ARACAJU/SE, 4 de dezembro de 2024 , 6:13:10

logoajn1

Nova arma antissatélite russa reacende medo de conflito nuclear no espaço

 

Em 14 de fevereiro passado, Michael Turner, presidente da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, emitiu uma declaração em que advertia sobre “uma séria ameaça à segurança nacional”. Pouco depois, a Casa Branca confirmou suas suspeitas de que a Rússia estava desenvolvendo uma arma antissatélite de grande potência. Não se utilizou a palavra “nuclear”, mas estava implícita na declaração.

No dia 20 do mesmo mês, um indignado Vladimir Putin, presidente da Rússia, desmentiu tais afirmações, declarando-se “categoricamente oposto ao uso de armas nucleares no espaço” e exigindo, ao mesmo tempo, que todos os governos ratificassem os tratados de proibição vigentes. Apenas dois meses depois, em abril, Japão e Estados Unidos apresentaram no Conselho de Segurança da ONU uma proposta para reforçar a validade do tratado atual, que já conta com 57 anos.

A Rússia vetou a proposta, contradizendo assim as afirmações do próprio Putin. E no dia 17 de maio, partiu de Plesetsk o Kosmos 2576, um satélite militar cuja órbita sugeria que se tratava de um protótipo de um novo dispositivo antissatélite. Por ora, sem carga nuclear. Qual seria o sentido de estacionar armamento atômico no espaço? Atacar um alvo terrestre a partir da órbita exige esperar horas — às vezes, dias — até que ele esteja ao alcance. É muito mais ágil usar um míssil balístico ou de cruzeiro, ou a técnica de bombardeio por órbita fracionária, experimentada pela União Soviética nos anos 1960 e mais tarde proibida no âmbito dos acordos SALT II.

Outra questão é inutilizar satélites inimigos. Existem várias maneiras — projéteis cinéticos ou armas de projeção de energia —, mas sem dúvida a mais eficaz consiste em detonar um dispositivo nuclear nas proximidades. Tanto os Estados Unidos quanto a URSS realizaram testes desse tipo, sempre sob o pretexto de pesquisas científicas, e não com fins agressivos. O primeiro foi a operação Argus, realizada pelos Estados Unidos em 1958, que consistiu na detonação de seis ogivas nucleares de baixa potência sobre o Atlântico Sul; já os soviéticos, em 1961 e 1962, realizaram cinco lançamentos a partir de um campo de testes no Cazaquistão.

Mas o mais notável de todos esses testes nucleares no espaço foi a operação Starfish Prime. No dia 9 de julho de 1962, um foguete Thor lançado de um atol situado 1.500 quilômetros a oeste do Havaí levou ao espaço uma bomba de uma megatonelada e meia. Na retaguarda, seguiam um par de cápsulas recuperáveis carregadas com câmeras e equipamentos de medição para analisar o resultado do teste. O dispositivo, de 700 kgs, explodiu a 400 quilômetros de altura — quase à mesma distância em que orbita a Estação Espacial Internacional. Já era noite, então o clarão pôde ser perfeitamente visto de Honolulu, capital havaiana, como um impressionante espetáculo de fogos de artifício que durou cerca de 15 minutos.

Mas nem tudo foi espetáculo. O pulso eletromagnético gerado pela explosão foi muito mais potente do que o esperado. Causou apagões e danificou redes elétricas e telefônicas nas ilhas do Havaí, além de inutilizar meia dúzia de satélites, entre eles o Ariel — o primeiro satélite britânico — e um satélite soviético. Também criou um cinturão de radiação ao redor da Terra que demoraria meses para se dissipar.

Todos esses efeitos palidecem em comparação com os sofridos em território soviético como resultado de seus próprios testes. Como a detonação ocorreu sobre território habitado, as redes aéreas, tanto elétricas quanto telefônicas, atuaram como antenas que geraram pulsos de milhares de amperes. Os isoladores não conseguiram resistir à sobrecarga, fusíveis e sistemas de proteção foram comprometidos, e os danos chegaram a afetar uma central elétrica que abastecia a capital. Ficou claro que uma explosão atômica no espaço teria consequências devastadoras no solo.

Tudo isso ocorreu há 60 anos, no contexto da Guerra Fria. Nunca mais se detonou um dispositivo nuclear no espaço. Agora, com a nova e tensa situação internacional, as ameaças voltam a se intensificar. O que aconteceria se uma ogiva de vários megatons explodisse a 200 quilômetros sobre nossas cabeças?

Em 1962, apenas duas dúzias de satélites artificiais orbitavam a Terra. Hoje, são mais de 10 mil. Embora muitos sejam militares, a maioria presta serviços civis de comunicações, meteorologia ou GPS. A internet funciona em parte por meio de enlaces orbitais; da mesma forma, bancos e bolsas sincronizam operações com sinais horários transmitidos por satélites. Isso também ocorre com os navegadores de nossos automóveis. Um ataque nuclear indiscriminado causaria um estrago colossal. Apenas os satélites que estivessem protegidos do outro lado do planeta ficariam a salvo.

