ARACAJU/SE, 2 de setembro de 2025 , 19:57:04

Como o mercado olha para Argentina entre escândalo do governo, eleição e fiscal

 

Em meio ao escândalo de corrupção que atinge a cúpula mais alta do governo Javier Milei nas últimas semanas, investidores buscam decifrar quais são os efeitos para os mercados da Argentina.

Em uma semana (dia 7 de setembro) ocorrerão as eleições legislativas da província de Buenos Aires, que concentra um terço do eleitorado argentino. Em 26 de outubro serão as eleições nacionais, nas quais serão renovadas metade das bancadas da Câmara de Deputados e um terço do Senado.

Visão atual sobre Argentina…

“Os investidores buscam confirmação de que o país manterá o curso da disciplina fiscal e monetária. Aos preços atuais, os títulos soberanos em dólar já não são mais vistos como em situação de estresse, e a Argentina será continuamente testada e comparada com mercados latino-americanos mais estáveis”, dizem os analistas do Itaú BBA, após reuniões com investidores institucionais brasileiros sobre o tema.

Os encontros mostraram que, depois de um período de incerteza, a Argentina não é vista mais vista como um mercado em colapso. Os títulos soberanos, que em 2023 chegavam a ser negociados a cerca de 15 centavos de dólar por cada dólar de valor nominal, agora estão em torno de 70 centavos, mudando a percepção sobre risco e retorno.

Segundo análise do JP Morgan, a Argentina teve desempenho fraco neste ano, com queda de 18% até agora, apesar de o programa macroeconômico do governo seguir dentro do planejado. O Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) de julho registrou 1,9%, levemente acima do consenso de mercado.

Mesmo com depreciação cambial média de 7,5% no mês, a inflação anual caiu de 39,4% em junho para 36,6% em julho, de acordo com dados do JPMorgan. O Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou a primeira revisão do programa, liberando cerca de US$ 2 bilhões, apontando que a política monetária restritiva deve continuar apoiando a desinflação e a remonetização da economia.

Nesse cenário, conforme o BBA, investidores passam a comparar os ativos argentinos com oportunidades em outros países da América Latina, e o movimento das ações acompanha mais os spreads da dívida do que o crescimento dos lucros das empresas.

…mas com riscos sobre eleições

Assim, a proximidade de eleições pesa sobre o mercado. O governo de Milei enfrenta escândalo de corrupção envolvendo a irmã do presidente, Karina Milei, secretária-geral da Presidência, acusada de cobrar propina de indústrias farmacêuticas, segundo áudios vazados por Diego Spagnuolo, ex-chefe da Agência Nacional para a Deficiência (Andis).

O esquema chegaria a 8% do faturamento das empresas, rendendo cerca de US$ 800 mil mensais, e motivou investigação judicial, buscas e apreensão de celulares. Milei demonstrou apoio à irmã publicamente, mas o caso fragiliza o governo a semanas das eleições na Província de Buenos Aires e a dois meses das legislativas, enquanto o Congresso avalia abrir uma CPI sobre as denúncias.

Na última quarta-feira (27), Milei precisou ser evacuado às pressas durante uma carreata em Lomas de Zamora, cidade ao sul de Buenos Aires, após militantes arremessarem pedras e garrafas contra a comitiva.

O BBA diz que um resultado que demonstre apoio popular à política fiscal pode reduzir spreads soberanos, aumentar a demanda pelo peso argentino, reduzir taxas de juros domésticas e reabrir o acesso ao crédito internacional. Por outro lado, resultados que gerem dúvidas sobre a continuidade das políticas econômicas podem elevar a volatilidade do câmbio, manter juros altos e retardar a entrada de capital estrangeiro, conforme os analistas.

A análise do Itaú BBA também chama atenção para paralelos com o Brasil de 30 anos atrás. A entrada de crédito no país vizinho é atualmente de cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB), absurdamente abaixo dos mais de 70% do Brasil. Para os investidores, essa diferença mostra espaço para expansão caso reformas estruturais avancem.

No mercado de juros, os rendimentos dos leilões do Tesouro argentino subiram cerca de 20 pontos percentuais desde julho, chegando perto de 50%, e elevando a taxa real para aproximadamente 30%, de acordo com dados coletados pelo banco. A volatilidade intradiária aumentou, e o Banco Central argentino adotou medidas de aperto monetário, incluindo maiores exigências de reservas bancárias e atuação mais intensa em contratos futuros de dólar.

Pressão nas margens e algumas oportunidades

Os bancos também enfrentam pressão sobre margens e aumento da inadimplência, atualmente em torno de 5,5%. Para atrair depósitos, as instituições financeiras elevaram taxas para 50% ao ano, enquanto juros de cheque especial alcançam 90%.

Para piorar, os investidores brasileiros observam que a Argentina “parece cara” em dólar, citando shoppings no Rio de Janeiro lotados de turistas argentinos. A percepção do mercado de ações continua leve, com posições reduzidas, mas existe potencial de alta caso o resultado das eleições confirme apoio à disciplina fiscal.

Gestores contrários, segundo o BBA, identificam oportunidades, considerando fundamentos como orçamento equilibrado, déficits externos modestos e baixa alavancagem, enquanto se mantém atentos aos riscos da dívida atrelada ao câmbio. O governo argentino removeu a regra de bloqueio de seis meses para repatriação de capital, mas a abertura ainda é incipiente.

Os analistas dizem que, apesar das preocupações de longo prazo com a agenda de reformas e com o investimento direto estrangeiro, o foco permanece nas dinâmicas políticas e monetárias de curto prazo. Alguns investidores apontam sinais de mudança estrutural, como a possibilidade de crescimento em infraestrutura, energia, mineração, agricultura e comércio, e observam que a reversão do déficit fiscal é reconhecida e valorizada pelo mercado.

A Argentina também pode gerar superávit comercial energético de cerca de US$ 6 bilhões neste ano, equivalente a 1% do PIB, em contraste com déficit de 2% há dez anos, enquanto a produção de petróleo, gás não convencional e mineração está em expansão, o que pode aumentar exportações e entradas de dólar, ajudando a equilibrar oferta e demanda de pesos.

Segundo o Itaú BBA, entre os principais indicadores a serem acompanhados estão a evolução dos spreads da dívida soberana, atualmente em cerca de 850 pontos-base, as taxas locais, o câmbio, o resultado das eleições e os índices de inflação e de atividade econômica.

“A inflação deve permanecer em desaceleração, apoiada na credibilidade do regime e no superávit fiscal. O déficit em conta corrente deve se reduzir devido ao crescimento menor das importações e à depreciação cambial. A política econômica concentra-se em reforçar reservas e conter a inflação durante o ciclo eleitoral”, escreve o JPMorgan.

Fonte: InfoMoney

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