ARACAJU/SE, 22 de setembro de 2025 , 10:50:47

“Chegamos ao fundo do poço e não temos mais alternativas”

Por Cláudia Lemos

O Correio de Sergipe entrevistou na última quinta-feira, 16, o empresário Paulo Nunes, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário de Sergipe (Ademi-SE). Ele aponta para o momento de grande dificuldade que o setor da construção civil está passando em Sergipe, em decorrência da decisão da 3ª Vara do Trabalho de Aracaju-SE que, em 5 de maio último, determinou a paralisação das atividades do segmento, com exceção daquelas obras em serviço público consideradas essenciais e inadiáveis e com o respectivo afastamento dos trabalhadores. A decisão atendeu a pedido formulado em ação civil pública movida pelos Ministérios Públicos do Trabalho, Federal e Estadual. Dr. Paulo diz que, nesses mais de 60 dias de paralisação, o capital das empresas se exauriu e muitas podem não retornar às atividades. Ele chama atenção para o fato de Sergipe ser o único estado do país onde a construção civil está impedida de trabalhar. O seguimento foi considerado essencial tanto em Decreto do Governo Federal, como em Decreto do Governo de Sergipe. Apesar disso, o setor segue parado por força da referida decisão judicial. Paulo diz que para a construção civil a segurança do trabalho é algo ao qual é dado bastante valor, daí porque o setor rapidamente introduziu as medidas de segurança e enfrentamento ao novo coronavírus, previstas não apenas pelos decretos baixados, mas em acordo com o que prevê a Organização Mundial da Saúde. Ele também destaca a importância do setor para a economia e diz que hoje são cerca de 10 mil trabalhadores parados. Na sexta-feira, 17, um dia após esta entrevista, a Justiça do Trabalho liberou o retorno das atividades, mediante alguns condicionantes. Leia a entrevista a seguir:

Correio de Sergipe – Como a Ademi avalia o fato de Sergipe ser o único estado do país onde a construção civil está parada?

Paulo Nunes – Com grande preocupação! Já ultrapassamos mais de 70 dias de paralisação, o cenário compromete a continuidade das atividades das construtoras, principalmente, aquelas de médio e pequeno porte, que representam a maioria deste segmento econômico.

CS – O que o setor tem feito para tentar reverter a decisão da Justiça do Trabalho que impede a retomada das atividades?

Paulo – Estou falando pela Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário de Sergipe ( Ademi-SE), a qual eu presido. A ação civil pública foi movida contra o Sinduscon, que representa a categoria patronal em negociações coletivas. Como existia decreto do Estado autorizando o funcionamento da Construção Civil, certamente fomos surpreendidos pela liminar que determinou a cessação de nossas atividades.

O Sinduscon, Ademi, Asseop e o Estado de Sergipe manejaram diversos tipos de recurso, mas não obtivemos êxito. Em seguida, foram iniciadas tratativas para se buscar o retorno das atividades através de negociação de um acordo que, até o momento, não se mostrou bem sucedido, uma vez que as condições impostas, contrariam os decretos estaduais, e não atendem aos interesses da Construção Civil de Sergipe que pretende funcionar sem distinção do que acontece nos demais estados. Queremos ter o mesmo tratamento do restante do país. Importante mencionar que o canteiro de uma obra pública em nada se diferencia de um canteiro de obra privada, não havendo, a nosso ver, justificativa para se tratar a construção civil de forma distinta.

CS – O argumento apresentado na ação movida pelos Ministérios Públicos do Trabalho, Federal e Estadual, que pediu a suspensão das atividades, foi o risco de contaminação. Em outros estados, as atividades seguem com a adoção das medidas estabelecidas para o enfrentamento ao coronavírus. Em Sergipe o setor chegou a se preparar para proteger seus trabalhadores. Seria realmente arriscado?

Paulo – Quando os primeiros casos da doença surgiram no Brasil, as empresas começaram a se preparar para adotar todas as medidas preventivas, tanto que em março, todo o setor já operava de acordo com as condutas recomendadas pelas autoridades sanitárias.

O procedimento adotado em Sergipe é o mesmo empregado pelas construtoras de todo o país. 

Estudos demonstram que o canteiro de obras possui um baixíssimo índice de contaminação (1,15%), e que dos infectados um índice ainda menor (0,02%) demanda dos serviços de saúde. 

Considerando a baixa adesão da população ao isolamento social, situação prevista pela própria OMS em relação aos países em desenvolvimento, entendemos que o trabalhador estará mais protegido no canteiro de obras, além dos próprios benefícios sociais e psicológicos quando a pessoa se mantém produtiva.

Na obra, ele está sendo controlado, e constantemente instruído sobre os cuidados necessários, além de receber todos os equipamentos de proteção individual (EPIs) disponíveis, medição de temperatura, alimentação, distanciamento, sem falar que em qualquer anormalidade o operário é encaminhado ao serviço médico. 

