A leitura da área dos corpos hídricos do Brasil, total da superfície coberta por água natural e reservatórios, mostra um encolhimento da capacidade nos biomas Amazônia, Pantanal, Cerrado e Pampa, com quedas pronunciadas registradas em 2023 em relação à média histórica, mostra levantamento da rede de pesquisa MapBiomas publicado nesta quarta-feira (26).
Na avaliação dos corpos hídricos naturais, houve uma queda de 30,8% ou 6,3 milhões de hectares em 2023 em relação a 1985. Seis bacias hidrográficas do país, metade do total, estiveram abaixo da média histórica no ano passado, indicam os dados. As fontes naturais, como rios e lagos, responderam por 77% da superfície de água no país.
Os 23% restantes são estruturas criadas pelo homem, como reservatórios, hidrelétricas, aquicultura e mineração, esta uma área de 4,1 milhões de hectares. Os grandes reservatórios, monitorados pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento), somaram 3,3 milhões de hectares, um crescimento de 26% em 2023 em relação a 1985.
No total, o mapeamento indica que a água cobriu 18,3 milhões de hectares do Brasil ou 2% do território nacional no ano passado. Embora a extensão corresponda ao dobro da área de Portugal, o dado representa uma queda de 1,5% em relação à média histórica. Desde 2000, os registros vêm ficando abaixo da média, alertam pesquisadores.
Dez estados tiveram também medições abaixo das médias históricas em 2023. Os casos mais severos ocorreram em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com perda de área de água de 274 mil hectares (-33%) e 263 mil hectares (-30%), respectivamente. A região este ano sofre com uma seca intensa, baixo nível dos rios e incêndios florestais que ameaçam o Pantanal.
O município de Corumbá (MS), onde incêndios chamaram atenção na última semana, foi o que mais perdeu superfície de água em 2023 em relação a média da série histórica: 261 mil hectares (-53%). Na avaliação geral dos municípios, 53% ficaram abaixo da média histórica (2.925 localidades).
Os biomas Amazônia e Pantanal “enfrentam uma grave redução hídrica, levando a significativos impactos ecológicos, sociais e econômicos. Essas tendências agravadas pelas mudanças climáticas ressaltam a necessidade urgente de estratégias adaptativas de gestão hídrica”, afirma Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água, responsável pelo estudo. Analisando imagens de satélite, os pesquisadores conseguem avaliar a presença da água em uma precisão que analisa recortes de 900 metros quadrados.
Raio-X da água nos biomas em 2023
Situação de corpos hídricos em relação à média histórica:
- Pantanal: -61%
- Cerrado: -53,4% (apenas corpos hídricos naturais)
- Pampa: -40%
- Amazônia: -27,5%
- Caatinga: +6%
- Mata Atlântica: +3%
Amazônia
A combinação entre mudança climática, que vem diminuindo a chuva na região amazônica, e o desmatamento, que retira árvores e enfraquece o sistema de produção natural de umidade da floresta, está por trás da perda de superfície líquida no bioma, explica o coordenador do MapBiomas Água, Carlos Souza Jr.
Mais da metade da superfície de água do país, 62% do total, está na Amazônia. Em 2023, o bioma apresentou uma área alagada de quase 12 milhões de hectares, uma retração de 3,3 milhões de hectares (27,5%) em relação à média histórica. Com a seca severa no ano passado, de outubro a dezembro foram registradas no bioma as menores superfícies de água da série, que considera dados gerados desde 1985. Este ano, o baixo nível dos rios gera expectativa de uma temporada ainda pior, com previsões de seca antecipada e 150 mil famílias atingidas no estado do Amazonas.
“A perda da superfície de água está relacionada a dois fatores: mudança climática em curso, com eventos extremos mais intensos e com mais frequência na Amazônia, [incluindo] secas que aconteceram em 2005, 2010, 2015, 2016 e agora 2023, relacionadas ao El Niño; e outro processo que leva à redução das águas é o desmatamento. Existe uma interdependência entre floresta e água.”, explica Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.
