Joângelo Custódio, repórter AJN1
Em meio aos sérios e ascendentes problemas do Sistema Único de Saúde brasileiro, o médico neurocirurgião Rilton Moraes, que trabalha há 10 anos no hospital João Alves Filho – maior unidade de saúde do Estado especializada em alta e média complexidades – utilizou-se das redes sociais para desabafar e tocar o dedo na ferida dos gestores hospitalares e do governo do Estado sobre o descaso no gerenciamento do hospital, no que concerne a falta de ferramentas de trabalho e insumos de importância vitais para salvar vidas.
O dia era 16 de julho, último sábado. O horário, 21h30. Rilton acabara de chegar em casa e havia passado toda a tarde e início da noite lutando para salvar uma jovem vida de apenas 1 ano de idade. Ele ligou seu computador e escreveu em uma rede social, de forma revoltante, sua abjeção com as condições de trabalho que ele e outros médicos e enfermeiros encontram no João Alves diariamente. Segundo Rilton, “Uma luta em desvantagem. Uma luta triste. Uma luta extenuante”.
Isso porque, naquele dia, um bebê teve uma artéria no cérebro rompida. “O pequeno paciente teve o azar de depender do Sistema Único de Saúde e num país de propagandas mentirosas”, escreveu ele.
Semanas antes, a equipe médica pediu vários exames que, segundo Rilton, não foram realizados. A criança, disse o neurocirurgião, entrou em coma e apresentou uma hemorragia cerebral. “Não havia tempo a perder. Precisava de cirurgia. Era sua única chance. Conseguimos uma sala cirúrgica e muito pouco mais”.
Em seu desabafo, o neurocirurgião disse que não havia os antissépticos para limpar adequadamente a pele da criança e evitar infecção. Além de não haver a manta térmica para diminuir o risco de complicações da anestesia geral.
“Não havia todos os instrumentais necessários para realização da cirurgia. As pinças para hemostasia elétrica não funcionavam e conter o sangramento era muito difícil. O microscópio não funcionava adequadamente e o esforço para conseguir enxergar os delicados vasos sanguíneos era hercúleo. Não havia os clipes vasculares para que interrompêssemos o sangramento. Não havia os hemostáticos para ajudar na coagulação. Não havia os fios de sutura adequados para fechar o paciente”, escreveu ele.
Mesmo diante da situação vergonhosa e da sensação de impotência, Rilton não desistiu. “Algumas vezes contendo o choro de raiva. Outras, a vontade de desistir. A hemorragia foi drenada. A fonte do sangramento foi contida. Ao término da cirurgia, não havia vaga de UTI para aquele frágil paciente. Quase sempre falta. O tratamento é mais arriscado assim. Agora, é torcer para que tudo dê certo. Até quando viveremos assim? Cansado!”, finalizou ele, em sua postagem solitária intitulada de “O SUS cruel”, e que já teve mais de 1600 curtidas e quase 600 compartilhamentos.
Repercussão
Diante da repercussão, Rilton esclareceu que fez a reclamação porque quer que o Sistema Único de Saúde (SUS) funcione de maneira digna e humana. “Eu reclamei das condições do SUS, especificamente no hospital João Alves Filho, porque queremos que ele funcione. Nós não temos condições de trabalhar. Coloquei esse desabafo nas redes sociais para que as pessoas vejam o que está acontecendo. Todos os colegas estão passando por isso. Na sala ao lado, quando terminei minha cirurgia, eu encontrei o diretor técnico do Hospital, Dr. Marcos Kruger, e reclamei com ele e ele também ficou muito angustiado. Todos os médicos estão passando por isso. Não é uma situação isolada, sempre ocorre”.
Desinteresse do Governo
O neurocirurgião disse que pode estar havendo falta de coragem para gerenciar a coisa pública. “Não sei se é desinteresse do governo, sei que é um problema nacional, faltam recursos, mas acho que falta gerenciamento nisso aí. Não podemos ser colocados para operar uma criança nessas condições, porque quando morre, eu não vou ver nenhum gestor defender o médico na televisão, ele vai é acusar o médico. Defender, nunca. Felizmente essa criança está viva, mas as probabilidades de dar errado eram muito grandes”.
'Leviana'
Durante entrevista ao telejornal da TV Sergipe, Rilton disse que a superintendência do hospital João Alves, Lícia Diniz, está sendo leviana e a acusou de ter uma penca de processos na Justiça. “Ela está sendo leviana, porque ela dizer que eu tinha o diagnóstico da criança uma semana antes, ela terá que dizer isso na Justiça, já que ela recebe processo na Comissão de Ética, no Conselho Regional de Medicina, porque a criança teve uma hemorragia cerebral, foi solicitada uma geografia digital por semanas e ela não foi feita, e a criança teve uma nova hemorragia. Não havia insumos para uma cirurgia adequada”.
Defesa
De acordo com Lícia Diniz, existe, sim, medicamentos e insumos para realização de procedimentos cirúrgicos.
“Todos esses materiais que o médico fala existem no hospital. Um ou outro, pontualmente, pode faltar, principalmente quando é uma cirurgia de emergência. É de bom tom que ele (o médico) fizesse a cirurgia preventivamente, porque ele já tinha diagnóstico dessa criança há uma semana e aguardou a emergência. Assim fica mais difícil. Todo neurocirurgião opera nesse hospital. Nosso hospital pode falhar, pontualmente, mas a gente procura dar todo atendimento e condições para o médico trabalhar”, redarguiu ela.
“Acho um desserviço trazer para a população um bate-boca e uma lavagem de roupas dessas, mostrando ao povo a sensação de instabilidade e insegurança no hospital. Esse hospital é para os corajosos. Quem não quer trabalhar, que saia”, finalizou ela.
Foto: Arquivo pessoal