A insegurança alimentar no Brasil recuou em 2024, com a proporção de domicílios nessa condição caindo de 27,6% para 24,2%, em comparação a 2023. Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (10), mostram que, em números absolutos, o total de lares com restrição de alimentos diminuiu de 21,1 milhões para 18,9 milhões. Isso representa que 2,2 milhões de domicílios saíram da situação de insegurança alimentar no período.
A insegurança alimentar é caracterizada pela falta de acesso regular a alimentos em quantidade, qualidade e variedade suficientes. A situação é classificada em três níveis:
- Leve: Comprometimento da qualidade dos alimentos; incerteza do acesso à comida.
- Moderada: Restrição na quantidade de alimentos, principalmente para os adultos.
- Grave: Redução tanto na quantidade quanto na qualidade, afetando todos os moradores, incluindo as crianças.
O problema tem impactos diretos na saúde e no desenvolvimento, podendo levar desde a desnutrição até doenças relacionadas à má alimentação. No Brasil, a medição oficial é feita pelo IBGE por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que utiliza a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) para classificar os domicílios.
Os dados da pesquisa mostram que, em 2024, a insegurança alimentar recuou em todos os níveis: a leve caiu de 18,2% para 16,4%; a moderada, de 5,3% para 4,5%; e a grave, de 4,1% para 3,2%. Os números são em comparação a 2023.
De acordo com a analista da pesquisa do IBGE, Maria Lucia Vieira, comparar os dados de segurança alimentar ao longo das décadas exige cautela, pois se tratam de estudos com metodologias e períodos de referência distintos, ainda que o questionário seja similar. Ela contextualiza que a crise econômica de 2015, marcada por alto desemprego e queda do PIB, foi um ponto de influência determinante.
“Naquele período, a crise afetou diretamente o poder de compra das pessoas. Quando se perde o emprego, não tem como não reduzir o acesso aos alimentos”, explicou. Na avaliação dela, as famílias foram forçadas a fazer escolhas difíceis entre alimentação e outras despesas, o que as levou a algum grau de insegurança alimentar. Os reflexos dessa conjuntura, segundo a analista, ainda eram percebidos em 2017 e 2018.
Ao analisar a melhora nos dados mais recentes (2023 e 2024), Maria Lúcia aponta dois fatores principais. Primeiro, o cenário macroeconômico mais favorável, com a pesquisa captando um período de economia aquecida. “Isso tem um reflexo direto no que as pessoas conseguem adquirir de alimentos”, afirmou. Em segundo lugar, ela cita ações do governo federal em políticas de combate à fome, que também teriam contribuído para a redução dos índices.
A analista acrescenta que, nesse intervalo, houve ações que melhoraram o mercado de trabalho e o rendimento da população. “Com isso, melhora a segurança alimentar, afinal, alimento é a primeira coisa que as pessoas compram”, apontou.
Impactos regionais
As regiões Norte (37,7%) e Nordeste (34,8%) apresentaram as maiores proporções de insegurança alimentar. Os índices de insegurança grave foram altos nessas localidades, atingindo 6,3% dos domicílios no Norte e 4,8% no Nordeste.
De acordo com Maria Lucia, a Região Norte, em particular, apresenta o índice mais alarmante de insegurança alimentar grave, que é a classificação mais severa, em que os indivíduos chegam a enfrentar a privação quantitativa de alimentos, como passar um dia inteiro sem comer.
No entanto, ao se analisar os números absolutos (quantidade total de domicílios afetados), o panorama se modifica. Apesar de a Região Sudeste ter um percentual proporcionalmente menor de insegurança grave, seu grande tamanho e densidade populacional resultam em um volume elevado de lares nessa condição.
Isso porque o Nordeste tem cerca de 7 milhões de domicílios nessa situação, enquanto o Sudeste tem aproximadamente 6 milhões. Ou seja, em termos proporcionais, a Região Norte é a mais crítica, com a maior gravidade em relação ao seu tamanho populacional. Em termos absolutos, as regiões Nordeste e Sudeste são as mais impactadas, devido ao número total de domicílios enfrentando insegurança alimentar.
Os dados também apontam que a situação foi mais crítica em áreas rurais (31,3%) do que urbanas (23,2%). “Quando a gente olha para o Brasil urbano e rural, vê que o percentual de insegurança alimentar no campo ainda é mais elevado do que nas áreas urbanas. E aí a gente pensa: “Mas na área rural as pessoas têm seu pedaço de terra para plantar!”. Só que, pelo conceito de segurança alimentar que a gente adota, não é só sobre ter comida. É sobre variedade, qualidade e quantidade. Geralmente, quem planta ou cria um animal para se alimentar não tem toda essa variedade, e talvez não tenha a quantidade necessária também”, explicou a analista de pesquisa.
Perfil dos lares mais afetados
O perfil dos lares afetados aponta para disparidades com relação às populações mais vulneráveis. Em três em cada cinco domicílios (59,9%) com insegurança alimentar, a pessoa de referência era uma mulher. A análise por cor ou raça mostrou que em mais da metade dos casos (54,7%) o responsável era pardo, percentual que aumentou para 56,9% nos lares com insegurança grave –mais que o dobro da parcela com responsáveis brancos (24,4%) nessa condição extrema.
A baixa escolaridade também se mostrou um fator que influencia a insegurança alimentar: 65,7% dos lares com insegurança grave tinham responsáveis com no máximo o ensino fundamental completo.
A idade é outro fator de influência. A insegurança alimentar grave era mais presente entre crianças e adolescentes, afetando 3,3% da população de 0 a 4 anos e 3,8% da faixa de 5 a 17 anos. Entre a população com 65 anos ou mais, essa proporção recuava para 2,3%.
Além disso, a renda mostrou-se um determinante quando se fala em acesso a alimentos pela população. Dois em cada três (66,1%) domicílios com renda per capita de até um salário mínimo estavam em situação de insegurança alimentar. Quando considerados apenas os graus moderado e grave, essa proporção subia para 71,9% dos lares nessa faixa de renda.
Fonte: Terra