Uma decisão recente da União Europeia abriu mais uma possibilidade para as energias renováveis e para a diminuição das emissões de poluentes que provocam o aquecimento global: o uso do biometano e do hidrogênio. Desde maio deste ano, uma resolução do bloco determina a substituição do gás natural, extraído juntamente com o petróleo, por esses gases, que têm um baixo índice de carbono. Até o final de outubro, o bloco deve aplicar as novas regras nos países integrantes do bloco, que terão um prazo de dois anos para adaptarem suas legislações nacionais às novas disposições. A resolução também cria uma meta de que, até 2050, o uso de gases renováveis e de baixo carbono alcance cerca de 66% de participação do mercado.
Entre as justificativas, a busca de alternativas para uma das consequências da guerra travada desde março de 2022 entre Rússia e Ucrânia: corte do gás natural fornecido aos países europeus pela Rússia e por Belarus, que são as principais fornecedoras do insumo. A resolução, em um de seus trechos, fala textualmente em “eliminar progressivamente as atuais dependências da União em relação ao gás natural ou ao hidrogênio fornecido por empresas de países terceiros sujeitas a medidas restritivas da União, ou de evitar novas dependências, e de proteger interesses essenciais em matéria de segurança”.
No entanto, a Europa alega que a medida de “facilitar a penetração do gás renovável, do gás hipocarbônico e do hidrogênio no sistema energético” visa contribuir para as metas de redução de gases, o que inclui o atingimento da neutralidade climática até 2050. “O presente regulamento visa igualmente criar um quadro regulamentar que dê a todos os participantes no mercado os meios e os incentivos para abandonarem progressivamente o gás fóssil e planejarem as suas atividades, a fim de evitar efeitos de dependência, e visa garantir um abandono gradual e atempado do gás fóssil, nomeadamente em todos os setores industriais relevantes e para fins de aquecimento”, diz outro trecho do documento.
Apesar de bastante utilizado, principalmente pela indústria e para a geração de energia (principalmente pelas termoelétricas), o gás natural é encarado como poluente, por ser diretamente derivado do petróleo. Ele é composto principalmente por metano (CH₄), com pequenas quantidades de hidrocarbonetos (como etano, propano e butano), dióxido de carbono (CO₂), nitrogênio (N₂), sulfeto de hidrogênio (H₂S) e traços de outros gases.
“A composição exata pode variar dependendo da localização do reservatório. O gás natural é extraído de reservatórios subterrâneos formados pela decomposição de matéria orgânica ao longo de milhões de anos, de forma similar ao que ocorreu na formação do petróleo, sendo que ambos são encontrados usualmente juntos nos reservatórios”, explica o professor Giancarlo Richard Salazar Banda, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos (PEP) da Universidade Tiradentes (Unit).
Já o biometano é composto quase inteiramente por metano, de forma similar ao gás natural, mas produzido a partir do uso de microrganismos anaeróbios (que não precisam de oxigênio para sobreviver) na decomposição de resíduos orgânicos, como resíduos agrícolas e esgoto. O hidrogênio, por sua parte, pode ser produzido a partir do biogás, através de um processo industrial que usa vapor a altas temperaturas para separar esse gás do metano e, em seguida, do monóxido de carbono e do dióxido de carbono. Outras formas de produção de hidrogênio são a eletrólise da água utilizando energias renováveis (hidrogênio verde) e a reforma a vapor de gás natural (hidrogênio cinza).
“O gás natural é mais poluente que o H₂ porque sua combustão libera dióxido de carbono (CO₂), um gás de efeito estufa. O biometano, embora produza quantidades similares de CO₂, é considerado mais sustentável porque é produzido a partir de resíduos orgânicos renováveis e pode ser carbono neutro. Ou seja, sua produção e uso resultam em emissões de CO₂ que são balanceadas pelo CO₂ absorvido pelas plantas durante seu crescimento”, diz o professor, pontuando que o hidrogênio não emite CO₂ quando utilizado, por não possuir carbono na sua composição.
A própria resolução da União Europeia sugere, como estão a ampliação da infraestrutura de produção e distribuição destes gases, bem como a concessão de descontos tarifários e incentivos para as alternativas ao derivado de petróleo, especialmente para o mercado de hidrogênio.
E o Brasil?
A decisão dos países europeus vem justamente no momento em que o Brasil, e especialmente o estado de Sergipe, buscam incrementar e ampliar os investimentos na cadeia produtiva de gás natural, para se firmar como um grande fornecedor do insumo. Recentemente, o estado nordestino inaugurou um gasoduto que conecta o Terminal de Armazenamento e Regaseificação de GNL e o Complexo Termelétrico da Eneva, na Barra dos Coqueiros (Grande Aracaju) à malha de transporte de gás natural da Transportadora Associada de Gás (TAG), o que levanta muitas possibilidades de comercialização do gás sergipano para outros estados do Nordeste e do Sudeste do país.
Giancarlo Salazar admite que a resolução da União Europeia pode afetar os planos brasileiros, pois o mercado europeu estará reduzindo sua dependência de combustíveis fósseis. Mas, por outro lado, ela pode abrir oportunidades para o Brasil se posicionar como um fornecedor de biometano e hidrogênio, aproveitando seu grande potencial em energias renováveis como energia solar e eólica, assim como em biomassa.
“O Brasil tem potencial para realizar essa transição, especialmente considerando sua vasta produção agrícola, cujos dejetos e subprodutos podem ser utilizados para produzir biometano. Além da produção de hidrogênio a partir do biometano, o Brasil tem um grande potencial para aplicação de energia solar, que pode ser utilizada para produzir hidrogênio verde a partir da água. Contudo, seria necessário um investimento significativo em infraestrutura e tecnologia”, avalia o professor, ressaltando que o poder público deve criar políticas e incentivos econômicos, fomentando um mercado viável para esses combustíveis.
Fonte: Asscom Unit