ARACAJU/SE, 5 de fevereiro de 2025 , 14:02:05

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ONU vê ‘limpeza étnica’, árabes rejeitam, políticos atônitos: as reações ao plano de Trump sobre tomar a Faixa de Gaza

 

Do lado de fora da Casa Branca, grupos pró-palestinos se reuniram para protestar contra a proposta do presidente Donald Trump de “assumir Gaza”. O chefe do Executivo americano lançou a ideia em uma coletiva de imprensa, logo após encontro com o premier de Israel, Benjamin Netanyahu.

Entre os gritos de protesto, frases como “Donald Trump pertence à prisão!” e “A Palestina não está à venda!”. Mas as reações de estarrecimento diante da fala de Trump não se resumiram apenas à capital Washington, ecoaram também em outros pontos do planeta.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, em uma dura declaração, disse que o plano de Trump para realocar a população palestina de Gaza equivaleria a uma “limpeza étnica”, e que se colocado em prática corre o risco de “tornar impossível um Estado palestino para sempre”.

O enviado palestino às Nações Unidas, Riyad Mansour, disse que os líderes mundiais e o povo deveriam respeitar o desejo dos palestinos de permanecer em Gaza.

– Nossa pátria é nossa pátria, se parte dela for destruída, a Faixa de Gaza, o povo palestino escolheu retornar a ela – disse Mansour. – E acho que os líderes e o povo devem respeitar os desejos dos palestinos – concluiu afirmando, ainda que “nosso país e nossa casa são a Faixa de Gaza, é parte da Palestina”, disse ele.

Questionado, o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, preferiu não fazer um comentário direto, mas afirmou que continua a apoiar uma solução de dois Estados no Oriente Médio.

Autoridades árabes reagem

O Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita divulgou uma declaração completa após o plano de Trump. As autoridades árabes enfatizam o apoio “firme e inabalável” ao estabelecimento de um Estado palestino.

“Arábia Saudita continuará seus esforços incansáveis para estabelecer um Estado palestino independente, com Jerusalém Oriental como sua capital, e não estabelecerá relações diplomáticas com Israel sem isso”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores saudita na rede social X.

Autoridades árabes, que falaram com a CNN, expressaram perplexidade, preocupação e pessimismo.

Um diplomata disse, em anonimato, que os comentários de Trump colocarão em risco o frágil acordo de cessar-fogo em Gaza.

– É essencial reconhecer as profundas implicações que tais propostas têm sobre a vida e a dignidade do povo palestino, bem como no Oriente Médio em geral – disse o diplomata.

– A realidade é que 1,8 milhão de pessoas em Gaza resistiriam a tal iniciativa e se recusariam a sair – disse o diplomata.

Na segunda-feira, como se já previssem a jogada de Trump, ministros das Relações Exteriores da própria Arábia Saudita, além de Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Catar, bem como o secretário-geral da OLP, enviaram uma carta conjunta ao secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, chamando a resolução do conflito palestino-israelense de “a chave para a paz regional” e dizendo que só pode acontecer por meio de uma solução de dois Estados.

“É imperativo que Israel não anexe nenhuma terra palestina”, diz a carta, cuja cópia foi vista pela CNN. “Tal anexação simplesmente tornará a solução de dois Estados inviável.”

“Os palestinos não querem deixar suas terras. Apoiamos sua posição inequivocamente”, escreveram os ministros.

‘Receita para o caos’

Para o alto funcionário do Hamas, Sami Abu Zuhri, a fala de Trump é condenável, uma vez que a ideia de que os palestinos saiam de Gaza significa a “expulsão de suas terras”, informou a agência de notícias Reuters.

“É uma receita para gerar caos e tensão na região, porque o povo de Gaza não permitirá que tais planos sejam aprovados”, disse ele.

Trump não ofereceu detalhes sobre como um processo de reassentamento poderia ser implementado, mas sua proposta fi um brinde aos desejos da extrema-direita de Israel, além de contradizer o compromisso do ex-presidente Joe Biden, contra o deslocamento em massa de palestinos.

Reações internas

A congressista democrata Rashida Tlaib comparou a proposta de Trump a uma “limpeza étnica”: “Este presidente está pedindo abertamente a limpeza étnica, enquanto está sentado ao lado de um criminoso de guerra genocida”, disse Tlaib em um post no X.

