O Brasil vivenciou a maior epidemia de dengue de sua história em 2024 e a pergunta que fica é: bateremos um novo recorde em 2025? Segundo especialistas, é muito difícil fazer uma previsão. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Saúde estimou até 4,2 milhões de casos da doença e fechamos 2024 com mais de 6,6 milhões de casos prováveis e mais de 6 mil mortes.
Neste ano, o Brasil registrou mais de 101 mil casos prováveis da doença, com 15 mortes confirmadas (116 estão em investigação). Os dados estão no Painel de Monitoramento das Arboviroses e são referentes às três primeiras semanas epidemiológicas. Em 2024, no mesmo período, o país tinha 203 mil casos.
Se em 2024 o El Niño foi um dos responsáveis pela proliferação do mosquito, a preocupação neste ano é com o sorotipo 3 (DENV-3) da doença, que não circulava no Brasil desde 2008.
O vírus da dengue é transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. Ele possui quatro sorotipos diferentes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 (todos podem causar as diferentes formas da doença). Se você teve DENV-1, você está imune a esse sorotipo. Vale o mesmo para DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Por isso, uma pessoa pode ter dengue até quatro vezes ao longo de sua vida.
“Não é possível fazer uma previsão, mas sabemos que o sorotipo 3 vai encontrar um campo fértil, vai encontrar uma população desprotegida. Estamos em um ano com potencial para número alto de casos. Por isso, precisamos minimizar o impacto do vírus por aqui”, alerta Rosana Richtman, infectologista do Instituto Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Se o sorotipo 3 não circula há muito tempo no Brasil, significa que muitas pessoas não tiveram contato com ele. Logo, se a pessoa nunca teve contato, ela pode se contaminar.
“O problema não é o sorotipo 3 em si, mas o fato de que muitas pessoas, especialmente as mais jovens, nunca foram expostas a ele, pois ele não circulava há anos”, acrescenta Richtmann.
Outra consequência do sorotipo 3 circulando no país é a segunda infecção por dengue. Renato Kfouri, infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que um segundo episódio de dengue pode ser mais grave. Além disso, o DENV-3 pode estar relacionado com a doença mais severa. Ou seja, se a pessoa teve dengue, precisa redobrar a atenção.
Combate depende de todos
A dengue só acontece se houver a presença do mosquito Aedes aegypti. Essa é, praticamente, a única forma de transmissão da doença que causa repercussão na sociedade. Para evitar, então, não há muito segredo: precisamos acabar com os criadouros do mosquito. E o combate depende de todos, seja a sociedade em geral, governo e profissionais de saúde.
Entre as ações de governo, os especialistas citam o método Wolbachia (bactéria que diminui significativamente a capacidade dos mosquitos de transmitirem doenças), fornecimento de inseticidas e larvicidas, pulverização em áreas com alto índice de Aedes e campanhas de conscientização.
Além disso, é preciso lembrar que a dengue é uma doença tratável e o atendimento rápido do paciente é fundamental para evitar mortes. Por isso, estruturar hospitais, criar postos de hidratação e treinar os profissionais da saúde é extremamente importante.
“Quando temos a dengue circulando no local, médicos e profissionais da saúde estão mais acostumados a reconhecer, suspeitar, criar um fluxo de orientação para os pacientes, tratamento adequado. Se for uma região onde não circula dengue, você tem um despreparo maior do profissional da saúde. É preciso treinar todo mundo porque a doença está no país inteiro, mas tem gente que não leva tão a sério”, aponta Kfouri.
A população também precisa fazer sua parte, vedando reservatórios e caixas de água, removendo recipientes que possam se transformar em criadouros de mosquitos, usando telas nas janelas e repelentes em áreas com alta transmissão.
Vacina não é a principal ferramenta
A vacina contra a dengue Qdenga foi incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) no final de 2023. Ela está disponível no SUS (gratuitamente) para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações por dengue após os idosos (o imunizante não foi liberado pela Anvisa para pessoas acima de 60 anos).
Apesar de ser uma ótima ferramenta, a vacina sozinha não será capaz de frear a transmissão. Isso porque temos poucas doses do imunizante no Brasil e no mundo.
“O mundo inteiro quer vacinar. O Brasil até que conseguiu um número grande de doses, mas do ponto de vista prático não é nada. Quem puder se vacinar, deve se vacinar”, diz a infectologista.
Segundo o Ministério da Saúde, até 20 de janeiro, foram distribuídas 6.370.966 doses da vacina Qdenga para 1.921 municípios — 2.500.647 pessoas receberam a primeira dose e 935.902 completaram o esquema vacinal, que exige duas doses com intervalo de três meses. Para 2025, o ministério adquiriu mais 9,5 milhões de doses.
São quase 16 milhões de doses e quase 8 milhões de pessoas sendo vacinadas — menos de 5% da população brasileira.
“É um impacto zero no número de casos se pensarmos no populacional. No indivíduo vacinado, claro, o impacto é 100%. Enquanto as vacinas não chegam, é fundamental o manejo correto de quem está doente, com teste, capacitação, orientação sobre sinais de alarme, leitos para quem agravar. A gente pode reduzir esta proporção e o número de mortes não acompanhar o número exagerado de casos”, completa Kfouri.
Em dezembro do ano passado, o Instituto Butantan enviou à Anvisa os documentos necessários para o registro da Butantan-DV, a primeira vacina contra a dengue de dose única. O imunizante protege contra os quatro sorotipos e poderá ser aplicado em pessoas entre 2 anos e 59 anos, independente do histórico de infecção prévia da doença.
O instituto já começou a fabricar as primeiras doses da vacina. A previsão é produzir um milhão de doses ainda este ano e mais 100 milhões até 2027.
Atenção aos sintomas e sinais de alerta
Nem sempre a infecção apresenta sintomas. O indivíduo pode ter uma dengue assintomática ou ter um quadro leve. Mas é preciso ficar atento se a pessoa tiver febre alta (39ºC a 40ºC), de início repentino, acompanhada por pelo menos outros dois sintomas:
- Dor de cabeça intensa
- Dor atrás dos olhos
- Dores musculares e articulares
- Náusea e vômito
- Manchas vermelhas no corpo
“A maioria das pessoas tem a forma clássica da doença. Uma pequena porcentagem é que tem a forma grave, que pode levar à dengue hemorrágica”, explica Richtmann.
A forma grave é a que preocupa. Após o período febril, o indivíduo deve ficar atento aos sinais de alarme:
- Dor abdominal intensa e contínua
- Vômitos persistentes
- Acúmulo de líquidos em cavidades corporais
- Sangramento de mucosa
- Hemorragias
Fonte: G1