ARACAJU/SE, 27 de novembro de 2024 , 11:35:43

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Guerra da Ucrânia faz 6 meses e segue abalando a economia mundial

Martin Kopf precisa de gás natural para manter em operação a sua empresa, a Zinkpower, no oeste da Alemanha, que galvaniza peças de aço. O gás serve para manter 600 toneladas de zinco, avaliadas em € 2,5 milhões, em estado de fusão todos os dias. Sem isso, o metal endureceria, destruindo o tanque no qual as peças são mergulhadas e preparadas para equipar suspensões automotivas, edifícios, painéis solares e turbinas eólicas.

Seis meses depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia, os efeitos ainda representam uma ameaça devastadora para a economia mundial, o que inclui empresas como a Zinkpower e seus 2.800 funcionários. O gás não só está bem mais caro, mas pode não estar nem disponível se, em represália às sanções ocidentais, a Rússia cortar inteiramente o fornecimento à Europa.

A Alemanha talvez tenha de impor um racionamento de gás, o que poderia paralisar vários setores, do siderúrgico até o farmacêutico. “Se disserem ‘estamos cortando vocês’, todo o meu equipamento será destruído”, disse Kopf, que também preside a associação alemã de empresas que fazem o processo galvanização com zinco.

Governos, empresas e famílias pelo mundo vêm sentindo os efeitos econômicos de uma guerra que começou dois anos após a pandemia da covid-19 ter devastado o comércio global. A inflação subiu, e os altíssimos custos da energia ampliam risco de um inverno frio, sombrio e com recessão na Europa.

Já a escassez e os altos preços dos alimentos, agravados pela interrupção de embarques de fertilizantes e grãos que saíam da Ucrânia e da Rússia (o que está sendo agora lentamente retomado), podem resultar em fome e protestos no mundo em desenvolvimento.

Nos subúrbios de Kampala, capital de Uganda, Rachel Gamisha disse que a guerra na distante Ucrânia tem prejudicado as operações de seu mercado de alimentos. Ela tem sentido o impacto no aumento dos preços de bens primários, como a gasolina, vendida pelo equivalente a US$ 1,80 o litro. “Você precisa se moderar”, disse. “E comprar algumas coisas que aumentam de preço rapidamente.”

Gamisha também percebeu outra prática – um fenômeno chamado “reduflação”: o preço pode até ser mantido, mas uma rosquinha que costumava pesar 45 gramas agora vem com apenas 35 gramas. O pão, que vinha numa embalagem 1 quilo, agora pesa não mais que 850 gramas.

A guerra da Rússia levou o FMI a reduzir em julho suas projeções para a economia mundial pela quarta vez em menos de um ano. O Fundo agora prevê crescimento de 3,2% em 2022, bem abaixo dos sólidos 6,1% registrados em 2021.

“O mundo em breve poderá estar à beira de uma recessão global, apenas dois anos após a anterior”, disse Pierre-Olivier Gourinchas, o economista-chefe do FMI.

O Programa de Desenvolvimento da ONU estima que, nos primeiros três meses da guerra, a alta dos preços de alimentos e da energia jogou 71 milhões de pessoas na pobreza no mundo. Os países dos Bálcãs e da África Subsaariana foram os mais atingidos. Até 181 milhões de pessoas em 41 países poderão sofrer uma crise de fome neste ano, segundo projeções da FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação.

Em Bancoc, os custos crescentes de carne suína, dos vegetais e do óleo levaram Warunee Deejai, uma vendedora de comida de rua, a aumentar os preços, cortar funcionários e trabalhar mais horas.

“Não sei por quanto tempo posso manter o preço do meu almoço acessível”, disse. “Saindo dos lockdowns da covid, ter que enfrentar isso é difícil. O pior é que não vejo um fim para isso.”

Mesmo antes de o presidente russo, Vladimir Putin, ordenar a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, a economia mundial já estava sob pressão. A inflação decolou quando uma retomada mais forte do que a esperada após a recessão da pandemia sobrecarregou fábricas, portos e pátios de carga, provocando atrasos, escassez e preços maiores. Em resposta, os bancos centrais começaram a elevar as taxas básicas de juros para tentar esfriar o crescimento econômico e procurar domar a alta dos preços.

