Diante do que tem sido visto como um recuo no combate à corrupção no Brasil, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tomou uma decisão inédita: criar um grupo permanente de monitoramento sobre o assunto no Brasil.
A entidade, na qual o Brasil pleiteia entrada, está preocupada com o fim “surpreendente da Lava Jato”, o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações.
A medida, jamais adotada contra nenhum país antes, representa uma escalada — com tons de advertência — nas posições da OCDE, que desde 2019 tem divulgado alertas públicos ao governo e chegou a enviar ao país uma missão de alto nível para conversar com autoridades e tentar reverter ações de desmonte da capacidade investigativa contra práticas corruptas.
“A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos, apenas para descobrir logo depois que os problemas – com raras exceções – ainda existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de combater o suborno internacional continuam a surgir”, afirmou à BBC News Brasil Drago Kos, presidente do grupo de trabalho antissuborno da OCDE e membro do Conselho Consultivo Internacional Anticorrupção.
‘Marcha à ré’ no combate à corrupção
Agora, especialistas de três países membros da OCDE irão monitorar a situação do combate à corrupção no país de maneira contínua e independente, e manter consultas frequentes com autoridades brasileiras.
Conforme apurou a BBC News Brasil com exclusividade, é a primeira vez em 59 anos que a entidade adota uma medida como essa contra qualquer país, seja um de seus 37 membros permanentes ou qualquer outra nação candidata ao grupo.
A entrada na OCDE é considerada uma prioridade na política externa do presidente Jair Bolsonaro. Há 10 dias, em um evento para investidores americanos no Council of the Americas, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que “o Brasil vai integrar em breve a OCDE, o que é algo decisivo para nós, muito importante, uma maneira de ancorar o Brasil na atmosfera de democracias liberais e economias orientadas pelo mercado”.
Eleito sob a bandeira do combate à corrupção, o governo Bolsonaro vê ameaçado o ingresso na OCDE caso a avaliação sobre o desempenho brasileiro no assunto não melhore.
Perguntado pela BBC News Brasil se as práticas brasileiras de combate à corrupção atuais estariam de acordo com os parâmetros mínimos para que o país fosse aceito na entidade, Drago Kos, afirmou que “se você tivesse me feito essa pergunta há alguns anos, minha resposta teria sido um “sim” definitivo. Hoje eu simplesmente não sei: enquanto a Operação Lava Jato nos deu informações tão positivas sobre a capacidade do Brasil de combater a corrupção nacional e internacional, hoje parece que alguns dos processos iniciados em 2014 estão dando marcha a ré”.
Segundo Kos, essa é apenas uma opinião pessoal e o órgão que comanda deverá deliberar sobre o assunto em algum momento, mas isso ainda não tem data para acontecer.