A Lei Federal 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas e particulares de todo o país, está em vigor há 22 anos, mas ainda não é totalmente cumprida nos sistemas e estabelecimentos de ensino. Uma pesquisa recente divulgada pelos institutos Alana e Geledés identificou que sete em cada dez secretarias municipais de Educação não realizavam nenhuma ação ou desenvolviam poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas. Em números exatos, são 71% das mais de 1 mil secretarias de Educação das prefeituras brasileiras.
A disciplina História e Cultura Afro-Brasileira foi estabelecida por esta lei a partir de uma mudança no artigo 26-A da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), incluindo-a nos currículos oficiais dos ensinos Fundamental e Médio. Conforme a regra, o conteúdo programático deve dar ênfase ao estudo da história da África e dos africanos, à luta dos negros no Brasil, à cultura negra brasileira e ao negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil.
Mesmo com a existência da lei, existem problemas como a falta de atividades permanentes que abordem o tema, a falta de disciplinas obrigatórias nos cursos de licenciatura (ou mesmo nas atividades de formação pedagógica), uma revisão mais ampla dos materiais didáticos e, principalmente, a resistência de profissionais e de gestores do ensino público e privado. O problema é atribuído a uma falta de fiscalização efetiva quanto ao cumprimento da lei nas redes de ensino, mas também tem influência da forte rivalidade política na sociedade brasileira, que colocou as pautas raciais como motivo de embates e divergências entre políticos, militantes e apoiadores de esquerda e de direita.
“Passados mais de 20 anos, em função dos reflexos das disputas raciais que são, intencionalmente, invisibilizadas aqui no Brasil, pouco se fez para que a lei fosse, de fato, cumprida. Por outro lado, ainda que boas iniciativas sejam vistas por todo o país, principalmente em disciplinas das áreas de Educação Artística e de Literatura e História brasileiras, infelizmente, a polarização vivida atualmente no país, acaba externando sentimentos discriminatórios e preconceituosos inerentes ao modelo de racismo sustentado na sociedade brasileira”, diz o professor Eduardo Santiago Pereira, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit).
Apesar desse cenário, Santiago destaca que a lei trouxe alguns impactos positivos, buscando combater o racismo através da educação e desconstruir preconceitos difundidos na sociedade, além de revisar profundamente o que as escolas ensinavam até então sobre a cultura afro-brasileira e a vida da população negra trazida ao Brasil desde o século XV. Entre os principais temas revisados, estão a escravização da população negra e o eurocentrismo dos conteúdos sobre a religião e a história do mundo, passando a considerar a perspectiva africana sobre os acontecimentos históricos, bem como as religiões e culturas de matriz africana. “Seu alcance e importância são significativos e exponenciais, haja vista que se passa a incluir a obrigatoriedade do ensino sobre história e cultura afrobrasileira no currículo oficial das redes de ensino”, ressalta.
Estes desafios e barreiras acabam quebradas através das redes sociais, com a ação de perfis antirracistas mantidos por influenciadores e influenciadoras ligadas à defesa dos direitos da população negra. Os canais são usados para marcar posições, denunciar problemas e esclarecer dúvidas ou corrigir comportamentos de muitas pessoas alcançadas por esses perfis. Um dos mais acessados é o da professora Bárbara Carine Pinheiro, doutora em Ensino de Química pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), que tem mais de 584 mil seguidores em seu perfil no Instagram, com o título ‘Uma intelectual diferentona”. Suas postagens diárias trazem contundentes reflexões sobre questões raciais.
“Há muitos professores desbravando outros caminhos e espaços alternativos, em especial nas redes sociais, para levar mensagens e ocupar, de certa forma, o vácuo deixado pela educação oficial, institucional, que desde muito tempo tem negligenciado e deixado de lado a importância da contribuição da população negra para a formação política e econômica do Brasil”, observa o professor Santiago.
Fonte: Asscom Unit