ARACAJU/SE, 23 de outubro de 2024 , 17:32:27

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‘Pantera Negra: Wakanda para Sempre’ é homenagem amorosa a Chadwick Boseman

 

Pantera Negra: Wakanda para Sempre tem uma dura missão: o filme, em cartaz nos cinemas, é a despedida amorosa e comovente a Chadwick Boseman, o herói T’Challa; a sequência de um blockbuster que também é marco cultural; e a prévia do que vem por aí na nova fase da Marvel – entregando com louvor a homenagem ao ator e derrapando no resto. Ainda assim, a produção é melhor que muitos títulos do catálogo do estúdio, sobretudo devido à força do elenco e à forma como o roteiro consegue lidar com o luto de uma forma orgânica à trama.

A história já começa com a morte de T’Challa e o peso de sua partida para Shuri (Letitia Wright), sua irmã, a nova protagonista, ainda que a presença do Pantera Negra original seja sentida ao longo das 2h40 de filme (que poderiam ser reduzidas em uns bons 20 minutos, pelo menos). A belíssima cena do funeral do personagem lembra ao público o quanto a franquia é rica ao representar a diversidade cultural dos povos africanos, ao se inspirar em diversas etnias reais para construir o universo de Wakanda, e dá início aos dois fios condutores do longa: como o reino, agora conduzido pela rainha Ramonda (a fabulosa Angela Bassett), tenta seguir sem o herói e navegar em um cenário internacional ávido por seu precioso metal vibranium, e o doloroso luto de quem via T’Challa não só como rei e inspiração, mas como filho, irmão, amigo, amor.

Quem perdeu alguém vai reconhecer muito do processo mostrado na tela – a raiva, a angústia, a culpa, a saudade, a aceitação e o entendimento de que tudo, incluindo a morte, faz parte da vida. E também como cada um lida com o luto não só de formas diferentes, mas em tempos diferentes, sem que exista um certo ou errado. Tratada com muita dignidade e sensibilidade, essa jornada norteia ações de mãe e filha, que buscam forças para tocar suas obrigações. Ramonda é uma rainha formidável e tem destaque merecido no filme, tentando proteger seu povo e o legado de sua família da ganância de outras nações, que querem o vibranium que permite a Wakanda ser um Estado tão avançado.

Shuri, que tinha uma pegada mais cômica em outras produções do MCU, ganha uma carga dramática de acordo com o novo tamanho da personagem. Dividida entre a racionalidade de cientista brilhante que é e as tradições de seu povo, nas quais não acredita tanto assim, ela se vê diante de desafios que jamais imaginou enfrentar quanto Wakanda é ameaçada também por Namor (Tenoch Huerta).

Criado para os quadrinhos em 1939, o antagonista é um personagem maravilhoso, que no filme ganha origem nos antigos maias. Maior figura de Talocan, uma civilização que vive no fundo do mar, em um mundo bem longe do brilho colorido da Atlântida do Aquaman da DC, Namor é sedutor, charmoso e, assim como Killmonger (Michal B. Jordan) no primeiro filme, não tem nenhuma simpatia por quem considera opressores – sua história está diretamente ligada à colonização e aos abusos cometidos pelos espanhóis na América.

A introdução do universo de Talocan traz ainda mais diversidade à Marvel, com latino-americanos nos papéis principais (Huerta é mexicano, descendente também de povos nativos originários). Embora o potencial da nova civilização não seja tão explorado quando poderia – falta tempo, falta destrinchar melhor esse mundo subaquático e falta dar a ele o mesmo tratamento que Wakanda teve – Namor veio para ficar. Vibranium também existe no território de Talocan, razão pela qual ele quer achar Riri Williams (Dominique Thorne), uma gênia estudante do MIT, que aos 19 anos constrói uma armadura como o Homem de Ferro e otras cositas más, colocando em risco a existência de Namor e seu povo. A personagem vai ser a estrela de Ironheart (Coração de Ferro), série da Marvel que estreia ano que vem, tem uma relação mais próxima com Shuri, que além de bancar a “irmã velha”, consegue interagir com alguém perto de sua idade e com os mesmos interesses.

