Após amargar o período de suspensão das atividades por conta de decreto estadual nos primeiros meses da pandemia do novo coronavírus, empresários do setor da construção civil em Sergipe agora enfrentam a disparada de preços dos insumos e a escassez de alguns itens. A situação é a mesma no restante do país.
De acordo com os dados divulgados pelas construtoras, os reajustes dos preços ultrapassam 100% em alguns itens, a exemplo do cabo 1kv 4.0 mm², que teve aumento de 112,45% em 11 meses. O bloco de cerâmica fechou 2020 com alta acumulada de 64,29%. De março a dezembro de 2020 o cimento ficou 51,52% mais caro e em um ano o preço da madeira subiu 58,50%. Mas o vilão da lista de insumos é o aço, cujo valor hoje está 124,61% acima do que era praticado em março do ano passado.
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Estadual e foi informada que a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor está apurando uma denúncia de possível abuso nos preços de materiais de construção em Sergipe. Porém, nenhum detalhe da investigação foi adiantado. Já o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia que apura condutas do poder econômico no país, informou que ainda não há uma vistoria desta natureza sendo feito pela instituição, mas um levantamento será feito.
O empresário Paulo Nunes, da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário de Sergipe (Ademi), diz que a alta expressiva dos insumos trouxe muita preocupação para o setor. “Isso desequilibra o custo e provoca uma pressão muito grande pelo preço final do imóvel e o cliente não vai poder pagar a conta”, diz. Paulo conta que a Câmara Brasileira da
Indústria da Construção (CBIC) tem se movimentado para que os preços voltem à normalidade. “Essas elevações causam um impacto violento no setor. Leva a um aperto nos custos das empresas. Tá angustiante. Existe um pleito no sentido de que o governo zere a alíquota de importação do ferro, do cimento e tubo”, informa.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Sergipe (Sinduscon-SE), Ubirajara Rabelo, disse que pretende se reunir com os órgãos municipais e estaduais para tentar encontrar um reequilíbrio financeiro. Para ele, o aço é um dos vilões da balança. “Queremos sentar e conversar com os órgãos, porque do jeito que está, fica inviável cumprir os contratos.
Se tem contrato assinado, tem que cumprir, mas nessas condições é impossível honrá-los”, alerta Ubirajara, citando ainda que a situação do cobre é ainda mais dramática, por ser um produto importado.
Em Sergipe, o Índice Nacional da Construção Civil (Sinapi) registrou inflação de 202% em fevereiro, 1,28 ponto percentual (p.p.) a menos em relação a janeiro.
Com esse resultado, o indicador acumula 5,39% ao ano e 17,77% em 12 meses. Os dados foram divulgados no último dia 11 de março, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A autônoma Iêda Maria Ramos dos Anjos iniciou a construção de sua casa há cinco anos, em Nossa Senhora do Socorro, e diz que nesse intervalo de enfrentamento da pandemia da Covid-19 os preços foram às alturas. “Eu estava comprando o saco de cimento até fevereiro de 2020 por R$ 22,00. Agora o mais barato custa R$ 32,00. Coluna de ferro passou de R$ 78,00 para R$140,00. O aumento mais absurdo foi o milheiro de bloco. De R$ 380,00 para R$ 780,00. Minha obra está parada”, lamenta.
Buscando explicações
Em coletiva de imprensa concedida no início do mês de fevereiro, a CBIC declarou que uma das razões para essa alta é a falta de abastecimento de muitos materiais. Outra razão apontada pela CBIC é a disparidade do crescimento entre pessoas de baixa renda, que precisam de juros baixos para financiar um imóvel, em relação as de alta renda. O presidente da CBIC, José Carlos Martins, disse que teme um desabastecimento ainda maior em 2021, o que inviabilizaria de vez o mercado imobiliário, já que dessa forma é impossível ter uma previsibilidade mínima do mercado futuro. Ele salientou que a construção civil movimenta 97 segmentos diferentes da economia. Se ela para, todo o resto a acompanha.
Até o terceiro trimestre de 2020, já havia o problema do aumento dos preços dos insumos e desabastecimentos, mas os empresários nutriam a esperança de que a situação se reequilibraria no primeiro trimestre de 2021. Não é o que está acontecendo. O Índice Nacional do Custo da Construção (INCC) calculado e divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) registrou alta de 1,89% em fevereiro de 2021 – a maior observada, desde junho de 2016 (1,93%).
“A análise dos resultados acumulados nos últimos 12 meses (mar-2020/fev-2021) permite verificar o forte aumento nesses insumos, o que muito prejudica o aumento das obras da construção civil”, salienta a economista do banco de dados da CBIC, Ieda Vasconcelos.
“Esses aumentos são prejudiciais às atividades da construção civil, pois nenhuma estatística projetava um incremento de preços tão expressivos, o que compromete o orçamento das obras. Também é preciso ressaltar que, em função de critérios metodológicos, essas altas ainda não conseguem captar a total elevação nos preços dos insumos. Ou seja, os aumentos
ainda são maiores do que os registrados, conforme relato de empresas da construção”, destaca Ieda.
