ARACAJU/SE, 26 de novembro de 2024 , 7:44:08

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Artista cria foto com IA, ganha concurso e recusa prêmio

 

A inteligência artificial vai ser o parque de diversões de artistas e, em alguns lugares, a brincadeira já começou. O artista alemão Boris Eldagsen resolveu fazer uma provocação ao júri de um dos mais reputados concursos internacionais de fotografia, o da Sony. Só na categoria profissional, foram 180 mil inscritos, os quais disputavam um bom dinheiro –US$ 25 mil mais um equipamento digital de primeira linha. O artista inscreveu uma foto feita com uso de inteligência artificial sem contar para os jurados que havia usado a ferramenta.

A obra tem um título pomposo e cifrado (“Pseudoamnésia: O Eletricista”) e mostra duas mulheres, uma mais velha inclinada sobre as costas da mais jovem, em tom sépia, como se fosse uma imagem da 1ª metade do século 20. Eu fiquei tentado a imaginar que seria uma foto alemã do período da infâmia nazista, na qual o mistério se sobrepõe aos crimes conhecidos. Fiz essa associação por um motivo simples: o artista vive em Berlim.

O trabalho ficou em 1º lugar na categoria “Criativos”. Nenhum jurado notou a manipulação. Foi o artista quem revelou o uso de inteligência artificial e recusou o prêmio com um argumento óbvio, mas provocador: inteligência artificial não é fotografia. O júri ficou enfurecido por ter sido enganado e desclassificou o trabalho de Eldagsen.

O artista alemão tinha um propósito claro ao se inscrever no concurso, como disse à BBC em Londres: discutir o futuro da fotografia e seu nexo com tecnologia de ponta. Depois ele explicou por que recusou o prêmio: “Imagens de IA e fotografia não podem competir entre si em um prêmio como esse. Elas são entidades diferentes. Por causa disso eu não vou aceitar o prêmio”.

Os jurados ficaram magoados com Eldagsen e disseram em nota que foram enganados. Segundo eles, o artista afirmou que o trabalho era uma parceria dele com ferramentas de inteligência artificial.

A Sony disse que o trabalho toca numa questão essencial sobre as imagens produzidas hoje, mas recusou o debate que o artista havia proposto com a seguinte alegação: o concurso visa a premiar “a excelência e a habilidade de fotógrafos e artistas que trabalham com esse meio”.

É a pior resposta possível. Porque as ferramentas de IA vão inundar o mundo de imagens e os profissionais precisam decidir o que fazer. Recusar essa discussão é tão conservador quanto afirmar que celular não faz foto, como faz o fotógrafo Sebastião Salgado, um reacionário em arte que se vende como justiçador social.

A tecnologia vai embaralhar cada vez mais as imagens, como a reprodução fez com as obras de arte no final do século 19 e começo do 20. A ideia de um trabalho original talvez vire uma lembrança do que era fotografia no século 20. Fotografia autoral sempre foi um produto caro. Com a proliferação de publicações via internet, será impossível frear as imagens inventadas pelas ferramentas de inteligência artificial. A profissão de fotógrafo vai continuar a existir, acredito, mas de uma forma diferente.

Há um caminhão de questões éticas a serem discutidas. É possível falar em autoria com o uso de IA? Como as ferramentas de IA vasculham a internet para criar novas imagens, como fica a questão do direito autoral? Vale tudo para produzir uma imagem?

Os fotógrafos estão em choque porque o mundo deles está prestes a desabar. Qualquer adolescente é capaz de criar imagens que parecem feitas por fotógrafos que estão na estrada há décadas. Evitar o debate, porém, é o pior caminho a ser seguido.

Foi o que fez a Sony depois da revelação de que a foto vencedora fora feita com IA. O artista alemão propôs um debate público sobre a questão, a ser realizado junto com a exposição dos vencedores, na Somerset House, um centro cultural conhecido pela ousadia, no centro de Londres. A Sony recusou a proposta. Ofereceu um espaço no blog da exposição, no formato perguntas e respostas.

O artista deu uma banana para a Sony. Em mensagem no seu site, escreveu: “Caro Sony World Photography Award. Pare de dizer bobagem e junte-se à discussão que importa”. Falou e disse, como diziam os hippies.

Fonte: Poder 360

 

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