Por André Baronto, Delegado de Polícia Civil.
No Mito da Caverna, Platão apresenta prisioneiros acorrentados desde o nascimento, capazes de enxergar apenas sombras projetadas em uma parede. Para eles, essas sombras constituem toda a realidade, quando na verdade trata-se de uma construção ilusória que esconde a verdade. Assim como os prisioneiros, as vítimas de golpes cibernéticos são frequentemente aprisionadas em narrativas artificiais, criadas por criminosos para manipular suas percepções e emoções.
Nesse contexto, o medo, a ansiedade e a usura – cujas iniciais curiosamente formam a palavra “MAU” – destacam-se como elementos centrais, constituintes do tripé que sustenta essa “caverna digital”, suprimindo a lógica e a razão enquanto os golpistas conduzem suas vítimas a escolhas impulsivas e prejudiciais. Combinados ou isolados, esses elementos agem como gatilhos emocionais que fazem até mesmo as pessoas mais prudentes caírem em armadilhas bem arquitetadas.
O medo é um dos principais instrumentos utilizados pelos golpistas. Ele paralisa, desorienta e induz ações impulsivas. Golpistas exploram essa emoção ao criar cenários alarmantes que exigem reações imediatas. Ligações simulando ameaças de facções criminosas, mensagens que envolvem investigações criminais fictícias ou alertas bancários falsos são exemplos clássicos. A vítima, tomada pelo pânico, não reflete nem questiona a situação e acaba cedendo, fornecendo informações sensíveis ou realizando transferências financeiras para “se proteger”. Assim como no mito, o medo é uma das correntes que impede que a pessoa olhe além das sombras e enxergue a realidade.
Se o medo desativa a lógica, a ansiedade a acelera, mas de forma rasa e superficial. A pressa em resolver problemas ou aproveitar oportunidades se transforma em um ponto de vulnerabilidade. Golpistas aproveitam essa característica com mensagens urgentes: avisos de bloqueio de contas, cassação de CNH, falsos pedidos de ajuda de familiares ou ofertas com prazo limitado. A ansiedade empurra as vítimas a reagirem rapidamente, sem parar para verificar a veracidade das informações. Essa pressa as aprisiona em um ciclo de decisões impensadas, semelhante ao modo como os prisioneiros da caverna se concentram nas sombras, incapazes de ver a luz além.
A usura, o terceiro pilar, é alimentada pelo desejo humano de ganho fácil e rápido. Essa busca por lucro imediato é explorada em golpes de pirâmide, esquemas de investimentos fraudulentos e promoções milagrosas. Promessas de retornos substanciais com pouco ou nenhum esforço fazem com que a vítima ignore sinais de alerta e confie, sem muitos questionamentos, na proposta. Assim como os prisioneiros do mito acreditam que as sombras são a realidade, a vítima acredita na ilusão de riqueza sem risco, sendo levada a prejuízos financeiros e à frustração.
Embora qualquer uma dessas emoções isoladas possa ser suficiente para tornar uma pessoa vulnerável, é na combinação entre elas que o golpe se torna irresistível. Esses fatores criam uma armadilha quase perfeita, levando a pessoa a agir sem verificar os fatos ou considerar os riscos.
A saída dessa caverna de ilusões, tal como Platão sugere, começa com a reflexão e o autoconhecimento. Reconhecer a influência dessas emoções sobre as decisões é o primeiro passo para escapar do ciclo de manipulação. Quando confrontado com mensagens alarmantes ou situações urgentes, é fundamental desacelerar e questionar. Buscar informações confiáveis e consultar fontes independentes pode ser a diferença entre cair em um golpe e desmascarar a tentativa de fraude. Além disso, é essencial lembrar que promessas de lucro fácil são quase sempre enganosas. A prudência e o ceticismo, aliados ao autocontrole, são ferramentas poderosas para evitar armadilhas.
Assim como no mito, muitos continuam presos a sombras projetadas, incapazes de discernir a realidade da ilusão. No entanto, a capacidade de enxergar além dessas projeções está ao alcance de todos, desde que haja disposição para questionar, refletir e agir com racionalidade. Proteger-se contra fraudes não é apenas uma questão de vigilância, mas um exercício constante de autoconsciência, onde a luz da razão se torna a maior aliada para escapar das sombras da manipulação.
Ao analisar as ocorrências de golpes digitais, torna-se evidente que, na maioria dos casos, ações simples de verificação por parte das vítimas seriam suficientes para impedir a concretização da fraude.
Diferentemente dos prisioneiros da caverna de Platão, temos uma grande vantagem: as chaves das correntes estão em nossas mãos. Cabe a nós reconhecer essa possibilidade, tomar consciência das ilusões que nos aprisionam e nos esforçar para buscar a liberdade que vem com o conhecimento e a reflexão.