ARACAJU/SE, 8 de junho de 2025 , 1:21:32

“Emancipação política era um desejo antigo dos sergipanos”

Sergipe comemora nesta quinta-feira (8), 201 anos de independência da Bahia. A então Colônia Sergipe Del Rey lutou para se descolar do território anexo baiano e foi alçada a Província de Sergipe, por meio de Decreto do rei Dom João VI. A medida fazia parte da estratégia de estruturar o Brasil, a fim de arrecadar mais riquezas para a metrópole portuguesa. O Correio de Sergipe (CS) entrevistou a professora, doutora em História, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Edna Mattos, para falar do tema. Ela contextualiza o retrato de Sergipe à época em que é decretada sua autonomia, como se deu o processo e traça um panorama do que acha das condições atuais do estado. Acompanhe:

Correio de Sergipe: Quando Sergipe Del Rey se torna Província de Sergipe? Que momento da História se vivia?
Edna Matos: Sergipe obteve a sua independência no dia 8 de julho de 1820. Nessa época, o Brasil acolhia a Corte portuguesa em seu território, no Rio de Janeiro, e passava por um processo de organização econômica, política e administrativa, que a coroa portuguesa do Rio de Janeiro estava pondo em prática para todo território da América portuguesa. A presença da Corte aqui foi importante, porque dinamizou as relações comerciais, trouxe uma modificação significativa na estrutura da Colônia, na economia, na cultura, nas relações políticas; afinal de contas, o rei estava na Colônia. O rei passava a morar aqui, enquanto o furacão napoleônico estava ativo na Europa. Essa estabilidade foi muito importante para a coroa portuguesa. Já existia um desejo dessa autonomia décadas passadas. Era um sonho antigo, mas que efetivamente só conseguiu ter sua concretização por conta do Decreto de Dom João VI. Ele obviamente vai mandar um governador segundo deveria ser governada como as outras capitanias. Mas era importante eliminar essas formas de poder paralelos e outras hierarquias de poder que existiam no período colonial, representado, por exemplo, pela Bahia, uma capitania muito poderosa. Sua elite, seus grupos sociais, eram muito poderoso. Foi tudo muito atropelado na independência de Sergipe, porque ela se entrelaça à independência do Brasil. Isso teve a ver, obviamente, com o Movimento Liberal deflagrado na Europa pelas Cortes portuguesas, na cidade do Porto, e que depois alcançou a cidade de Lisboa, e aí impactou todo o Império Português com essas ideias de mudança e Liberalismo.

CS: E por que essa decisão de se separar da Bahia?
EM:
Sergipe era território anexo da Bahia desde 1773. Imagina-se que essa anexação ao território baiano tenha ocorrido por conta da transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Acredita-se que a partir disso, a Bahia tenha sido liberada para explorar Sergipe como capitania anexa. Era algo normal para a época – as capitanias subalternizadas que dependiam das maiores. O que a gente percebe é que, depois do período pombalino, Dom João VI já aqui no Brasil quer promover reformas que melhorem a exploração colonial, traga mais progresso, mais riqueza, e faz com que Portugal se torne uma nação mais rica. Neste sentido, ele põe em ação uma política de organização desses territórios. É aí que a autonomia de Sergipe é decidida. Não só dela, como também de outras capitanias, mais ou menos naquele mesmo período. Para quê isso exatamente? Para o poder real chegar nessas regiões sem interferências de outras instâncias de poder, que era o que acontecia, por exemplo, quando a Bahia governava e exercia seu domínio sobre o território de Sergipe.

