Quatro crianças indígenas sobreviveram a um acidente de avião na Amazônia que matou três adultos e depois enfrentaram a selva por 40 dias antes de serem encontradas vivas por soldados colombianos, trazendo um final feliz para uma saga de busca e resgate que cativou uma nação e forçou militares e indígenas, normalmente opostos, a trabalharem juntos.
A farinha de mandioca e um pouco de familiaridade com as frutas da floresta foram fundamentais para a extraordinária sobrevivência das crianças em uma área onde abundam cobras, mosquitos e outros animais.
Os integrantes do povo Huitoto, de 13, 9 e 4 anos e 1 ano, deverão permanecer no mínimo duas semanas em um hospital recebendo tratamento após o resgate na sexta-feira (9).
Familiares, o presidente Gustavo Petro, autoridades do governo e militares encontraram as crianças no sábado (10) no hospital de Bogotá, a capital. O ministro da Defesa, Iván Velásquez, disse a repórteres que as crianças estão sendo hidratadas e ainda não podem comer.
“Mas, em geral, a condição das crianças é aceitável”, disse Velásquez.
Eles viajavam com a mãe da aldeia amazônica de Araracuara para San Jose del Guaviare quando o avião caiu na madrugada de 1º de maio.
O avião monomotor Cessna transportava três adultos e quatro crianças quando o piloto declarou emergência devido a uma falha no motor. A pequena aeronave saiu do radar pouco tempo depois e uma busca por sobreviventes começou.
“Quando o avião caiu, eles retiraram (dos destroços) uma ‘fariña’ e, com ela, sobreviveram”, disse o tio das crianças, Fidencio Valencia, a repórteres fora do hospital. ‘Fariña’ é uma farinha de mandioca que as pessoas comem na região amazônica.
“Depois que a ‘fariña’ acabou, eles começaram a comer sementes”, disse Valencia.
O tempo estava a favor das crianças. Astrid Cáceres, chefe do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar – órgão do governo que coordenou as buscas com os militares – disse que os jovens também puderam comer frutas porque “a selva estava em colheita”.
Um vídeo da força aérea divulgado na sexta-feira mostrou um helicóptero usando cabos para puxar os jovens porque não conseguiu pousar na densa floresta tropical onde foram encontrados.
O general Pedro Sánchez, responsável pelo resgate, disse que as crianças foram encontradas a 5 quilômetros do local do acidente, em uma pequena clareira na floresta. Ele contou que as equipes de resgate passaram de 20 a 50 metros de onde as crianças foram encontradas em algumas ocasiões, mas não conseguiram encontrá-las.
“Os menores já estavam muito fracos”, disse Sanchez. “E certamente a força deles era suficiente apenas para respirar ou alcançar uma pequena fruta para se alimentar ou beber uma gota d’água na selva.”
Petro chamou as crianças de “exemplo de sobrevivência” e previu que sua saga “ficará na história”.
Duas semanas após o acidente, em 16 de maio, uma equipe de busca encontrou o avião em um trecho espesso da floresta tropical e recuperou os corpos dos três adultos a bordo, mas as crianças pequenas não foram encontradas.
Sentindo que eles poderiam estar vivos, o Exército da Colômbia intensificou a caçada e levou 150 soldados com cães para a área, onde a névoa e a folhagem densa limitavam muito a visibilidade. Dezenas de voluntários de tribos indígenas também se juntaram à busca.
- Soldados em helicópteros jogavam caixas de comida na selva, esperando que isso ajudasse a sustentar as crianças;
- Aviões sobrevoando a área dispararam sinalizadores para ajudar as equipes de busca no solo durante a noite;
- E os socorristas usaram alto-falantes que transmitiam uma mensagem gravada pela avó dos irmãos dizendo para eles ficarem no mesmo lugar.
O anúncio do resgate ocorreu logo após o presidente Gustavo Petro assinar um cessar-fogo com representantes do grupo rebelde Exército de Libertação Nacional. Em consonância com a mensagem de seu governo destacando seus esforços para acabar com os conflitos internos, ele enfatizou o trabalho conjunto dos militares e das comunidades indígenas para encontrar as crianças.
“O encontro do conhecimento: indígena e militar”, tuitou Petro. “Aqui está um caminho diferente para a Colômbia: acredito que este é o verdadeiro caminho da paz”.
Damaris Mucutuy, tia das crianças, disse a uma estação de rádio que “as crianças estão bem”, apesar de desidratadas e com picadas de insetos. Ela acrescentou que as crianças receberam serviços de saúde mental.
Cáceres disse a repórteres que as autoridades concordaram com os parentes das crianças em permitir o “trabalho espiritual” na selva e no hospital “se não houvesse necessidade de ação de emergência imediata”. Ela contou ainda que músicos e instrumentos musicais da cultura infantil local serão permitidos no hospital.
As autoridades elogiaram a coragem da mais velha das crianças, uma menina, que disseram ter algum conhecimento de como sobreviver na floresta tropical e conduziu as crianças através da selva.
Antes do resgate, surgiram rumores sobre o paradeiro deles. Tanto que, em 18 de maio, Petro tuitou que as crianças haviam sido encontradas. Ele então apagou a mensagem, alegando que havia sido mal informado por uma agência governamental.
As crianças disseram às autoridades que passaram algum tempo com o cachorro, mas ele desapareceu. Era um cão de resgate que os soldados levaram para a selva. Os militares ainda procuravam o cachorro, um pastor belga chamado Wilson, até a manhã de domingo (11).
Petro disse que por um tempo acreditou que as crianças foram resgatadas por uma das tribos nômades que ainda percorrem a área remota onde o avião caiu e têm pouco contato com as autoridades.
À medida que as buscas avançavam, os soldados encontraram pequenas pistas que os levaram a acreditar que as crianças ainda estavam vivas, incluindo um par de pegadas, uma mamadeira, fraldas e pedaços de frutas que pareciam ter sido mordidos por humanos.
“A selva os salvou”, disse Petro. “Eles são filhos da selva e agora também são filhos da Colômbia.”
Fonte: G1