A silenciosa rua onde mora a família do atirador de 16 anos no bairro Coqueiral, em Aracruz (ES), agora passou a ser monitorada por uma viatura da Polícia Militar. Antes do ataque a duas escolas da localidade, onde o adolescente matou quatro pessoas e feriu 12 na última sexta-feira (25), porém, não havia medo ou sensação de insegurança por ali.
Era comum ver o adolescente fazendo corridas ou caminhadas ao lado do pai, que trabalha como policial militar. Mas a interação dele se restringia à família nos últimos anos. No celular apreendido pela polícia após o crime cometido com as duas armas do PM, só havia dois contatos, registrados como “pai” e “mãe”, disse o delegado André Jaretta, responsável pela investigação.
Segundo vizinhos próximos da casa da família, o adolescente costumava desviar o olhar se alguém o cumprimentava. Ou evitava contato visual usando óculos escuros. Quando não estava com o pai, tinha o hábito de se exercitar em uma academia comunitária a cerca de 200 metros de casa ou de andar de moto pelas ruas da região, onde é mais comum ouvir o som dos pássaros do que o barulho de um carro.
Isolamento na pandemia
Em meio à pandemia, ele passou a se isolar ainda mais, fazendo com que o pai passasse a forçar uma aproximação maior. Colegas de farda do PM dizem que ele começou a estudar psicanálise para ajudar nos cuidados com o filho, que já demonstrava alterações no comportamento ainda na infância. Isso teria motivado uma mudança drástica na rotina do próprio pai, que deixou de consumir bebidas alcoólicas até socialmente nos últimos anos para tentar ajudar o garoto.
Livro de Hitler
Segundo as investigações do caso, o policial militar e psicanalista teria comprado o livro “Minha Luta”, escrito pelo ditador nazista Adolf Hitler, para interagir mais com o garoto, que usou uma suástica fixada junto ao braço direito da roupa camuflada usada no ataque às escolas.
O pai, entretanto, negou que tivesse comprado o livro para o filho em entrevista à TV Bandeirantes, contrariando a versão de fontes ligadas à Polícia Militar de Aracruz ouvidas pela reportagem. “Esse livro foi uma aquisição minha para entender um pouco sobre a questão da mente do autor. Mas vi que ele foge um pouco das ideias e vem muito para a biografia. Então nem continuei a leitura”, disse.
Relação com a escola
Ainda que fosse considerado um bom aluno, daqueles que sentam mais perto da professora e tiram notas altas, ele deixou a escola estadual Primo Bitti em junho deste ano a pedido dos pais, segundo a polícia. A instituição de ensino foi o alvo do seu primeiro atentado na última sexta.
Ele invadiu a sala das professoras pela porta dos fundos para atirar. O palco do ataque era um ambiente que o atirador conhecia bem. Quando criança, ele acompanhava a mãe lá. Na época, ela era professora do colégio — hoje está aposentada.
Interação com crianças na infância
O autônomo Alexsandro Neumeg, 39, disse que o garoto até costumava jogar videogame ou brincar com o seu filho quando ainda era pequeno. Mas não costumava ficar por muito tempo.
“Era um menino que a mãe e o pai sempre vigiavam. Falavam: ‘Ó, brinca aqui na rua onde eu possa estar vendo.’ Mas isso nunca tinha me chamado a atenção. Aqui, é como você está vendo. A vizinhança não interage muito.”
Um garoto da sua idade, que também mora perto dali, disse que jogava futebol com o atirador quando eles ainda eram crianças, em uma escolinha ligada a uma igreja evangélica da região. Colegas de aula, ele disse ter percebido a mudança de comportamento com o passar dos anos. “Ele estava diferente. Não falava com ninguém.”
A mãe
Diferentemente do pai, que também exerce o papel de líder comunitário na localidade onde participava ativamente de ações sociais, a mãe era mais reservada. Quando ainda lecionava, não costumava se reunir com as outras professoras. A rotina dela era da casa para o trabalho.
“Rapaz… Eu moro aqui há dez anos e só conheci o pai dele em um evento comunitário na inauguração de uma academia popular. A mãe, eu nunca vi”, disse Marcelo Pedrini, 47, que observava a casa da família enquanto esperava pela chegada do ônibus que o levaria ao trabalho.
Possível tiro com bala de chumbo na antena do vizinho
Um morador, ouvido sob a condição de anonimato, relatou que no ano passado ouviu, quando estava tocando um instrumento musical, um barulho que ele descreve como sendo “de lata batendo”.
Ao olhar para a antena de TV, percebeu que ela tinha “pontos amassados”, como se tivesse sido atingida por balas de chumbo. Mas, ao perceber que o garoto estava sozinho, desistiu de se queixar.
Mudança de rotina
Após o crime, a rotina mudou por ali. Mesmo sem qualquer tipo de envolvimento com a família, os vizinhos também passaram a conviver com o medo de serem atingidos por algum ataque de outros moradores em represália ao atentado.
Os vizinhos ficaram, mas os pais do atirador não estão mais no imóvel de dois pisos. É possível ver iluminação pelas fendas da cortina que cobre a visão de uma das janelas, como se a luz de um dos cômodos permanecesse acesa. Deixaram para trás um cão, alimentado por parentes, e a sensação de tranquilidade, que até então era uma das principais características do local.
Fonte: Uol