ARACAJU/SE, 6 de agosto de 2025 , 3:29:29

Artigo destaca importância de Dom José Brandão de Castro, que completaria 101 anos neste domingo, 24

Neste domingo (24), Dom José Brandão de Castro completaria 101 anos, se fosse vivo. Ele nasceu na cidade mineira de Rio Espera, no dia 24 de maio de 1919. A mãe realizou o sonho de ver seu filho sacerdote: Aos 13 anos entrou para o Seminário Menor de Mariana, tendo sido ordenado presbítero no dia 6 de janeiro de 1944. Ao longo de seu ministério presbiteral participou intensamente da vida da Congregação, ocupando vários cargos e vivendo em diversas comunidades da Província do Rio até receber a sua nomeação para bispo da Diocese de Propriá, em Sergipe, em 1960, onde permaneceu até 1987.

Para celebrar o 101º aniversário de Dom José Brandão de Castro, o membro da Academia Sergipana Letras, Antônio Porfírio de Matos Neto, escreveu um artigo, onde relata a importância dessa sumidade religiosa.

Leia na íntegra:

DOM JOSÉ BRANDÃO DE CASTRO –PREITO DE

GRATIDÃO E SAUDADE

Antônio Porfírio de Matos Neto

Membro da Academia Sergipana de Letras – ASL

Dom José Brandão de Castro, nascido a 24 de maio de 1919, no ano passado completaria seu centenário existencial se entre nós estivesse. Hoje, em 2020, um ano após seu centenário, os sinos ainda dobram sua presença, pois presente continua em suas lições, nos ecos de sua sábia voz e na pujança de sua sabedoria.

Percorrer os caminhos do bispo redentorista é como caminhar, no passado, por uma estrada de fé, e, no presente e para o futuro, folheando um livro aberto de seu legado, que tão marcante ainda vive que impossível é não estar diante de uma sabedoria profética. Suas lições ainda retumbam pelas igrejas, pelos campos, perante os fiéis, diante dos humildes e desvalidos.

Dom José Brandão de Castro, conforme já afirmado, nasceu no dia 24 de maio de 1919, na cidade mineira de Rio Espera. Nasceu em meio a uma família de profundo catolicismo. Seus pais, César Augusto de Oliveira Castro e Maria Afonso Brandão de Castro, devotados aos ensinamentos cristãos, fizeram com que seus oito filhos sentissem na alma o valor dos ensinamentos bíblicos. E o filho José parece ter sentido mais de perto aquelas lições.

Despertado à fé, devocionado ao catolicismo, o menino José sentiu ser chamado aos ofícios religiosos, às primeiras experiências pastorais de sua vida. Assim, aos 13 anos resolveu ser seminarista e anos depois, no dia 28 de janeiro de 1939, decidiu que queria ser um Redentorista. Pelos degraus da fé, então foi se firmando e formando uma igreja de seu próprio coração. Igreja esta, voltada para os humildes, abriu suas portas em 06 de janeiro de 1944, quando foi ordenado sacerdote redentorista.

Longa é a trajetória de Dom José Brandão perante sua vocação e seus ofícios religiosos e pastorais. Estudou no Seminário Menor de Mariana, no Seminário São Clemente, da Ordem Redentorista de Congonhas do Campo, em Minas Gerais. Cursou Filosofia e Teologia no Instituto Redentorista de Estudos Superiores Affonsinianum, em São Paulo. Ordenou-se em 1944, atuando inicialmente em Coronel Fabriciano, Minas Gerais, e, em seguida, na Igreja de São José, em Belo Horizonte.

Após sua ordenação, daí em diante se fez pastor, se fez voz e ouvidos, caminhando os caminhos da humildade, indo sempre ao encontro daqueles que mais necessitavam de amparo, aconselhamento e proteção. Sua pregação passou a ser o povo, como verdadeiro pastor levando seu cajado não só como guia como em defesa dos clamores dos oprimidos. Seu denodo, sua persistência e carisma perante o povo, o tornaram cada vez mais reconhecido. Sua atuação sacerdotal se fez presente em Minas Gerais, São Paulo, Pará, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco e Sergipe. Participou do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965.

Sua chegada a Sergipe ocorreu em 1960, quando foi nomeado Bispo da recém-criada Diocese de Propriá, assumindo em 16 de outubro do mesmo ano, e onde permaneceu durante 27 anos, até 1987, quando teve de aposentar-se por problemas de saúde.