Pantanal
Desde 2018, o Pantanal vem apresentando tendência de redução na área de suas águas superficiais, afirma o MapBiomas. O bioma é considerado o que mais secou ao longo da série histórica. A superfície de água anual, que tem pelo menos seis meses com água, em 2023 foi de 382 mil hectares – 61% abaixo da média histórica. O bioma responde por 2% da superfície de água do total nacional.
Uma das razões para este efeito é a diminuição de vegetação nativa no entorno do Pantanal, onde estão as nascentes e cabeceiras dos rios que nutrem a planície alagada. Em 1985, calcula-se que havia cerca de 60% de vegetação nativa na região, projeção que hoje está em torno de 40%. Mesmo havendo épocas de cheia nos rios, estas estão sendo fracas.
“Em 2024, nós não tivemos o pico de cheia. O ano registra um pico de seca, que deve se estender até setembro. O Pantanal em extrema seca já enfrenta incêndios de difícil controle”, ressalta Eduardo Rosa, do MapBiomas. A ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) declarou situação de estresse hídrico devido ao nível dos rios na região, e nesta semana, o estado de Mato Grosso do Sul decretou situação de emergência em meio às queimadas no bioma.
Cerrado
Em 2023, a superfície de água do Cerrado foi a maior registrada desde 1985, devido à quantidade de reservatórios na região. A alta foi 11% acima da média histórica no bioma, chegando a 1,6 milhão de hectares, ou 9% do total nacional.
Os corpos de água naturais, por sua vez, perderam 696 mil hectares – queda de 53,4%. No ano passado, as águas superficiais naturais ocupavam 608 mil hectares do Cerrado ou 37,5% da cobertura de água do bioma. Os 62,5% restantes ficaram divididos principalmente entre hidrelétricas (828 mil hectares) e reservatórios (181 mil hectares).
Caatinga
Após um longo período de seca, que se estendeu por sete anos, resultando em uma das maiores secas do Nordeste, desde 2018 é possível observar uma tendência de acréscimo na superfície de água na Caatinga, observa o MapBiomas. A região passa por um ciclo mais chuvoso e registrou em 2023 uma superfície de água de quase 975 mil hectares – 6% acima da média histórica e 5% do total nacional. Foi o ano de maior cheia em uma década.
“Todavia, é preciso atentar para a existência de problemas de secas localizadas e que, apesar do ciclo chuvoso, os dados evidenciam uma tendência geral de redução da superfície d’água, mesmo com o crescimento constante de reservatórios artificiais por todo o bioma”, comenta Diêgo Costa, pesquisador que participou do mapeamento.
Pampa
O bioma mais ao sul do Brasil teve em 2023 a menor superfície de água em reservatórios da série histórica, ficando 40% abaixo da média. “Em 2023, o Pampa teve o primeiro quadrimestre mais seco da série histórica. Os quatro primeiros meses de 2023 estiveram entre os cinco meses mais secos da série”, comenta Schirmbeck. As cheias no Rio Grande do Sul, entre setembro e novembro do ano passado, recuperaram a superfície de água, mas ainda assim ela se manteve 2% abaixo da média histórica.
Mata Atlântica
Entre 1985 e 2023, a Mata Atlântica ganhou 180 mil hectares de águas superficiais, com tendência de aumento nos últimos três anos. Desde 2000, a superfície de água antrópica é maior que a natural no bioma, resultado da construção de hidrelétricas, principalmente no Sul e Sudeste do país. O volume de água foi influenciado pelos eventos extremos de chuva no ano passado em São Sebastião (SP), que causaram pouco mais de 70 hectares de perda de vegetação natural, e também as chuvas no Vale do Taquari entre setembro e novembro, no Rio Grande do Sul, que causaram inundações.
A superfície de água na Mata Atlântica em 2023 ficou 3% acima da média histórica, superando os 2,2 milhões de hectares ou 12% do total nacional.
Fonte: Um só planeta