Não há uma fórmula mágica que explique a longevidade, mas pessoas supercentenárias existem — e a tendência, graças aos avanços da medicina, é que esse grupo aumente cada vez mais.
Segundo o Grupo de Pesquisa de Gerontologia (GRG, na sigla em inglês), uma instituição global de pesquisadores em campos de gerontologia, longevidade, saúde e demografia baseada em Los Angeles, nos EUA, 54 pessoas supercentenárias são monitoradas em todo o mundo — há um único homem nessa lista e ele é o mais jovem do grupo.
De acordo com Waclaw Jan Kroczek, pesquisador polonês do GRG, as mulheres geralmente vivem mais do que os homens por motivos que envolvem fatores como:
- diferenças biológicas;
- fatores comportamentais;
- estilo de vida e fatores sociais;
- suscetibilidade a doenças crônicas;
- teorias evolutivas.
“As mulheres têm dois cromossomos X, enquanto os homens têm um X e um Y. Essa diferença pode fornecer às mulheres uma vantagem genética. Se existe uma mutação prejudicial em um cromossomo X, o outro X pode compensar, reduzindo o risco de doenças genéticas”, disse ele.
Uma possibilidade com a qual Mayana Zatz, que coordena o laboratório de pesquisa no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP), concorda. “Nos mamíferos não humanos as fêmeas também vivem mais. Pode ser porque as fêmeas têm 2 cromossomos X e o macho só tem um. E evolutivamente, é interessante que a fêmea viva mais para proteger a sua prole.”
O consenso é que supercentários são aqueles com 110 anos ou mais. Essa é a régua adotada pelo GRG e também pelo LongeviQuest, outro grupo de pesquisadores que é referência no monitoramento e no mapeamento de supercentenários pelo mundo.
A lista do LongeviQuest, entretanto, é bem maior que a do GRG, com 278 listados. Isso acontece porque os processos de verificação podem demorar mais ou menos tempo e também porque dependem, em parte, de que os familiares dos supercentenários conheçam e contatem os institutos. Também não é simples ter tantos documentos em condições e fidedignos com mais de um século. E a validação não é rápida.
Não há nenhum supercentenário listado da Índia, país mais populoso do mundo, por exemplo, mas os estudiosos acreditam que essa ausência seja por desconhecimento e não por que eles não cheguem aos 110 anos lá. O “top 10” do GRG e do LongeviQuest, entretanto, são com as mesmas pessoas.
O segredo…
Na ponta dessas duas listas, que estão disponíveis de forma pública nos sites de ambos os grupos, está uma japonesa, Tomiko Itooka, com 116 anos. Ela é seguida por uma brasileira, Inah Canabarro Lucas, que tem a mesma idade, mas é um mês mais nova. Depois, a “medalha de bronze” é da americana Elizabeth Francis, que tem 115 anos.
De novo, observa-se a prevalência de mulheres nas primeiras posições. Kroczek ressalta um fator comportamental que também pode fazer essa balança pender mais para o lado delas.
“Os homens são mais propensos a se envolver em comportamentos de alto risco, como direção imprudente, abuso de substâncias e atividades perigosas. Isso pode levar a taxas mais altas de acidentes, lesões e mortes relacionadas à violência em homens, principalmente nos mais jovens.”
Já as mulheres cuidam mais da saúde e tendem a se apoiar mais em grupo (o que pode mitigar o estresse, por exemplo).
Ainda que seja tentador perguntar a essas pessoas “qual o segredo?”, estudiosos afirmam que não necessariamente é uma boa seguir os conselhos que eles respondem (há fumantes, sedentários, obesos, amantes de chocolate e açúcar nessa lista). A resposta que mais se aproxima do bom senso parece ser mesmo a genética (e até uma dose de sorte).
Queira você ser um supercentenário ou não, há algumas unanimidades entre profissionais da saúde para a vida longa: faça exercícios; beba água; coma nutrientes; evite açúcares, gorduras, drogas, cigarros e bebidas alcóolicas e… Tente levar uma vida menos estressante.
Quem são e onde vivem?
Tomiko Itooka, 116
- Nascimento: 23/05/1908
- País de origem: Japão
Tomiko praticava vôlei na escola, trabalhou em uma fábrica têxtil na Coreia do Sul e teve duas filhas e dois filhos, segundo o GRG. Ela tinha gosto por escalar montanhas e até mesmo escalou o Monte Ontake (altitude 3.000 m) duas vezes, de acordo com a imprensa internacional.
Hoje ela vive em Hyogo, no seu país natal.
Inah Canabarro Lucas, 116
- Nascimento: 08/06/1908
- País de origem: Brasil
Inah é uma freira que nasceu na cidade gaúcha de São Francisco de Assis. Segundo a biografia dela no site da LongeviQuest, quando criança ela era tão magra que muitas pessoas não achavam que ela sobreviveria. Ela morou no Uruguai, onde virou freira. Ao voltar ao Brasil, deu aulas de português e matemática.
Hoje ela vive em um convento em Porto Alegre. Segundo Mayana, que visitou a supercentenária, Inah vive bem e é muito paparicada.
