“Quando ‘oiei’ a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/ Eu ‘preguntei’ a Deus do céu, uai/ Por que tamanha judiação?”
A letra acima é de “Asa Branca”, um hino da época junina, cantada por Luiz Gonzaga pela primeira vez em 1947 e umas das cinco canções mais regravadas de todos os tempos no Brasil, de acordo com ranking feito pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Os versos do pernambucano foram eternizados na história da música brasileira e deram voz ao Sertão e à cultura nordestina.
Diferentemente da sua carreira na música, a história de Luiz Gonzaga com o futebol é pouco conhecida e contada. Apesar de apaixonado pelo esporte, o “Rei do Baião” não costumava comentar sobre o assunto nem revelar suas predileções. Nas poucas vezes que falou a respeito, contou ao público suas paixões: o Santa Cruz, no Recife, o Botafogo, no Rio de Janeiro, e o Santos, em São Paulo.
Nascido em Exu, cidade do sertão pernambucano a 630 quilômetros de distância da capital Recife, Luiz Gonzaga não teve acesso a jogos de futebol na infância. A paixão pelo esporte começou a aparecer nas “peladas” nos campos de barro da região.
Segundo Paulo Vanderley, pesquisador e especialista na obra de Gonzagão, não há registros da influência que levou “Seu Lua” a torcer pelo Santa Cruz. Deduz-se que pelo fato de o Tricolor ser conhecido como o “Time do Povo” no Recife, Gonzagão tenha criado uma simpatia pelo clube quando foi morar na cidade.
Em 1982, na festa da Pitomba, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, em um dos poucos registros que há de Luiz Gonzaga declarando-se torcedor coral, ele fala que “meu Santa Cruz está em baixa, mas vai se levantar e dar muito trabalho”. No mesmo show, Gonzagão também cita o Náutico, o Sport e o Central, de Caruaru, para levantar o público.
Já a paixão de Luiz Gonzaga pelo Botafogo possui uma explicação. Muito amigo do também botafoguense Dominguinhos, outro ícone da música brasileira, Gonzagão passou a frequentar jogos do Fogão no Maracanã, na época em que viveu no Rio de Janeiro, e se encantou com os dribles e arte de Garrincha.
“Ele gostava de futebol. Quando estava em Recife, levava ele para assistir aos jogos do Santa Cruz, no Arruda. Ele era Santa Cruz doente em Pernambuco. E no Rio de Janeiro, o levava aos jogos do Botafogo”, revelou Fausto Luiz Maciel, sobrinho do Rei do Baião e que trabalhava com ele como zabumbeiro e motorista. Não por acaso, ganhou do tio o apelido de “Piloto”
Além do Rio, Gonzaga também passou um período da vida em São Paulo. Nesta época, começou a assistir jogos do Santos, no Pacaembu. Criou uma afeição pelo time, que cresceu com o surgimento da lenda Pelé, no clube praiano. Chegou a acontecer, inclusive, um encontro histórico entre o Rei do Baião e o Rei do futebol, em uma gravação de um programa da extinta TV Tupi.
A paixão de Luiz Gonzaga por futebol também é possível de ser percebida na sua obra. Em três músicas da sua discografia, Gonzagão trata do assunto: “Siri jogando bola” ,“Lá vai a pitomba” e o “Hino do Batistão”, que fez pela ocasião da inauguração do estádio Lourival Baptista, em Aracaju.
Já mais velho, Luiz Gonzaga sentava-se no sofá de casa, ligava a televisão e passava horas assistindo a jogos de futebol. Analisava as partidas quase como um comentarista.
“Luiz Gonzaga era um apaixonado por futebol. Gravou músicas sobre o futebol e falava com muita naturalidade sobre o amor dele por Santa Cruz, Botafogo e Santos. Era um entusiasta, de ligar a televisão e ser praticamente um comentarista, falando dos jogos”, contou o pesquisador Paulo Vanderley.
Shows em estádios
Em sua carreira, Luiz Gonzaga participou de shows em dois estádios de futebol, no que se tem registro: no Arruda, no Recife, e no Batistão, em Aracaju. As duas apresentações têm um peso histórico para os clubes e cidades que sediaram.
Em 1969, Luiz Gonzaga não só participou do show de abertura do Batistão, como também criou o hino do estádio. A letra da canção fala da grandiosidade da arena esportiva, além de ressaltar a existência de uma escola que funcionava embaixo das arquibancadas.