O problema é que a apresentação de Riri se estende demais; seu background é introduzido com uma riqueza de detalhes desnecessária para quem vai ter a própria série em menos de um ano. É de doer ver o carro (!) da personagem ter mais tempo de tela que o romance entre Aneka, a Dora Milaje queer de Michaela Cole, com Ayo (Florence Kasumba), que literalmente dura menos de um minuto, em um momento “piscou, perdeu”. Ou ainda do que o impacto da ausência de um Pantera Negra sobre o cidadão comum de Wakanda, agora sem seu protetor já que as flores da Erva do Coração foram destruídas por Killmonger.

Outro arco que poderia ser reduzido é o de Everett Ross (Martin Freeman) e Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), que só estão ali para mostrar que a CIA, os Estados Unidos e basicamente toda outra potência no mundo quer o vibranium e os avanços de Wakanda. São cenas que o público sabe ser uma palhinha do que virá nos próximos desdobramentos do MCU, mas que tiram o foco de Wakanda e de Tolucan, e dos conflitos de seus personagens, muito mais interessantes e ricos que a caricata de Fontaine, por exemplo.

Atuações brilhantes

Com a morte de Chadwick, as personagens femininas, que já tinham bastante destaque no primeiro filme, dominam a sequência: além de Shuri e Ramonda, há a general Okoye de Danai Gurira, a ex-espiã Nakia de Lupita Nyong’o, e a guerreira Namora de Mabel Cadena. São mulheres fortes, de personalidades distintas, com histórias próprias e que dão um show de interpretação. É impossível não imaginar Angela Basset não recebendo algumas indicações em premiações de cinema. Também é bem difícil ver o filme sem pensar o quão duro deve ter sido para o elenco filmar cenas sobre uma perda tão real para a equipe. Pena que alguns diálogos não estão à altura do talento dos atores – em alguns momentos as frases são bem previsíveis.

Wakanda para Sempre tem boas cenas de ação, com efeitos especiais que deixam um pouquinho a desejar. A trilha sonora, que tem o primeiro single solo de Rihanna em seis anos, Lift me Up, os figurinos, a fotografia, são impecáveis. A questão aqui é que o primeiro filme apresentou um mundo com cores, tradições, músicas, cultura e uma vida tão ricos que faziam o resto do MCU perder bastante a graça. Falta mais Wakanda no filme, de uma maneira geral, e falta o principal: o herói. A escolha de quem assume a máscara do Pantera Negra vai dividir os fãs, mas a questão real é que é muito difícil substituir um ator com o carisma e a presença de Chadwick. Se Killmonger não tivesse morrido em Pantera Negra, Michael B. Jordan assumisse o herói, o que seria a oportunidade para uma jornada de redenção interessante para o belicoso, equivocado e rancoroso antagonista.

Esse não é o caso, e a tarefa de Ryan Coogler não era fácil: como levar adiante uma franquia centrada em um personagem cujo ator partiu cedo demais? Muitos talvez achem que há um excesso de despedida, de processar a perda, e pouco “filme do MCU”. Realmente, Wakanda para Sempre tem muitas oportunidades desperdiçadas, mas o diretor acertou em honrar a memória de Chadwick, um artista talentoso, que partiu precocemente e deixou um legado de representatividade maior que qualquer outro herói da Marvel. Seu peso para milhões de crianças e adultos no mundo inteiro e a importância de um super-herói negro, em um filme que bateu a bilheteria do bilhão de dólares, jamais poderão ser realmente mensurados. A despedida de Coogler é o mínimo que Chadwick merecia. As falhas podem ser corrigidas em Pantera Negra 3, porque se existe a possibilidade de um terceiro longa na franquia é porque o legado do ator é justamente este, a continuidade do personagem e da história que ele ajudou a construir. Como o lema da saga diz, Wakanda forever.

Fonte: Revista Quem

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