Para as pessoas que estivessem em zona noturna no momento da explosão, a chuva de prótons e elétrons criaria uma aurora artificial intensa, embora breve, provavelmente muito mais brilhante que as auroras naturais. Poderia ser vista em qualquer lugar do mundo, até mesmo na África tropical ou na Amazônia.

Armas que também prejudicam o agressor

Mas aqueles que estivessem próximos ao ponto de explosão não desfrutariam tanto do espetáculo. Veriam apenas um clarão comparável a um segundo sol, seguido por uma chuva invisível de raios X, consequência das reações nucleares envolvidas em uma explosão termonuclear. Uma bomba de hidrogênio — de fusão — utiliza como detonador uma bomba atômica — de fissão — e a energia liberada em forma de calor e radiação resulta da soma de ambas. Obviamente, quanto mais próximo se estiver, pior será.

Alguns satélites militares são blindados, mas a maioria dos civis é muito sensível às radiações de alta energia. Simplesmente, protegê-los seria caro demais e aumentaria muito o peso. Os semicondutores dos painéis solares são os primeiros a serem afetados, mas a radiação pode destruir até os adesivos que mantêm as estruturas unidas. Os equipamentos ópticos também seriam danificados, especialmente aqueles que captam níveis muito baixos de luz, como os sensores estelares usados para orientar certos satélites, ou as câmeras multiespectrais utilizadas na localização de recursos naturais.

O problema de uma arma atômica é que a detonação afetaria igualmente satélites aliados e inimigos. Além disso, teria que ser realizada sobre território adversário para evitar que o pulso eletromagnético atingisse instalações terrestres próprias. A explosão destruiria de uma só vez (ou ao menos degradaria consideravelmente) a capacidade das grandes constelações de satélites, mas o preço a pagar seria tão alto que o próprio agressor teria que pensar duas vezes.

Outra possibilidade é recorrer a veículos de impacto: simplesmente fazer o veículo caçador colidir com sua vítima. A colisão é programada para que as trajetórias se cruzem em sentido oposto, aumentando a velocidade combinada. E nem é necessário um impacto direto: muitos satélites possuem painéis, antenas e braços, então basta danificar um deles para torná-lo inoperante.

No entanto, essa tática também não é inofensiva para o agressor. Lembremos o caso do teste realizado pela China em 2007, quando um míssil foi lançado contra um de seus próprios satélites (já inativo). O resultado foi uma nuvem de detritos que permaneceu em órbita por meses. Foram contabilizados cerca de 3 mil fragmentos grandes o suficiente para serem detectados por radar, mas certamente havia muitos mais, indetectáveis.

A maioria já caiu, mas ainda restam cerca de mil fragmentos em órbita baixa. Em 2021, a Rússia repetiu um teste semelhante, com resultados igualmente desastrosos. Como consequência, a estação espacial internacional tem que realizar, de tempos em tempos, manobras evasivas para evitar colisões com esses detritos.

Alternativas não nucleares

Especula-se sobre uma alternativa: um satélite capaz de gerar pulsos eletromagnéticos de menor potência, sem a necessidade de detonações nucleares. Ele deveria ser capaz de se aproximar dos alvos e desativá-los um a um com descargas mais controladas. Sabe-se que vários satélites russos e chineses, chamados “inspetores”, já realizaram manobras de aproximação a outros satélites (próprios). Tanto os Estados Unidos quanto a China também operam há anos uma nave robótica, manobrável e recuperável, cujas missões geralmente se estendem por muitos meses em órbita. Nunca se esclareceu o propósito dessas longas missões, mas, sendo veículos militares, não é difícil imaginar a que se destinam.

Um satélite que utiliza pulsos eletromagnéticos precisaria de uma enorme fonte de energia. Portanto, as tradicionais placas solares estão descartadas; a solução mais provável seria um reator nuclear, que alimentaria bobinas elétricas capazes de liberar a descarga quando algum satélite inimigo estivesse ao alcance. É possível que o recente Kosmos 2576 esteja destinado a testar algum desses dispositivos, embora não haja evidências de que ele carregue material nuclear a bordo.

Caso um conflito evoluísse a ponto de armas orbitais serem utilizadas, os alvos mais valiosos dos Estados Unidos seriam seus satélites espiões. Esses satélites são semelhantes a um telescópio Hubble, mas voltados para a Terra. Geralmente, dois estão em operação, seguindo órbitas polares que permitem cobrir todo o globo. Os serviços de inteligência russos conhecem em detalhe os horários de sobrevoo de cada região; e, da mesma forma, a Força Espacial dos Estados Unidos monitora seus equivalentes russos.

Fonte: O Globo

Você pode querer ler também