Sete pregões. Esta foi a janela necessária para que as ações ordinárias da Americanas recuassem 94,08%, passando a valer R$ 0,71 cada, e fossem excluídas de 14 índices da B3, incluindo o Ibovespa. Tudo isso em meio a uma crise que culminou em seu pedido de recuperação judicial. A movimentação teve início após um fato relevante publicado pela empresa no último dia 11 — o primeiro de 14 divulgados até o dia 20 —, indicando “inconsistências contábeis” bilionárias no balanço e, posteriormente, tornar a relação da empresa com seus credores insustentável.
Em meio ao noticiário devastador para a varejista, seus papéis passaram por rápida corrosão na bolsa, como mostram dados levantados pelo Valor Data e pela a Comdinheiro a pedido da reportagem. Além da queda em si, o aluguel (quando um investidor paga uma taxa ao dono do ativo e realiza sua venda a descoberto, apostando em uma queda) e a volatilidade da ação dispararam no período, enquanto o volume financeiro negociado nos pregões subiu inicialmente, para depois recuar devido à queda de seus preços.
As primeiras horas com a bolsa aberta após o anúncio do dia 11 concentraram parte relevante da queda das ações, já que, surpreendidos pelo tamanho do “rombo” e pela falta de detalhamento do problema por parte da empresa, investidores institucionais tentavam se desfazer das suas posições nos papéis. Ainda que o resultado final pudesse ser semelhante, Daniela Bretthauer, chefe de pesquisas da BGC Liquidez, diz que a comunicação da empresa foi atabalhoada.
“Na minha visão, o anúncio foi feito de forma irresponsável, já que não apontava o tamanho do problema, sua origem e nem como seria endereçado. E, além de divulgar um fato relevante sem embasamento, a empresa foi prestar esclarecimentos no dia seguinte em um evento fechado, com acessos limitados. É claro que um ‘rombo’ dessa magnitude teria consequências gravíssimas para a companhia de qualquer forma, mas, do jeito que foi feito, gerou mais repercussão e assustou credores, fornecedores, clientes e o próprio mercado”, diz.
Dois gestores ouvidos pelo Valor em condição de anonimato corroboram a visão e afirmam que a forma como a empresa comunicou a questão não surpreende, já que havia falta de transparência sistemática por parte do seu setor de relação com investidores. Eles queixam-se de dificuldades, notórias entre analistas do setor consultados, para ter algum nível de acesso aos executivos da Americanas e também para ler os balanços da companhia, que não eram tão claros em termos contábeis.
Vale lembrar que o anúncio de Sérgio Rial como novo diretor-presidente da Americanas, em agosto do ano passado, deu novo impulso a suas ações na bolsa. Investidores e grandes bancos de investimento, como o Morgan Stanley, passaram a precificar que o ex-CEO do Santander poderia melhorar processos dentro da empresa.
Passado o tombo inicial, as negociações dos papéis ganharam um caráter fortemente especulativo, devido à baixa visibilidade e à falta de investidores posicionados estruturalmente no papel. Em relatório, a equipe de análise da XP mostrou que, até o dia 13, a taxa de aluguel (cobrada pelo dono do papel para que o locatário venda o ativo a descoberto) das ações da Americanas já havia saltado 284,8 pontos percentuais em relação ao fim de dezembro, para 306%, enquanto a da Via era de 38,3% (alta de 19,8 pontos) e da Magalu estava em 32,1% (subiram 23,4 pontos).
No mercado à vista, o ativo entrou 122 vezes em leilão automático na B3 por excesso de oscilação entre os dias 12 e 20 de janeiro, tendência que pode ser reforçada após a Justiça acatar o pedido de recuperação judicial da companhia. “Tem que avançar no processo, realizar acordos e tentar ficar de pé novamente. No entanto, as ações tendem a sofrer, uma vez que as medidas são focadas nos credores, e não nos acionistas, e pode haver processo de diluição dos papéis [se os acionistas de referência realizarem aportes para socorrer a empresa, sua posição acionária aumenta e ocorre o contrário com os demais acionistas]”, aponta Danniela Eiger, chefe de varejo e co-chefe de pesquisas da XP.
Para outro analista, “por mais que a empresa consiga voltar a gerar valor, os investidores podem optar por não acreditar mais na tese”. Nessa linha, Mercado Livre (o BDR sobe 24,03% no ano) e Magazine Luiza (a ação avança 39,42%) parecem ser os ativos preferidos por investidores, tanto nos preços como no discurso, para ocupar parte do espaço deixado pela Americanas no mercado, dizem analistas. Via ON, por sua vez, acumula queda de 5,42% no período, com investidores possivelmente adotando maior cautela em relação ao ativo devido a inconsistências reveladas ao mercado no passado.
Analistas lembram ainda que, apesar das mudanças no aspecto setorial, o cenário macro continua desafiador e já não permite muito otimismo há algum tempo. O pico das ações da Americanas e de e-commerce ocorreu no segundo semestre de 2020, durante a primeira onda da pandemia de covid-19. Além do crescimento vertiginoso do volume de compras on-line, os juros alcançaram patamares historicamente baixos e fizeram com que investidores buscassem empresas de “growth” (focadas em crescimento). Desde então, o setor apresenta forte tendência negativa.
“A piora no ambiente macro, com a inflação avançando, fez com que os bancos centrais subissem juros. Assim, o nível de endividamento das empresas e das famílias cresceu, houve redução do poder de compra e maior dificuldade de acesso a crédito. Ao mesmo tempo, o nível de competição setorial seguiu aumentando, com empresas estrangeiras como Amazon, Shopee e Alibaba aumentando seu investimento no mercado local. Com o futuro incerto, não deve haver grande mudança de leitura para o cenário setorial até que haja mais clareza sobre como as taxas irão se comportar à frente”, diz Eiger, da XP.
Fonte: Valor