CS: Como a Bahia recebeu a notícia do Decreto emancipando Sergipe?
EM: Dom João VI determina que venha o primeiro governador para Sergipe, Carlos Bulamarqui, que já havia sido governador da Capitania do Piauí. Bulamarqui demora um pouco para vir, porque só vem em fevereiro de 1821, e nessa época já se tem notícia de uma série de transformações relacionadas ao movimento constitucional do Porto e depois de Lisboa. Eles organizam uma constituinte que vai elaborar uma Carta Magna (Constituição). Essa Constituição deveria estabelecer as regras que todos os súditos de todo Império Português deveriam obedecer. Para isso, essa constituinte conclamava que cada região mandasse seus deputados para participar da elaboração dessas novas regras. Sergipe não vai mandar, porque a Bahia não vai permitir. As lideranças políticas e militares da Bahia vão impedir de que forma? Vão tentar fazer com que o Decreto seja anulado. O Decreto de Dom João VI é simplesmente ignorado pelas lideranças políticas baianas. Elas atendem às Cortes portuguesas, e vão mandar os deputados, mas determinam que Sergipe não mande, porque entende que ele ainda é território anexo da Capitania baiana. Nesse sentido, só eles [líderes baianos] vão mandar. Somente eles. A gente vê bem claramente que as lideranças políticas e militares baianas não vão ceder para a autonomia. Muito pelo contrário! Vão anular o Decreto e fazer o possível para que a situação permaneça a mesma do período antes da Revolução.

CS: Alguma personalidade se destacou nessa luta?
EM: Nesse processo vão se destacar algumas lideranças de Sergipe. O próprio Carlos Builamarqui, embora ele não seja de Sergipe, mas é o primeiro governador. Ele só fica 28 dias no governo. Foi deposto por tropas baianas. O dilema que se colocou para Bulamarqui foi o seguinte: ou ele jurava à Constituição, do mesmo jeito que Dom João VI seria obrigado a jurar (uma Constituição que nem estava pronta, mas que ele dizia que teria que jurar) ou seria preso. De fato foi o que aconteceu. Ele não jurou à Constituição. Não aceitou a intromissão dos baianos na nova vida política de Sergipe, e por isso foi destituído. Pedro Vieira de Melo ficou no lugar dele. É outro personagem dessa trama. Ele aceitou a dominação dos baianos. Concordou com o retorno de Sergipe à condição de território anexo. Vieira aderiu às ideias das Cortes portuguesas, portanto estava muito alinhado com os interesses portugueses. Havia um grupo que o apoiava, inclusive muitos portugueses que moravam na Província de Sergipe à época, muitos deles também do Clero. Aliás, o Clero, a gente tem que falar que é o grupo social que mais tinha condições de ser instruído. Eles liam muita coisa de política, liam jornais que vinham do reino, que vinham do Rio de Janeiro ou mesmo de Salvador, com as notícias sobre os acontecimentos políticos. Enfim, essa parcela da população era mais instruída. Era quem, digamos assim, melhor debatia e discutia essas ideias. Isso não quer dizer que o resto da população ficasse alheio, não é isso. Mas as pessoas ficavam sabendo por outras formas, principalmente através de diálogo, das reuniões públicas, das conversas nas ruas.

Outro personagem de destaque foi o brigadeiro Guilherme José Nabuco Araújo, de família de juristas de origem portuguesa que se fixou na Bahia. Portanto, uma família poderosa, tradicional, e que tinha negócios aqui em Sergipe, como por exemplo, os engenhos na região de Estância. Nabuco deixa bem claro que a independência de Sergipe não é uma situação boa. Ele acha que as questões econômicas seriam muito melhores mantendo-a anexada à Bahia. Mas também era favorável ao Liberalismo das Cortes portuguesas. Ele achava que realmente precisaríamos modernizar as relações políticas e econômicas com a metrópole.  Por essas razões ele achava que uma Constituição com regras boas seria válida. A essa altura, no Rio de Janeiro, o príncipe regente Pedro I (porque só depois ele se tornaria imperador, mas era príncipe regente) já está em negociações e acordos com a elite que a gente vai chamar depois de Sudeste. Esses segmentos passam a ver que é muito mais interessante uma independência. Ao contrário do que a gente imagina, uma independência não brota do nada. Na verdade foi uma opção que foi sendo construída a partir das lutas e do debate político. À medida que os deputados e a sociedade da Colônia vão percebendo que a metrópole está impondo, através da Constituição, regras muito desfavoráveis para o Brasil. O Brasil percebe que tem uma importância muito grande para a economia portuguesa no começo do séc. IX, mas essa importância não está sendo refletidas nas novas regras criadas. As divergências vão aumentando, e por outro lado vai-se construindo a opção de uma independência, tendo Dom Pedro I como liderança.