Em 02 de julho de 1960, Dom José Brandão de Castro foi elevado ao episcopado pelo Papa João XXII e logo escolhido para ser o primeiro bispo da Diocese de Propriá. E que isto se tenha não apenas como uma indicação qualquer, vez que a luta do bom pastor em favor dos pobres e oprimidos já era reconhecido no seio do Vaticano.

Uma nomeação que era também como aval para atuar muito além do púlpito, do altar e da sacristia, pois além das portas sacerdotais e em meio ao povo, ao lado de trabalhadores e lutando em prol dos menos favorecidos. A partir de então passou a ter uma atuação marcante no Baixo São Francisco. No entanto, fez história em todo o estado de Sergipe por conta do seu compromisso social.

Numa metáfora grandiosa e verdadeira, afirma-se até que foram os pobres do Baixo São Francisco e demais regiões sergipanas, como os índios Xocós da Ilha de São Pedro, em Porto da Folha, e os desvalidos da Barra da Onça nos sertões sergipanos, os perseguidos de Santana do São Francisco e demais comunidades, que realmente converteram Dom José Brandão. Profícua e grandiosa foi a atuação de Dom José Brandão de

Castro na Diocese de Propriá. Em 1967, fundou a Escola Técnica de Contabilidade. Participou da Comissão Pastoral da Terra, nos estados da Bahia e de Sergipe. Aquele homem de baixa estatura, porém um gigante no enfrentamento da ganância capitalista, do empresariado desumano e do latifúndio voraz e cruel. Notabilizou-se ainda mais a partir dos anos 70. A partir desse período, passou a acentuar sua atuação nos conflitos sociais sergipanos, principalmente na defesa dos trabalhadores rurais da Fazenda Betume, em 1974, e Santana dos Frades, em 1979. O próprio

Dom Brandão certa vez escreveu que o caso do Betume mudou sua vida e deu uma feição de luta e desafio à pastoral da Diocese de Propriá, que passou a ser mais combatente e voz e luta dos oprimidos.

E escreveu ainda que: Não me esqueço de que foi no Cap. 34 de Ezequiel que me inspirei para escrever a Carta Pastoral de 6 de junho de 1976, ponto marcante de minha “conversão” definitiva para os pobres. Já no Concílio, por volta de 1964, eu tinha aderido ao grupo que optou pela Igreja dos Pobres, mas, por incrível que pareça, a expressão concreta mesmo dessa mudança de posição somente se deu mais tarde. Foi quando do início do caso do Betume. Na minha Carta Pastoral de 6 de junho de 1976, fiz como uma paráfrase do Profeta Ezequiel:

Vai cuidar do meu Povo, o meu rebanho.

Vai tratar das ovelhas magras ou feridas,

Fortalecer as fracas e doentes.

Vai procurar também as ovelhas perdidas.

Vai cuidar do meu Povo, o meu rebanho.

Por falta de pastores está entregue às feras,

Quer nas praias do mar, quer nas margens dos rios,

No agreste, no sertão, nas roças e povoados.

Nos casebres de taipa ou nas choças de palha.

Vai cuidar do meu povo, o meu rebanho.

Por fim, diz Dom Brandão: Repito, não resta dúvida que foi o caso do Betume que abriu meus olhos. Aí compreendi que a gente precisava mesmo de bandear, como disse há pouco, para a opção preferencial pelos pobres.

Como dito, os pobres converteram Dom José Brandão, e este fez aflorar ainda mais sua opção preferencial pelos pobres. Através dos movimentos sociais, ouvindo os clamores dos oprimidos, sua luta se intensificou como de pés no chão, sem destemor perante os perigos e as ameaças. Seus Sermões eram como verdadeiros chamados à mesma conversão que havia se convertido: a união de forças em nome e em defesa dos desvalidos. Ora, o povo não devia esperar, e sim se fazer reconhecido em sua dignidade humana.

A questão da pobreza era uma das maiores preocupações de Dom José Brandão. Conforme cita França (2004, p. 112), o pastor legava às estruturas injustas do capitalismo grande parte da culpa pela exclusão de imensa parcela das classes trabalhadoras. O pobre também é identificado como aquele que é excluído das benesses dos programas estatais em prol da reforma agrária. São os que ficaram às margens e foram expulsos da terra, por não terem sido atendidos pelos governantes.