“Todos estamos enfrentando esses diferentes desdobramentos”, disse Robin Brooks, economista-chefe do Instituto Internacional de Finanças (IIF), a associação mundial do setor bancário. “A volatilidade da inflação aumentou. A volatilidade do crescimento aumentou. E, portanto, tornou-se infinitamente mais difícil para os bancos centrais conduzir o navio.”

A China, com sua política de tolerância zero à covid-19, impôs lockdowns que enfraqueceram duramente a segunda maior economia global. Ao mesmo tempo, muitos países em desenvolvimento ainda sentem os efeitos da pandemia e do pesado endividamento assumido para proteger suas populações do caos econômico.

Todos esses problemas poderiam ser gerenciados. Mas, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o Ocidente reagiu com duras sanções. A guerra e as sanções bloquearam o comércio de alimentos e energia. A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo mundial e um dos maiores exportadores de gás natural, fertilizantes e trigo. As fazendas na Ucrânia alimentavam milhões pelo mundo. A inflação resultante se espalhou globalmente.

Perto de Johannesburgo, na África do Sul, Stephanie Muller tem comparado os preços na internet e verifica diferentes supermercados para achar as melhores ofertas antes de comprar. “Tenho três filhos que estão na escola, então tenho sentido a diferença”, disse.

Num mercado em Hanói, capital do Vietnã, Bui Thu Huong disse que cortou gastos e saídas para jantar nos fins de semana.

Syahrul Yasin Limpo, ministro da Agricultura da Indonésia, alertou neste mês para o risco de o preço do macarrão instantâneo, alimento básico no país do Sudeste Asiático, triplicar devido à alta do trigo. Na vizinha Malásia, o agricultor Jimmy Tan, que cultiva vegetais, lamenta a alta de 50% nos preços dos fertilizantes. Ele também vem pagando mais por suprimentos como mantas de proteção plástica, sacolas e mangueiras.

Em Karachi, no Paquistão, bem distante dos campos de batalha da Ucrânia, Kamran Arif pegou um segundo trabalho de meio período para complementar seu salário. “Como não temos controle sobre os preços, o que podemos tentar fazer é aumentar nossa renda.”

A grande maioria das pessoas vive na pobreza no Paquistão, onde a moeda perdeu 30% do valor frente o dólar e o governo elevou o preço da eletricidade em 50%.

Muhammad Shakil, importador e exportador, diz que não consegue mais comprar trigo, grão-de-bico e ervilha da Ucrânia. “Agora temos de importar de outros países, a preços maiores” – às vezes 10% a 15% maiores, diz Shakil. À medida que a guerra alimenta a inflação, os bancos centrais elevam os juros para tentar desacelerar os aumentos de preços, o que prejudica o crescimento econômico.

A alta no custo do dinheiro afetou a FlooringStores, revenda de pisos de Nova York. As vendas caíram pois um número menor de pessoas tem pego empréstimos para fazer melhorias na casa. “Uma enorme porcentagem de nossos clientes financia seus projetos com empréstimos, de forma que o aumento das taxas de juros realmente matou nosso negócio”, disse o executivo-chefe da empresa, Todd Saunders. “A inflação não estava ajudando, mas as taxas de juros tiveram um efeito maior.”

A Europa, que durante anos dependeu do petróleo e do gás russos para sua economia, vem tentando absorver o golpe. A região vive risco crescente de recessão à medida que a Rússia reduz o envio de gás natural, usado para aquecer residências, gerar eletricidade e alimentar fábricas. Os preços estão 15 vezes maiores do que antes.

“Há muito mais risco de recessão e [mais] pressões na Europa do que nas demais economias de alta renda”, disse Adam Posen, presidente do Peterson Institute for International Economics.

A Rússia também não será poupada do abalo. Sua economia deve cair 6% em 2022, diz o FMI. Sergey Aleksashenko, economista russo radicado nos EUA, observou que as vendas varejistas no país caíram 10% no segundo trimestre, em comparação ao mesmo período de 2021, diante da redução dos gastos dos consumidores. “Eles não têm dinheiro para gastar”, disse.

Fonte: Valor

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