ARACAJU/SE, 14 de setembro de 2025 , 6:16:35

Horários de pico: ônibus circulam superlotados

Uma das medidas adotadas pela Prefeitura de Aracaju para conter o avanço do coronavírus na cidade foi reduzir a frota de ônibus em 30%, a fim de evitar aglomerações. A decisão foi colocada em prática desde os primeiros meses de isolamento social decretado ano passado pelo governo estadual e, embora tenha sido pensada para diminuir a circulação de pessoas nas ruas, o que tem sido constantemente flagrado pelo Ministério Público do Estado de Sergipe (MPE-SE) são terminais de integração e ônibus superlotados nos horários de pico – entre seis e oito da manhã e seis da tarde e oito da noite.
Segundo Euza Missano, promotora de Justiça do MPE-SE, duas Ações Civis Públicas (ACPs) foram ajuizadas na Justiça de Sergipe na tentativa de resolver a problemática. Uma das ações foi em face do município de Aracaju e de uma das empresas de ônibus, e a outra para que a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) fiscalize a circulação normal da frota nos horários de maior concentração de pessoas. A Justiça concedeu liminar para que a SMTT assegurasse o fluxo normal dos ônibus e que todos os passageiros viagem sentados, mas em seguida os efeitos dessa liminar foram cassados. O pedido do MPE-SE de suspensão do artigo que autoriza a redução da frota em Aracaju ainda não teve decisão final do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE). Enquanto isso, flagrantes diários de passageiros sendo transportados em veículos superlotados se multiplica na internet.
“O quadro de aglomeração só tem agravado o risco de proliferação do vírus em pessoas que não têm opção para deslocamento ao local de trabalho. São ônibus e terminais superlotados, sem guardar o distanciamento social necessário. Registramos que o vírus, conforme declaração de cientistas, está mais infectante e grave. A população diariamente corre riso e sofre constrangimento. Por isso reforçamos o pedido das ações”, diz a promotora Euza Missano.

Segurança quebrada

O médico infectologista Matheus Todt, professor do Curso de Medicina da Universidade Tiradentes, entende a preocupação da promotora, porque considera diminuir o efetivo de ônibus um risco de aumento do número de casos da Covid-19, já que o distanciamento seguro recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de, pelo menos, um metro e meio por pessoa. “A partir do momento que a frota é reduzida, apesar de ser uma medida inicialmente para coibir a movimentação, a gente termina com ônibus cada vez mais lotados. Está aí a primeira regra de segurança quebrada, que é evitar aglomeração. Nesse momento deveríamos ter uma frota cada vez mais acessível à população. Não é para reduzir o número de ônibus, e sim realocarmos a fim de que fiquem cada vez mais vazios. Na verdade as pessoas têm que ficar em casa, mas quem não pode, tem que pelo menos usar um transporte público com um mínimo de distanciamento físico”, explica o professor, informando ainda que o Brasil perde apenas para os Estados Unidos em número de casos confirmados e mortes por Covid-19, despontando em segundo lugar no mapa mundial do coronavírus.