“No gramado do Batistão / Enquanto o craque chuta a bola / As crianças dão lição / Nosso estádio tem escola / O estádio de Sergipe / É o mais completo da nação / Dá ao povo futebol / E à infância educação”, hino do estádio Batistão, composto por Luiz Gonzaga.
A apresentação de Gonzagão dividiu as atenções com o jogo de abertura do Batistão, entre a seleção brasileira, que seria tricampeã mundial na Copa do México no ano seguinte, contra a Seleção de Sergipe. O Brasil venceu com facilidade, por 8 a 2, com um time que tinha Carlos Alberto Torres, Jairzinho, Gérson e é claro, Pelé.
Quatro anos depois da inauguração do Batistão, Luiz Gonzaga participou do aniversário de um ano do estádio que frequentaria como torcedor muitas vezes depois, o Arruda.
Na mesma semana, inclusive, Luiz Gonzaga fez um show na sede do Náutico, nos Aflitos, na festa de São João do clube. O artista chegou a levar um “puxão de orelha” do colunista social João Alberto, que relatou o atraso de Gonzagão no evento. Por conta disso, teve até ameaça do cachê ser pago pela metade.
Gonzagão Futebol Clube
Luiz Gonzaga também foi homenageado dando nome a dois times homônimos na sua cidade natal, Exu, no sertão pernambucano: ambos chamados Gonzagão Futebol Clube.
O primeiro, criado em 1987, teve o próprio Rei do Baião como “patrono”, fornecendo bolas, uniformes e até um micro-ônibus para a equipe viajar para disputar partidas fora da cidade.
“Luiz Gonzaga sempre apoiou esse time, que participava dos campeonatos de Exu e se tornou o melhor time da região. Era convidado para jogar em outras cidades por conta da influência do nome de Luiz Gonzaga. Mas o time era muito bom. Alguns jogadores chegaram a fazer testes para jogar no Guarany de Juazeiro do Norte-CE”, recordou o sobrinho Fausto Luiz Maciel, o Piloto, que no Gonzagão FC atuava como ponta direita.
Porém, com a morte de Luiz Gonzaga, em agosto de 1989, chegou ao fim também a primeira versão do Gonzagão Futebol Clube.
“Quando ele estava de folga, assistia aos jogos do time. Luiz Gonzaga sempre participava das festanças de Exu. Sempre quando tinha algum evento e estavam precisando de ajuda, ele ajudava. Luiz Gonzaga tocava nos clubes de Exu de graça. Ele também comprou um micro-ônibus para os estudantes de Exu que estudavam em Araripina (a 120 quilômetros de distância). Esse era o mesmo micro-ônibus que o time usava. Depois que Luiz Gonzaga faleceu ai faltou apoio e o time acabou”, lamenta Piloto.
Porém, 26 anos depois, um novo Gonzagão Futebol Clube surgiu em Exu. Tendo, porém, como única ligação com o primeiro time apenas a homenagem ao Rei do Baião. Assim, saiu o azul e branco da equipe original e entrou o verde e preto. No escudo, uma imagem de Luiz Gonzaga, com sua sanfona, a Asa Branca e duas bolas de futebol.
“Escolhi a cor verde por conta do Juazeiro, árvore típica da nossa região e que é a única que se mantém verde o ano inteiro. Como não sou daquela época, não conheci o primeiro Gonzagão Futebol Clube. Mas como a gente sempre jogou futebol, primeiro criei um time só por brincadeira. A coisa foi se expandindo e então resolvi levar mais a sério e inscrever a equipe na competição. Dei o nome de Gonzagão Futebol Clube para representar o nosso Rei do Baião”, explicou Giliard Fernandes da Silva, 29 anos, proprietário e atual técnico do Gonzagão.
Organizado com o apoio da prefeitura de Exu, atualmente o “Exuzão” conta com três divisões. E em 2022, justamente quando Luiz Gonzaga completaria 110 anos, o atual Gonzagão FC irá disputar pela primeira vez a Série A da competição. O torneio também retorna após dois anos sem ser realizado por conta da pandemia da Covid-19.
“Ninguém recebe nada para jogar. Todo mundo joga por amor à camisa. Mas temos excelentes jogadores aqui em Exu. Alguns saem para jogar em times pequenos da Paraíba, do Piauí… O que falta mais é um pouco de incentivo”, afirmou Giliard, que como não poderia deixar de ser, é fã de Luiz Gonzaga.
Porém, segundo ele, esse não é um pré-requisito para entrar no Gonzagão FC.
“Na verdade, o cara tem que ser bom de bola”, encerrou.
Seu Luiz, com certeza, concordaria.
Fonte: G1