“Ele está perfeitamente bem, cortando os trabalhadores americanos de fundos federais enquanto o financiamento para o governo israelense continua fluindo”, escreveu Tlaib, a primeira mulher palestina-americana a ser eleita para o Congresso dos EUA.

“Esperavam o quê? Os EUA vão ocupar Gaza? Não nos prometeram mais guerras intermináveis? Pelas minhas contas, estamos ocupando a Groenlândia, Canadá, Canal do Panamá e agora… Gaza?” escreveu o congressista californiano, Eric Swalwell, em um post no X.

– Ele perdeu totalmente o controle – disse o senador democrata Chris Murphy. – Uma invasão dos EUA em Gaza levaria ao massacre de milhares de soldados dos EUA e décadas de guerra no Oriente Médio. É como uma piada de mau gosto.

O representante democrata Jake Auchincloss descreveu a proposta como “imprudente e irracional”.

“Temos que olhar para os motivos de Trump”, disse ele ao canal a cabo NewsNation. “Como sempre, quando Trump propõe um item de política, há uma conexão nepotista e egoísta”.

Referindo-se a Trump e seu genro Jared Kushner, ele disse: “Eles querem transformar Gaza em resorts”.

Jon Alterman, chefe do programa do Oriente Médio no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington, disse: “Muitos moradores de Gaza descendem de palestinos que fugiram de partes do atual Israel e nunca puderam retornar às suas casas anteriores. Estou cético de que muitos estariam dispostos a deixar até mesmo uma Gaza destruída”.

Justin Amash, um ex-membro republicano do Congresso, cujo pai foi expulso de sua casa pelas forças israelenses em 1948, ficou chocado. – Se os Estados Unidos enviarem tropas para remover à força muçulmanos e cristãos – como meus primos – de Gaza, então não apenas os EUA estarão atolados em outra ocupação imprudente, mas também serão culpados do crime de limpeza étnica. Nenhum americano de boa consciência deve defender isso.

Senadores republicanos ou se recusaram a comentar ou procuraram ser cuidadosos ao comentar. Representante da Carolina do Sul, Lindsey Graham chamou de “proposta interessante, mas também problemática”:

– Vamos ver o que nossos amigos árabes dizem sobre isso. Acho que a maioria dos moradores da Carolina do Sul provavelmente não ficaria entusiasmada em enviar americanos para assumir Gaza. Eu acho que isso pode ser problemático. Mas vou manter a mente aberta – disse ele.

– Não sei o que fazer com isso – disse o senador republicano do Texas John Cornyn. – Volte comigo amanhã, é uma boa ideia.

O que disse Trump

Após encontro com o premier Benjamin Netanyahu, Donald Trump dirigiu-se a repórteres na Casa Branca. Em um anúncio chocante, o presidente americano disse que os EUA vão “assumir” e “possuir” a Faixa de Gaza: “Nós a possuiremos e seremos responsáveis por desmantelar todas as perigosas bombas não detonadas e outras armas no local”, disse ele, acrescentando que os EUA irão “nivelar” edifícios destruídos no território palestino e “criar um desenvolvimento econômico que fornecerá um número ilimitado de empregos e moradias para as pessoas da área”.

Trump disse que imagina uma propriedade “de longo prazo” dos EUA sobre Gaza depois que os palestinos forem transferidos para outro lugar: “Esta não é uma decisão tomada de ânimo leve”, disse ele, acrescentando que “todo mundo com quem falei adora a ideia de os Estados Unidos possuírem aquele pedaço de terra”. Ele continuou dizendo que Gaza poderia se tornar “a Riviera do Oriente Médio”, onde “as pessoas do mundo” poderiam viver lá, incluindo palestinos.

Trump não descartou o envio de tropas americanas para proteger Gaza: “No que diz respeito a Gaza, faremos o que for necessário. Se for necessário, faremos isso”, disse ele.

Trump disse que provavelmente anunciaria uma posição sobre a soberania israelense sobre a Cisjordânia no próximo mês. “Ainda não tomamos uma posição sobre isso”, disse ele. Trump acrescentou que planeja visitar a Faixa de Gaza, Israel e Arábia Saudita.

Netanyahu descreveu Trump como “o maior amigo que Israel já teve na Casa Branca”. O líder israelense disse que “temos que terminar o trabalho em Gaza” e disse que “Israel terminará a guerra vencendo a guerra”.

Fonte: O Globo

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