De rara inteligência, com agudeza de pensamento, Dom Brandão foi além do sacerdócio, pois adentrou no jornalismo, na escrita, tornando-se assim um grande expoente da doutrina cristã e dos movimentos sociais. Poeta, cronista, articulista, escritor, fez da palavra escrita também um púlpito para o seu pensamento e sua voz. Soube traduzir com fidelidade a voz do povo, a língua dos oprimidos, e tais virtudes permanecem como montanha imorredoura no tempo.

Conforme afirmado, Dom Brandão foi poeta, educador, conferencista, escritor, homem de muitas artes. Em 1945 foi redator da Revista Santuário de São Geraldo. Em 1946 estreou como escritor com o livro Vida de São Geraldo Magela. Depois publicou Os Estranhos Caminhos de Antônio Vieira e A Velha História de Caim e Abel.

Conforme cita José Anderson Nascimento, em sua grandiosa obra Perfis Acadêmicos, onde os percursos históricos e literários dos membros da Academia Sergipana de Letras (ASL) são devidamente delineados, a obra poética de Dom Brandão é de ímpar profundidade.

Assim como no poema A Espiral da Esperança, adiante transcrito:

Quem poderá sondar o instante inicial

Em que Deus deflagrou o impulso criador

E os átomos, e o gene, e o espaço, e o moto, e a cor,

E os antes e os depois –surgiram afinal?

São milhões e milhões de séculos. E é tal

a distância no tempo e a incidência na dor

que se vive a sonhar com um termo promissor,

num cosmos redimido e existencial!

Prossegue em seu caminho a lenta evolução,

No impossível da angústia e no afã da refrega,

Tudo a se transformar e sempre em mutação.

Mas um dia –esperança a que o homem se apega

– Ele há de ser feliz, feliz –e por que não? –

Nacerteza de que chegou ao “PONTO ÔMEGA”!

Pertenceu à Academia Sergipana de Letras, ocupando a Cadeira 24, cuja posse ocorreu em 21 de outubro de 1977. Seu sucessor, o saudoso acadêmico João Oliva Alves, sobre Dom Brandão assim se pronunciava em seu discurso de posse, este proferido no dia 07 de junho de 2001:

Eleito para esta Academia como sucessor do acadêmico Josué Silva, tomou posse em 21 de outubro de 1977. Bispo da Igreja, de visão profundamente humanista, era capaz de compreender pelo lado positivo, certas expressões lançadas como um grito de incompreensão e revolta contra Deus, como é o caso do soneto “Ignorabimus”de Tobias Barreto, que ele fez questão de recitar num discurso que proferiu para os formandos da Turma de Direito da Universidade Federal de Sergipe, no ano de 1979.

Ele considerou este soneto como “um grito parado no ar”, um grito que desvenda a inquietação espicaçada da inteligência genial de Tobias, num instantâneo realista de quem se angustiava pelos sofrimentos de seus irmãos, mas não via no Cristianismo a prometida salvação dos oprimidos. Entretanto, para o homem de fé este grito não pode ser de desespero, pois para o cristão a liberdade é uma conquista social a se operar na História através dos próprios homens.

Permaneceu em Sergipe até o ano de 1987, quando já adoentado e esgotado, resolveu pedir para voltar à Província. Diagnosticado com Alzheimer, faleceu em 25 de dezembro de 1999,

em Curvelo (MG). Após sua morte, alguns de seus colaboradores fundaram, em Aracaju, o Centro Dom José Brandão de Castro, organização nãogovernamental voltada para a ação social e a defesa dos trabalhadores rurais de Sergipe.

Sua igreja, ou a igreja dos pobres e oprimidos –assim como a igreja gestada na missão de Dom Hélder Câmara – continua frutificando pelas ribeiras do São Francisco e pelos sertões sergipanos.

Sua voz ainda é ouvida, Dom Brandão, e seus ensinamentos ainda tidos como bandeiras de luta e de fé!

REFERÊNCIAS

ALVES, João Oliva. Discurso de Posse. Revista da Academia

Sergipana de Letras. Aracaju: EDISE.

FRANÇA, Alex Sandro dos Santos. A Conversão de Dom José

Brandão de Castro: Ação Social de Mediadores Religiosos na

Diocese de Propriá/SE. (Tese de Mestrado). Recife, 2004.

NASCIMENTO, José Anderson do. Perfis Acadêmicos. Aracaju:

EDISE

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