Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu decretar novamente que a mpox é uma emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII), muitas dúvidas têm surgido. Não apenas para a população geral, como também para cientistas que buscam entender o comportamento da nova cepa que causou o alerta da autoridade sanitária.
O que se sabe
A mpox não é uma doença nova, ela é uma infecção viral semelhante à varíola humana que é endêmica em determinados países da África Central e Ocidental. O vírus circula principalmente em animais, por isso não foi erradicado junto à varíola humana.
“A mpox foi descrita durante o esforço de erradicação da varíola, porque descobriu-se uma doença semelhante, mas que não era causada pelo mesmo vírus. Ela era associada a reservatórios animais, e a infecção em humanos era acidental, pelo contato com eles”, explica o professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e médico do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, que recebe casos graves de mpox no Rio, Rafael Galliez.
O vírus é dividido em duas linhagens, chamadas de Clado 1 e Clado 2. A 1 é conhecida por ser mais grave, com uma letalidade de até 10%, e mais predominante na região central do continente, na área da República Democrática do Congo (RDC).
Já o Clado 2 é menos mortal, com uma taxa de cerca de 1% de letalidade, e circula mais pela região Ocidental, na área da Nigéria, explica o infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) José Cerbino Neto, consultor do Richet Vacina e pesquisador do Instituto D’Or (IDOR). “Em 2022, tivemos o surgimento de uma nova versão do Clado 2, que foi nomeada de Clado 2b, com esse padrão de transmissão associada ao sexo. Com isso, ele teve uma expansão para outros continentes e causou o surto global inédito, o Brasil foi o segundo país com mais casos fora da África. A transmissão diminui muito desde então, mas essa linhagem ainda circula pelo mundo.”
Em relação à manifestação, a doença tem início com sintomas comuns de uma infecção viral, como febre e dores no corpo, que podem surgir até 21 dias depois da contaminação. Em seguida, até uma semana depois, começam as bolhas características da doença, que podem durar até quatro semanas. Existem antivirais e vacinas, inicialmente desenvolvidos para a varíola humana, mas que oferecem uma proteção cruzada.
“Hoje temos diferentes epidemias de mpox ocorrendo simultaneamente. Temos a circulação do vírus 2b ainda pelo mundo e, na África, temos também os casos pela versão original do Clado 1, o Clado 1a, ao mesmo tempo, os por essa nova cepa chamada de 1b”, acrescenta Galliez.
O que falta saber
1. Letalidade
Um dos pontos que precisa ser elucidado sobre a nova cepa 1b é se ela de fato será tão letal quanto a 1a, cujos registros falam em 10% de mortalidade. Segundo um alerta da OMS até agora, a letalidade na RDC, que vive o maior surto de mpox, com mais de 500 mortos, estava em 3,1%.
No entanto, o país vive tanto os casos novos causados pelo Clado 1b, como os mais tradicionais provocados pelo 1a, e os dados não fazem essa distinção detalhada. Por isso, não há como saber qual a letalidade exata da nova cepa.
“Aparentemente a mortalidade do Clado 1b tem sido mais baixa do Clado 1a. Mas essa letalidade depende muito da organização dos sistemas de saúde local. A letalidade do Clado 2 na Europa, por exemplo, não foi a mesma da nos países africanos. Mas no mesmo sistema, nos países onde tem tido circulação das duas cepas na África, a mortalidade do 1b tem sido menor que do 1a”, avalia Galliez.
2. Transmissão e grupos de risco
Segundo a OMS, enquanto os casos do Clado 1a têm sido relatados em regiões onde o vírus já era endêmico e principalmente em crianças e por diferentes meios de transmissão, os do 1b têm sido observados na área mais ao Leste da RDC e em países vizinhos, afetando predominantemente adultos e se disseminando via contato sexual.
“Essa cepa se espalhou para quatro países que fazem fronteira com a RDC e antes não tinham casos de mpox. Por isso a preocupação de que o cenário de 2022 se repita. Mas não temos muitos dados ainda sobre esse padrão de transmissão sexual entre adultos, se vai ser o mesmo observado em 2022 com o 2b, que teve uma prevalência maior entre homens que fazem sexo com outros homens e pessoas que vivem com HIV. Falta esclarecer quem é a população mais acometida por essa cepa nova”, avalia Cerbino.
A virologista Giliane Trindade, coordenadora do Laboratório de Vírus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de onde é professora de Microbiologia, e vice-coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Poxvírus (INCT-POX), reforça que o contato sexual está favorecendo a disseminação da nova cepa, mas diz que falta entender, por exemplo, quantas pessoas são assintomáticas, como a doença está se espalhando de um modo geral em termos epidemiológicos.
“Sabemos é que o vírus atingiu áreas mais populosas na bacia do Congo, inclusive chegando a regiões mais urbanizadas. Que ele foi detectado de forma signficativa entre profissionais do sexo e que a via de transmissão que envolve o contato sexual está favorecendo a disseminação. Mas como é a distribuição de casos, qual o percentual de assintomáticos e como está sendo esse controle na região da RDC, não sabemos. Essa compreensão maior de como o surto está se desenrolando em termos epidemiológicos é necessária”, diz a virologista.
Um ponto que não se sabe ainda também, lembra Cerbino, é a taxa de transmissão, ou seja, quantas pessoas um infectado geralmente contamina. “Precisamos saber isso e com que facilidade esse vírus é disseminado, além de com qual frequência provoca casos graves.”
O virologista da Universidade Feevale e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus, Fernando Spilki, destaca ainda que, com a detecção de casos em novos países na África e na Suécia, na Europa, uma questão será entender como a cepa se comporta em diferentes locais em meio ao risco de propagação global.
“Saber como o Clado 1b vai se comportar em termos epidemiológicos fora do seu local original é uma questão. Como vai ser a dispersão e quais faixas etárias, quais cadeias de contato que vão ser mais atingidas. Se vai manter também aquela apresentação mais proeminente do Clado 1a em crianças, como é no continente africano”, explica Fernando Spilki.
3. Antivirais e vacinas
Os especialistas citam ainda que, embora sejam estratégias em andamento para conter o surto, não se sabe o quanto de eficácia os medicamentos disponíveis têm contra a nova cepa.
“Os antivirais disponíveis são uma questão. Pelos últimos estudos que estão saindo parece que o Tecovirimat tem tido pouca eficiência no tratamento”, diz Trindade.
Em relação às vacinas, Cerbino diz que também “precisamos de mais informações”. “Não temos dados para saber se essa nova mutação vai alterar a proteção. Já é um imunizante que não foi desenhado para mpox, foi desenhado pela varíola humana e oferece essa proteção cruzada. Acredita-se que ela vai continuar a proteger, mas o quanto não temos ainda esse dado, acrescentou.
Fonte: O Globo