Trabalhadores

A diarista Jane Souza, de 50 anos, está de atestado médico por conta de sintomas que se assemelham à Covid-19. Ela fez o teste e aguarda em casa o resultado. Jane mora no bairro Fernando Collor, em Nossa Senhora do Socorro, e trabalha numa residência na Hermes Fontes, em Aracaju. Ela disse que pega ônibus todos os dias e, tanto na ida quanto na volta do trabalho, estava viajando em veículos superlotados. “Eu estava saindo 16h do trabalho e mesmo assim os ônibus já estavam lotados. Só quando chega no Terminal Maracaju a linha Fernando Collor/DIA começa a esvaziar. Estou sem trabalhar porque tive muita dor de cabeça, cansaço e febre alta esta semana. Eu não me surpreenderia se estiver contaminada, porque os ônibus são muito cheios, as janelas ficam fechadas por causa da chuva. Não tem como não encostar em outras pessoas nessas condições!”, lamenta.
Outro problema pontuado pelos usuários é o serviço desregular. O autônomo Anderson Siqueira disse que é muito comum passarem ao mesmo tempo as linhas 002, 005 e 001, na avenida Hermes Fontes, onde mora, e os ônibus não pararem no ponto para o embarque de passageiros. Ele trabalha no bairro Santo Antônio e disse que é comum ficar no vácuo quando dá com a mão para os motoristas. “É sempre entre 13h e 14h. Agora com essas três vias novas da Hermes Fontes, eles não circulam mais na faixa exclusiva de ônibus e o passageiro fica para trás. Outro dia me atrasei uma hora para o trabalho, porque os ônibus passaram em bando e nenhum parou ao meu sinal. Para vir outro esperei cerca de 40 minutos”, relata.
A Central única dos Trabalhadores (CUT) fez um protesto na porta da Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA) na última quarta-feira (24), cobrando providências do prefeito Edvaldo Nogueira na adequação do serviço de transporte público. Para a CUT, as medidas restritivas e o toque de recolher adotados no estado são o retrato da disparidade na segurança sanitária entre as classes mais altas e os trabalhadores, que são obrigados a se submeterem a um transporte deficitário e superlotado.
“A gente fez uma representação no Ministério Público do Trabalho (MPT) pedindo a punição dessas empresas de ônibus que estão colocando em risco a vida dos trabalhadores. Inclusive já reforçamos o pedido anexando fotos atualizadas de ônibus superlotados em Aracaju, O ato de quarta-feira na porta da Prefeitura teve como objetivo defender a vida desses trabalhadores. Não dá para fazer toque de recolher à noite, e quando chega de manhã o transporte está superlotado. É uma situação de risco do mesmo jeito! Na verdade esse toque de recolher tem um viés de classe muito profundo, porque protege quem tem grana para ir a um restaurante ou bar, mas os trabalhadores que não têm [dinheiro] ficam à noite em casa e pelo dia estão expostos à contaminação generalizada dentro dos transportes sem higienização, desinfecção ou nenhum tipo de distanciamento social. É urgente a intervenção do MPT na punição tanto das empresas, quanto da Prefeitura, que é responsável pela coordenação e fiscalização do sistema”, declara Roberto Silva, presidente da CUT.

Município

A SMTT garante que a frota está operando com 100% no horário de pico. De acordo com a SMTT, a circulação só foi reduzida no entre pico e aos finais de semana, e agora também durante o toque de recolher anunciado pelo governador Belivado Chagas. O órgão de trânsito diz que continua monitorando diariamente o comportamento das linhas e reajustando a quantidade de veículos nos itinerários de maior demanda. Ainda segundo a SMTT, desde o início da pandemia os veículos e terminais passam por desinfecção pelo menos duas vezes por dia.
O Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Município de Aracaju (Setransp) afirmou que, apesar de queda de 45% do número de passageiros, as empresas estão circulando com 100% de sua frota e têm adotado as medidas de prevenção e incentivo aos passageiros quanto aos cuidados sanitários, conforme orientação dos órgãos gestores. Considera que não adianta disponibilizar 100% da operação do serviço para uma demanda baixa, se não houver uma ampliação do horário de pico, ou seja, um escalonamento do início das atividades dos setores produtivos para diminuir a concentração da massa.

Deslocamento

Segundo dados do Setransp, o sistema de transporte público é responsável pelo deslocamento diário de 75% da população das cidades, e, desse total, a maioria viaja em horário de pico. “O setor encontra-se beirando o risco de colapso, a cada momento agravado pela distorção entre a oferta e a demanda de passageiros. Permanecer nessa disparidade traz preocupação quanto ao comprometimento dos demais serviços essenciais”, diz o Setransp.

Euza Missano: “aglomeração nos coletivos só tem agravado o risco de proliferação do coronavírus”. Foto: Dilgação

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