Além disso, o setor ainda padece com o desabastecimento de insumos, sendo que o prazo previsto para entrega de alguns deles pode ultrapassar 120 ou 130 dias, prejudicando ainda mais o cronograma de obras. Em um momento em que o Brasil busca alternativas para sair da forte crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, atividades como a construção civil ganham ainda mais relevância, pois exercem um papel estratégico na geração
de renda e emprego. “Se continuar este cenário, as projeções de incremento das atividades do setor para este ano, inicialmente prevista em 4%, poderão ser revisadas para patamares bem inferiores. Isso é ruim para a construção e péssimo para a economia brasileira, que precisa se fortalecer”, frisa a economista.
A CBIC disse que procurará o Ministério do Desenvolvimento para discutir o assunto. “O que nós vamos propor ao governo é uma racionalização e ver como eles estão encarando a situação. Vamos colocar na mesa o problema e discutir soluções. Fazer reequilíbrio do contrato, mexer no prazo, uma série de coisas”, informa José Carlos, presidente da CBIC, acrescentando que a pauta é de interesse social, afinal de contas, a Construção Civil, depois do
Agronegócio, é um dos setores que mais cria postos de emprego com carteira assinada no país. Com o aumento dos preços dos materiais de construção, dependendo do tipo de produto, aquilo que seria um lucro para a empresa, torna-se um prejuízo. O setor está com receio de fazer lançamentos, principalmente para o programa do governo federal, Casa Verde e
Amarela, porque há uma margem muito menor de lucro. O resultado do programa é muito mais do volume do que cada uma das unidades. O que não ocorre com uma unidade habitacional de mais alto valor agregado.
Cimento
O sobressalto nos preços tem algumas justificativas. Joselito Moura Silva, da Cimento Mizu, acompanha a explicação do presidente da CBIC e explica que um dos motivos para o aumento considerável no preço do saco de cimento é a falta de matéria-prima ocasionada pela pandemia da Covid-19, já que algumas fábricas fecharam as portas após decisões tomadas pelos governadores.
Joselito diz ainda que um dos principais componentes usados na fabricação do cimento é o coque, uma borra de petróleo que no início da pandemia custava R$ 380,00 e agora em 2021 já está em R$ 720,00. Ou seja, o gargalo estaria no desabastecimento. Mas no momento ele garante que a oferta do produto já está normalizada, no entanto, a procura tem sido muito grande com a retomada das atividades na construção civil, e isso interfere diretamente na alta dos preços.
Madeira
O empresário Bruno Luiz Menezes Cunha, sócio-administrador da TM Madeira, acredita que o aumento não tem relação direta com a pandemia da Covid-19. Ele explicou que o produto é oriundo da Região Norte (Pará) e Sul (Paraná), mas está sendo difícil dos revendedores compra-lo no momento, porque a demanda tem sido muito alta e a oferta baixa. Mais uma vez a falta de estoque ditando a prática de preços. Bruno diz que outro fator que mexe no preço da madeira é o valor do frete e do combustível que subiu.
“A madeira que chega em Sergipe vem do Pará, e por conta da volta das atividades na construção civil, o que está ocorrendo é especulação nos preços. Madeira não falta, o que está ocorrendo é muita especulação”, declarou. Já o produto que vem do Paraná está em falta devido às chuvas. A madeira é extraída da mata e essas condições climáticas impedem a retirada.
Aço
Em relação ao aço, Vagner Torales, do Ponto do Aço, disse que existem algumas variáveis que podem explicar esse aumento disparado e uma delas é o aquecimento bruto nas atividades da construção. No ano passado as operações no setor foram suspensas e por isso a indústria teve queda na produção. Quando voltou a procura, as siderúrgicas foram
surpreendidas. Ele lembra que muitas siderúrgicas na pandemia tiveram que desligar os fornos e isso tem um custo muito alto. Foi necessário aguardar um período de três a cinco meses para voltar a funcionar normalmente. Somado a isso, fazer uso de mão de obra qualificada e equipamentos compatíveis encarecem ainda mais a produção. O aumento do dólar também teve impacto no preço final do produto, além da demanda interna ter sido bastante fraca nesse período de isolamento social.
“O que aconteceu: as siderúrgicas passaram a vender o aço para fora do país, o que desabasteceu o mercado brasileiro. Ou seja, a pandemia causou esse impacto. Entre os países
que mais se beneficiaram com a venda do aço nacional foi a China, que consome muito o produto vendido em dólar”, justifica Vagner, prevendo que o aumento para este ano será em torno de 10% até julho.
A Gerdau, empresa fornecedora de aço à indústria, foi contatada pela reportagem para ajudar a compreender a situação, mas até o fechamento desta matéria não retornou as perguntas sobre as razões do alto custo dos materiais em Sergipe.