Mayana é autora do artigo “Os segredos dos centenários saudáveis e dos supercentenários do Brasil”. Estudiosa do tema, ela se interessa em estudar centenários e supercentenários por aqui — de acordo com dados do Censo de 2022, o Brasil tem mais de 37 mil centenários. As pessoas interessadas em participar da pesquisa podem enviar um relato para o e-mail dnalongevo@usp.br.
Elizabeth Francis, 115
- Nascimento: 25/07/1909
- País de origem: EUA
A americana nasceu no estado de Louisiana e tinha dois anos quando o Titanic afundou. Hoje ela vive na cidade de Houston, no Texas. Segundo reportagem do jornal britânico “The Guardian”, Francis já atribuiu sua longevidade à sua fé e seus conselhos para viver tanto são “se o bom Deus lhe deu, use” e “diga o que pensa, não morda a língua”.
Mas, ao que parece, um boa genética também ajuda: sua falecida irmã Bertha Johnson viveu até os 106 anos.
Ethel Caterham, 115
- Nascimento: 21/08/1908
- País de origem: Inglaterra
Segunda filha de oito irmãos, a supercentenária britânica nasceu em Shipton Bellinger, Hampshire. Aos 18 anos, se mudou para a Índia, onde viveu por três anos trabalhando como babá para uma família britânica. De volta ao país natal, se casou e teve duas filhas.
Segundo sua biografia no GRG, Ethel dirigiu até os 97 anos. Atualmente, ela vive em uma luxuosa casa de repouso em Ash Vale, Surrey, onde há até um jardim nomeado em sua homenagem.
Segundo uma reportagem da BBC, ela disse que o segredo de sua longevidade é “nunca discutir com ninguém” e fazer o que gosta. Mas… Como em outros casos, a genética parece ter peso: uma de suas irmãs também passou dos 100, tendo atingido os 104 anos.
Okagi Hayashi, 115
- Nascimento: 02/09/1909
- País de origem: Japão
Outra japonesa supercentenária, Okagi bebe suco verde caseiro todas as manhãs. Até seus 80 anos, gostava de fazer viagens a fontes termais e jardinar com amigos. Também praticou caligrafia até seus 90 anos. Aos 112 anos, ela ainda conseguia ler jornais e gostava de completar quebra-cabeças.
Único homem da lista
John Tinniswood é oficialmente o homem mais velho do mundo, segundo a lista do GRG e do “Guiness Book”. Ele, que nasceu em Liverpool, na Inglaterra, em 26 de agosto de 1912 completou 112 anos recentemente. Segundo a BBC, ele mora em um lar para idosos na cidade de Southport, perto de sua cidade natal.
Ele era responsável pelas finanças em um posto administrativo do Corpo de Pagamento do Exército, responsável por assuntos financeiros e como contador da Shell e da BP. Seu prato favorito é peixe com batata frita, que ele diz comer uma vez na semana. Teve um único casamento (que durou 44 anos, até a morte da esposa) e uma única filha.
Mulheres no comando
O GRG aponta que aproximadamente 90% de todos os supercentenários verificados sejam mulheres. Kroczek detalha 5 pontos cruciais para explicar isso:
1. Diferenças biológicas:
Genética: mulheres têm dois cromossomos X, enquanto os homens têm um X e um Y. Essa diferença pode fornecer às mulheres uma vantagem genética.
Proteção hormonal: o estrogênio, principal hormônio feminino, pode ter efeitos cardiovasculares protetores, ajudando a regular os níveis de colesterol e reduzir o risco de doenças cardíacas.
Diferenças do sistema imunológico: pesquisas sugerem que as mulheres geralmente têm respostas imunológicas mais fortes, o que pode levar a uma melhor resistência a infecções.
2. Fatores comportamentais:
Assumir riscos: homens são mais propensos a se envolver em comportamentos de alto risco. Esses comportamentos podem levar a taxas mais altas de acidentes, lesões e mortes relacionadas à violência em homens, principalmente em nos mais jovens.
Cuidados com a saúde: mulheres tendem a visitar médicos com mais regularidade e procurar cuidados preventivos.
3. Estilo de vida e fatores sociais:
Tabagismo e consumo de álcool: historicamente, homens sempre tiveram taxas mais altas de tabagismo e consumo excessivo de álcool. Embora a lacuna esteja diminuindo em alguns lugares, esses comportamentos contribuíram historicamente para a expectativa de vida mais curta dos homens.
Redes de apoio: mulheres tendem a ter redes de apoio mais fortes e são mais propensas a procurarem ajuda em momentos de estresse. As conexões sociais são importantes para a longevidade, pois ajudam a mitigar o estresse.
4. Suscetibilidade a doenças crônicas:
Doença cardíaca: homens tendem a desenvolver doenças cardíacas mais cedo do que as mulheres.
Estresse crônico e inflamação: homens podem experimentar níveis mais altos de estresse crônico, o que pode resultar em pressão arterial mais alta e mais inflamações.
5. Teorias evolutivas:
Hipótese de investimento parental: biólogos evolucionistas sugerem que a expectativa de vida mais longa das mulheres pode estar ligada ao seu papel na reprodução e no cuidado.
Teoria do Soma Descartável: esta teoria postula que, como os homens historicamente enfrentaram mais perigos da competição e da guerra, houve menos pressão evolutiva para desenvolver uma expectativa de vida mais longa.
Fonte: G1