comprimir a fumaça, fazendo com que ela chegue mais rápido ao restante do mapa.
“Com a formação da frente fria, o ar frio vai comprimir esse corredor de fumaça que se formou e vai acelerar a chegada no Centro-Sul do Brasil. Isso vai diminuir a intensidade da fumaça no Rio Grande do Sul, onde está mais concentrada agora, mas vai espalhá-la com mais intensidade para outros estados brasileiros”, destaca Giovani Dolif, meteorologista do Cemaden, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
A previsão é que no fim de semana, quando a frente fria chega até a parte central do país, a fumaça seja empurrada para o oceano e haja uma trégua.
E você pode se perguntar, depois disso, a fumaça vai desaparecer? A resposta é que não. Ao voltar ao oceano, o ciclo natural do vento (que entra pelo oceano, levando até a Amazônia e é empurrado para o Sul) se repete. Se houver fumaça, ela pode voltar.
“A gente tem uma trégua depois da frente fria, mas se quando esse fluxo de ar for se repetindo ainda encontrar fumaça, ela pode voltar a circular. A trégua só acontece mesmo quando os incêndios acabarem ou quando vier a estação chuvosa, que só começa no fim de outubro”, explica Dolif.
Fonte: G1