ARACAJU/SE, 10 de setembro de 2025 , 12:39:10

Entre o tabu e o espetáculo: a urgência de falar com responsabilidade sobre o autoextermínio

 

O 10 de setembro, Dia Mundial e também Dia Nacional de Prevenção do Suicídio, deveria ser um marco de reflexão sobre a importância do cuidado, da responsabilidade e da solidariedade. No entanto, em um cenário cada vez mais dominado pelas redes sociais e pelo imediatismo da informação, o que muitas vezes se observa é a espetacularização de imagens de autoextermínio, transformando a dor em espetáculo e expondo famílias, amigos e pessoas em sofrimento a novos traumas. Como psicóloga, jornalista e pesquisadora que sempre combateu esse tipo de divulgação, considero fundamental expor os riscos e os equívocos dessa prática. Tirar a própria vida é um tema sério, multifatorial e de saúde pública, e tratá-lo como produto midiático, sem responsabilidade ética, é não apenas desumano, mas também perigoso.

Parte do problema está no tabu que envolve a própria palavra “suicídio”. Durante décadas, evitou-se falar sobre o assunto, como se o silêncio fosse suficiente para prevenir. Ocorre que a omissão não impede o ato extremo, apenas reforça estigmas, dificulta pedidos de ajuda e isola ainda mais aqueles que sofrem. A prevenção exige justamente o contrário: falar com responsabilidade, oferecer informação qualificada e abrir espaço para que pessoas em sofrimento se sintam acolhidas. Quando o tema é silenciado, perpetuam-se preconceitos e se cria terreno fértil para interpretações distorcidas, inclusive nas redes sociais.

Quando imagens de interrupção voluntária da vida circulam de forma explícita ou sensacionalista, o impacto não se restringe à curiosidade mórbida. Pesquisas demonstram que esse tipo de exposição pode desencadear reações graves em pessoas vulneráveis, inclusive estimulando comportamentos imitativos. Esse fenômeno é conhecido como Efeito Werther, termo cunhado a partir do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, publicado no século XVIII, que teria inspirado uma onda de mortes entre jovens europeus identificados com o protagonista. Desde então, estudos científicos confirmam que a divulgação sensacionalista de casos, especialmente quando envolve figuras públicas ou imagens impactantes, pode induzir ao chamado “contágio suicida”.

Além do risco social e emocional, é importante destacar que a divulgação de imagens de pessoas mortas, incluindo casos de suicídio, pode configurar crime no Brasil. O artigo 212 do Código Penal define como vilipêndio a cadáver a prática de ultrajar ou desrespeitar a memória de alguém falecido, prevendo pena de detenção de um a três anos e multa. Também deve ser lembrado o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que estabelece a responsabilização de provedores e plataformas digitais e prevê a remoção judicial de conteúdos que violem direitos da personalidade, como a exposição indevida de imagens de mortos. Ou seja, além de antiética e desumana, essa prática pode gerar responsabilização civil e criminal, tanto para quem publica quanto para quem compartilha.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que detalhes sobre métodos, locais e notas de despedida aumentam significativamente o risco de novos casos. Em seu manual para profissionais da comunicação, a OMS é clara: não se deve transformar episódios de autoextermínio em manchetes sensacionalistas nem fornecer informações que possam ser interpretadas como instruções. Pelo contrário, jornalistas e comunicadores são orientados a enfatizar histórias de superação, esperança e apoio, além de indicar canais de ajuda. O modo como o tema é tratado pode salvar vidas ou provocar novas perdas.

Segundo estimativas da OMS, cerca de 14 mil pessoas morrem dessa forma todos os anos no Brasil, o que equivale a 38 mortes por dia. Mundialmente, são mais de 700 mil óbitos anuais, representando 1,5% de todas as mortes registradas. Esses números revelam um desafio crescente de saúde pública que não pode ser ignorado, ainda mais diante do avanço entre jovens, povos indígenas e populações vulneráveis. Diante desse cenário, profissionais de comunicação deveriam redobrar a responsabilidade. No entanto, quando transformam tragédias em espetáculo, desrespeitam a memória de quem se foi, amplificam a dor das famílias e reforçam estigmas. Ao invés de informar com rigor e empatia, optam pela audiência imediata, desprezando a responsabilidade social que a profissão exige. Não há espaço para neutralidade: ao banalizar a interrupção voluntária da vida, jornalistas e influenciadores se tornam parte do problema.

As consequências são devastadoras. Familiares enlutados enfrentam não apenas a perda, mas também a violência simbólica de ver a história de seu ente querido exposta sem cuidado. Pessoas em sofrimento podem sentir-se encurraladas ao se identificar com a narrativa midiática, acreditando não haver saída. A espetacularização não contribui para a prevenção; ao contrário, multiplica o sofrimento. Prevenir exige compromisso coletivo e responsabilidade de todos, especialmente da mídia, que tem papel fundamental na forma como o assunto é tratado socialmente. Cabe aos meios de comunicação, influenciadores e jornalistas a tarefa de construir narrativas responsáveis, que ofereçam caminhos de acolhimento e mostrem que existe ajuda.

Como psicóloga e jornalista, reitero meu compromisso de combater a espetacularização e de defender a ética no trato com a vida. Se você ou alguém que você conhece está em sofrimento, saiba que não está sozinho. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito, sigiloso e disponível 24 horas por dia. Basta ligar para 188 ou acessar o site para atendimento por chat e e-mail. Falar pode salvar vidas.

Fonte: Adriana Meneses, psicóloga (CRP 19/4184), jornalista e pesquisadora

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