Destaca-se também José de Barros Pimentel, João Dantas Reis Portátil e João Martins Fontes, Dionísio Rodrigues Dantas e Domingos Dias Coelho.  Cabe destacar a atuação de elementos das famílias Romero (pai de Silvio Romero) e Prata em Lagarto. Antonio Moniz de Souza também foi um personagem de destaque.

CS: Foi uma emancipação pacífica?
EM:
Não, porque na iminência de um confronto entre apoiadores da causa do Brasil e apoiadores da causa portuguesa (Revolução Liberal), os grupos armaram seus comandados, ocuparam quartéis e se preparavam para um conflito armado. A expulsão dos portugueses da Província também se deu com muita violência

Há outra questão: aqui na região das capitanias do Norte, como chamavam antes o Nordeste, o reconhecimento da liderança de Dom Pedro não foi fácil. Ele nem de longe passava pela aceitação da elite, dos dirigentes, das lideranças políticas e militares. Dom Pedro precisou de estratégias para ser aceito como liderança que conduziria um processo de independência. Tanto é que uns anos depois ele precisa forçar, por meios até violentos, a aceitação de que o Brasil se tornaria independente com ele, a partir dos esforços lá do Rio de Janeiro, e que essa região aqui teria que aceitar. Ele manda mercenários, manda confiscar os bens das pessoas que não aderirem ao projeto da independência com ele. Ele é bastante autoritário e agressivo para costurar esse apoio das regiões que não achavam que a independência seria viável com ele.

Vamos assistir a partir disso a mudança de posturas políticas de pessoas importantes de Sergipe que tinham apoiado as Cortes. À medida que Dom Pedro vai convocando uma Assembleia Constituinte formada por colonos do Brasil, está sinalizando que realmente vai ficar independente de Portugal. E aí existe aquele receio de que não vai ser possível unir-se novamente à metrópole. Então o país precisa expulsar os portugueses que ainda acreditavam na ideia de união com a metrópole, acabar com essas resistências, acabar com essas ideias de continuidade. Nesse sentido, Dom Pedro vai, enfim, tentar fazer alianças com as lideranças políticas das localidades. No caso de Sergipe, a gente tinha muitas pessoas contrárias à independência, mas precisavam mostrar ter mudado de ideia para participar das instituições que seriam criadas com o Brasil independente.

CS: Como ficou a economia de Sergipe imediatamente após ganhar o status de Província?

EM: Acompanhou o cenário geral do país recém-independente: instabilidade por causa da luta política. Mas passada a crise politica pela autonomia, manteve sua orientação de economia agroexportadora da cana de açúcar, algodão, arroz e tabaco.

CS: Há certa controvérsia entre estudiosos do tema. Em quais pontos vocês convergem e onde há dúvidas?
EM:
Acho que a maior divergência seria as razões da autonomia. Freire acha que foi uma compensação pela lealdade na repressão à Revolução pernambucana. Thétis diz que foi pela economia. Eu prefiro juntar tudo, pois todos estão conectados. E acrescento a necessidade de organização administrativa do Dom João VI para melhor explorar e dominar a Colônia. Todos esses elementos atuaram.

Outra questão é a ideia de traição por parte daqueles agentes que eram a favor ou contra as independências. As pessoas agiram guiadas por questões politicas e uma identidade provincial sólida não existia naquela época, embora alguns colonos de prestígio e riqueza viram vantagens em separar. E outros, também ricos, não acharam que traria vantagens.

CS: Como você avalia a evolução política e econômica de Sergipe nesses mais de dois séculos de emancipação?
EM:
Foi benéfica porque exigiu da sociedade sergipana que se organizasse conforme as novas regras do país independente, criando e ocupando postos, cargos e funções no poder e se identificando como uma sociedade e cultura diferente da Bahia. Foi importante também porque, por meio do território, sua autonomia administrativa passou a se compreender como parte do estado nacional, contribuiu para confirmar a independência nesta parte da Colônia que virou pais.

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