O ministro Paulo Guedes (Economia) colocou a atividade da Construção Civil como referência no combate à pandemia e na geração de emprego. Cito ainda que uma pesquisa da Abrainc apontou que em todo o país são mais de 60 mil operários trabalhando nesse momento de pandemia, tendo sido registrado 8 óbitos pela Covid (na data da realização da pesquisa), correspondente a 0,01%, um índice baixo comparado ao índice de mortalidade pela doença no país. 

Outra vantagem para o trabalhador, é que o canteiro pode ser fiscalizado por diversos órgãos, além de ser mais fácil para o Poder Público fiscalizar 100 canteiros, do que 10.000 trabalhadores.

CS- Como acontece em outros segmentos, a paralisação trouxe um impacto grande para a construção civil. Exatamente de qual impacto estamos falando?

Paulo– Bom, no Estado o setor emprega cerca de 10 mil pessoas (Diretos) que hoje estão sem poder trabalhar. Sem falar na cadeia em volta disso tudo, tais como fornecedores de alimentação, caçambeiros, fornecedores de matéria prima… O fato é que as empresas não sabem mais o que fazer. Chegamos ao fundo do posso e não temos mais alternativas. 

Entendemos que já estamos em outro momento da pandemia, sobretudo no que se refere à estrutura de assistência montada pela Secretaria de Saúde do Estado de Sergipe, e necessitamos retornar às atividades. Nosso capital foi exaurido ao longo desta paralisação, que já ultrapassa 60 dias. Algumas empresas correm o risco de fechar em definitivo.

Há ainda o impacto social sobre aquelas pessoas que subsistem do ciclo de obras e foram alcançadas pela pandemia em um momento em que esperavam ser contratadas para uma próxima obra. São milhares nessa situação.

Recebemos informação de que trabalhadores estão procurando o sindicato dos trabalhadores para relatarem abalos psicológicos.

Reconhecemos que o Ministério Público e a Justiça cumpriram seu papel com inegável zelo a saúde das pessoas, mas acreditamos que agora precisamos cuidar do outro lado do problema.

CS-O Senhor avalia que as perdas serão recuperadas em breve espaço de tempo ou os reflexos ainda serão sentidos por um longo período?

Paulo-Tudo vai depender de quando vamos retornar. Quanto antes retornarmos, mais cedo voltamos a produzir e a gerar empregos.

CS-Quantos postos de trabalho já foram perdidos no setor nesses quatro meses de paralisação das atividades?

Paulo-O setor está tentando fazer o possível e o impossível para não demitir. Inicialmente foi preciso realizar dispensas e suspensão de contratos de trabalho. O fato é que cada empresa tem suas particularidades. Digo que hoje a capacidade esgotou. Não entendemos porque Sergipe tem que ser diferente do restante do Brasil.

A grande maioria das empresas somente poderão se beneficiar dos acordos de suspensão e redução de jornada por no máximo mais 30 dias. 

Nesta segunda-feira, a MP 927 caduca e o setor empresarial ficará com menos recursos ainda para se defender desta crise.

Realmente, muitas empresas ficarão sem saída, sobretudo aquelas que primeiros sentiram os impactos da pandemia.

CS-O setor está preparado para a retomada das atividades a qualquer momento?

Paulo– No momento da paralisação, já estávamos cumprindo todas as medidas determinadas pelas autoridades sanitárias. Quando retornamos, os cuidados serão mantidos ou aprimorados de acordo com as determinações do Estado. Todo esse procedimento de proteção ao trabalhador já vinha sendo feito pelo setor: distanciamento, medição de temperatura, diminuição da equipe para evitar aglomeração, intervalos em horários diferentes… Os próprios trabalhadores pedem para voltar, mas não podemos fazer nada.

 CS-O que a indústria da construção tem feito para sobreviver nesse período?

Paulo– A grande verdade é que não tem milagre. Estamos na expectativa de começar a produzir. Cada dia que passa, as empresas se descapitalizam mais.

CS-O segmento já teve algum tipo de ajuda do governo?

Paulo– Existem os programas do governo federal, como o que protegeu o trabalhador com a suspensão remunerada, que já está em sua reta final. Já o governo do Estado ajuda na medida que reconhece a importância da atividade e permite o retorno por meio de decreto. 

CS– Qual mensagem o senhor quer passar?

Paulo– Que entendemos e concordamos com as preocupações que motivaram o ajuizamento da ação, mas que já estamos em outro momento, o Sistema de Saúde foi fortalecido, e diante da grave dificuldade enfrentada por empresas e trabalhadores, e por saber hoje do baixo índice de contaminação observado na Construção Civil, precisamos voltar a seguir o decreto que autoriza o funcionamento permanente do setor. Nosso Sergipe precisa estar na mesma condição do resto do Brasil.

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