Um projeto de extensão desenvolvido por estudantes de Medicina do Campus Estância da Universidade Tiradentes (Unit) realizou um trabalho de triagem e detecção de pacientes com hanseníase entre os detentos do Complexo Penitenciário Manoel Carvalho Neto (Copemcan), em São Cristóvão. A ação ocorreu em dois momentos, sendo um junho e outro no começo de outubro, contando com uma equipe multidisciplinar e o envolvimento de cerca de 40 alunos de graduação e de residência médica, que juntos fizeram exames e avaliações em mais de 1 mil internos do maior presídio do estado.
A ação faz parte da disciplina Medicina de Família e Comunidade (MFC), um ramo que atua na atenção primária de saúde para grupos e comunidades. O professor Rômulo Rodrigues, orientador do projeto e responsável pela disciplina no curso da Unit em Estância, explica que o projeto consistiu em uma busca ativa de casos de hanseníase dentro do Complexo, já que o local que favorece a transmissão da doença em razão da aglomeração de indivíduos em ambiente fechado e com limitação de espaço.
“O objetivo desse projeto é diagnosticar os casos de hanseníase dentro do referido presídio, com o intuito de trazer cura aos portadores da referida patologia; de cessar a transmissão da doença, além de evitar com que os pacientes venham a ter sequelas incapacitantes em seu corpo, quanto mais precoce for o diagnóstico e tratamento”, detalhou Rômulo.
A quantidade de casos detectados ainda não foi contabilizada, pois o banco de dados do projeto ainda está em construção. A avaliação médica foi realizada em todos os detentos, para encontrar os casos de hanseníase e de outras doenças que não estavam em tratamento. Durante a atividade, os detentos passaram por uma breve entrevista e análise médica, seguida da avaliação dermatoneurológica, onde o acadêmico de medicina, acompanhado de algum dos médicos da equipe, avaliavam a possibilidade/confirmação diagnóstica e em seguida eram liberados para seguir a rotina habitual.
Os pacientes detectados com a doença foram encaminhados para fazer o tratamento nas unidades de saúde ligadas ao próprio Copemcan, ao Departamento Estadual do Sistema Penitenciário (Desipe) e às secretarias municipais de Saúde de São Cristóvão e de Estância, cujas equipes participaram do projeto com os estudantes.
Segundo dados do Relatório de Informações Penais, relativo ao primeiro semestre de 2024 e divulgado recentemente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), 543 pessoas presas em celas físicas estavam com hanseníase em 30 de junho deste ano, quando os dados foram coletados. Deste total, 23 estavam em penitenciárias de Sergipe. Ainda segundo o MJSP, a hanseníase está entre as 11 doenças transmissíveis mais frequentes no sistema prisional brasileiro.
Em geral, a transmissão da doença se dá através do contato íntimo e duradouro com paciente portador de hanseníase multibacilar que não esteja em tratamento, através das gotículas que saem através da fala, tosse ou espirro. “A hanseníase tem uma grande importância para a saúde pública, devido ao seu alto poder incapacitante, quanto mais tardio for seu diagnóstico e tratamento. É tanto que, em nível de Ministério da Saúde, existe um Programa Nacional de Combate à Hanseníase”, alerta Rômulo, lembrando que, em nível mundial, o Brasil é o segundo colocado em casos da doença, atrás apenas da Índia.
Uma nova realidade
“Graças ao trabalho em equipe e a colaboração da gestão de segurança interna, foi possível organizar o atendimento de forma fluida e confortável para todos”, detalha o médico Gabriel Lima e Meira, residente de Medicina da Família na Unit, acrescentando que a atividade dos alunos despertou uma atenção maior às chamadas “doenças negligenciadas”, além de dar um maior estímulo à educação continuada em saúde. “Encontrar e tratar da forma adequada cada caso, envolvendo uma equipe multidisciplinar, é um excelente exemplo de boas práticas em saúde pública”, definiu.
Uma das alunas que participaram do projeto foi Milena Melo de Castro, do 9º período de Medicina, que atuou na triagem dos detentos, aplicando o exame físico e fazendo perguntas sobre sintomas específicos. “Fizemos exames de reflexo, força muscular, palpação de nervos e teste de sensibilidade com o estesiômetro. Aprendi bastante sobre triagem para hanseníase e pude ver na prática as diferentes apresentações da doença, além do aprendizado social de quebra de estigmas. Foi bem proveitoso”, relembra ela.
O próprio residente Gabriel Meira também considerou a experiência no Copemcan como enriquecedora e responsável pela abertura de novas visões sobre a saúde. “Conhecer a realidade do sistema prisional e atuar como parte de uma equipe coesa nos mostra que ações bem coordenadas podem e devem ser organizadas no intuito de alcançar cada vez mais a integralidade do acesso e a longitudinalidade do acompanhamento em saúde. A equipe gestora do Copemcan demonstrou de forma clara e prática a viabilidade do diálogo e desenvolvimento de ações em saúde no contexto prisional”, pontua.
Para o professor Rômulo, os alunos que participam do projeto passam a ter uma maior noção teórico-prática no diagnóstico, tratamento e acompanhamento da hanseníase, além de vivenciar uma realidade diferente da que estão habituados. “A importância desse projeto é mais uma estratégia de ação no combate à hanseníase; além de levar saúde à população carcerária e oferecer aos alunos uma vivência na área profissional que eles nunca irão esquecer, pois foram peças importantes no cuidado da saúde desta população”, concluiu.
Fonte: Asscom Unit