ARACAJU/SE, 15 de setembro de 2025 , 8:48:32

Psicólogo Daniel Roberto Soares alerta sobre doenças emocionais e mentais engatilhadas durante isolamento social

O isolamento social no mundo por conta da pandemia do Coronavirus disparou vários gatilhos de doenças emocionais e mentais que muitos sequer tinham consciência de sua existência. Há exatamente um ano o Brasil aderiu à quarentena, intervalada com algumas épocas de flexibilidade em algumas cidades. A nova cepa da Covid-19 encontrada no Brasil este ano, em Manaus-AM, despertou mais insegurança nas pessoas. Dados do Conselho Federal de Farmácia dizem que a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentaram 17% em 2020. A ansiedade generalizada compromete o tratamento de quem precisa se manter longe de substâncias químicas, por exemplo. Para aplacar a falta de habilidade de lidar com sentimentos tão complexos, muitos adictos voltaram ao vício durante a pandemia. O psicólogo Daniel Roberto Soares conversou com o CORREIO DE SERGIPE  sobre esse novo contexto que a história mundial enfrenta e os impactos na nossa saúde mental. Confira:

CORREIO DE SERGIPE: Você é psicólogo clínico e coordenador do Centro de Tratamento para Dependentes Químicos, não é isso?

DANIEL SOARES: Sim. Sou Psicólogo Clínico e Diretor do Núcleo de Psicologia do Programa de Apoio Familiar e Ambulatório do Centro Terapêutico Recomeçar Sergipe, especializado no tratamento de dependência química e transtorno mental. Também sou consultor empresarial com ênfase em gestão de pessoas e mediação de conflitos e palestrante sobre Desenvolvimento Humano e Crescimento Pessoal com foco em Gestão Emocional.

CS: Esta é a primeira vez que enfrentamos uma pandemia com grande poder geográfico de contágio. No centro de recuperação você notou uma alta na procura pelo serviço?

DS: Sem dúvida! Houve um aumento no nível de ansiedade, estresse, medo, insegurança, e com isso um terreno fértil para a obsessividade e compulsão. Quem já sofria com isso se agravou e muitos que não percebiam acabaram por demonstrar esses comportamentos. Mas por outro lado, é um momento onde muitas pessoas enxergam a necessidade do cuidado emocional e como pode ser danoso não cuidar do nosso sofrimento psicológico que nos levam a comportamentos autodestrutivos, como por exemplo o consumo de drogas.

CS: Esta é uma época de incerteza, que dispara muitos gatilhos nas pessoas. Que conselho você daria a um paciente em recuperação para não recair nestes hábitos autodestrutivos?

DS: Viver é lidar com incertezas. A mudança é intrínseca ao viver, ao finito, ao imperfeito. Na nossa condição humana, precisamos aceitar este fato. Abrir mão do que de fato nunca controlamos talvez seja um caminho para aumentarmos o equilíbrio emocional. Ter uma boa rede de apoio ajuda muito. Lembrando que é responsabilidade de cada um de nós construir e cultivar as relações interpessoais (amigos, família). Construa também seus recursos internos. A palavra de ordem é autoconhecimento. Eu só consigo me cuidar se tenho clareza dos meus pontos fortes e dos aspectos que tenho mais dificuldade.

CS: E para os seus pacientes não adictos, qual orientação neste momento?

DS: Proatividade. O segredo para progredir é começar. Esperar o tempo ideal para agir pode custar caro. Não porque algo catastrófico vá acontecer, mas simplesmente pelo fato de que a mudança está na ação e não no desejo que ela aconteça. Se disponha a começar. Aos poucos vai ajustando a rota e melhorando os processos.

 

CS: Semana passada o Conselho Federal de Farmácia disse que as vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentaram 17% no Brasil. Que outras ferramentas você indica para  o autocuidado além do uso de remédios?

DS: Dados bastante sérios. Não podemos negligenciar. Cuidar de si mesmo é fundamental e devemos fazê-lo em todos os aspectos. Todo mundo concorda, mas será que praticamos isso de fato? Se definirmos autocuidado como sendo as ações de uma pessoa voltadas para melhorar sua saúde física, mental e emocional, como avaliaria o seu nível de autocuidado? Faça uma análise criteriosa, elenque suas prioridades. Algumas sugestões: no lado físico, além dos medicamentos, fazer exercícios regulares, tomar água e dançar a música favorita. Para cuidar do mental, assista um filme, leia um livro, escreva, desenhe, faça oficinas de teatro, argila ou dança. Atividades que relaxem. Mas cuide com muito carinho do seu emocional. Somos o que sentimos e precisamos gerenciar nossas emoções. Neste aspecto, a psicoterapia é uma ferramenta interessantíssima, que pode ajudar muito no desenvolvimento  da inteligência emocional, a lidar melhor com os medos e aumentar a autoconfiança.

CS: Estamos mais tristes e ansiosos, e por isso aderimos tão facilmente aos remédios? Queremos uma saída fácil?

DS: Diante da mudança, qual é o nosso maior inimigo? Sim, nós mesmos! Fazemos isso tentando não sair da nossa zona de conforto. É mais cômodo tentarmos um atalho, uma fórmula mágica, uma receita pronta. Porém, crescimento e desconforto andam juntos. Aprenda a lidar com isso. Ponto! O desconforto faz parte do crescimento. Assim como o músculo, o psicológico também precisa de certo incômodo. O estresse, o medo, a angústia e sentimentos de decepção, afloram principalmente quando as coisas não dão certo, mas pode ser o combustível a ser usado como fonte de crescimento. Se disponha a sentir dor e, principalmente, aprenda com ela. O resultado pode ser extremamente benéfico e o equilíbrio emocional agradece.

CS: Você também acompanha o processo das famílias. Durante a pandemia, como está a saúde mental dos familiares de seus pacientes?

DS: Quando falamos em dependência química, por exemplo, vemos claramente que a questão afeta todas as pessoas próximas, portanto, quando pensamos em recuperação, não podemos tratar só um indivíduo. O alto nível de dependência emocional (codependência) entre os diversos membros da família chama a atenção negativamente. Por isso a importância de um olhar visando a construção da autonomia. Dentre os diversos aspectos a serem trabalhados para a promoção da saúde mental dentro da família, os sentimentos que mais precisam ser trabalhados, de acordo com a minha vivência no consultório são: a culpa, a raiva, o medo e a vergonha.

CS:  Com o início do isolamento social, há um ano, vários grupos de Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos foram criados na plataforma Zoom, na internet. Você vê isso como um auxílio contra recaídas?

DS: Reinventar-se de forma criativa foi e está sendo muito necessário. Encontros em conferências virtuais, lives e grupos de WhatsApp. Estes são apenas alguns exemplos muito bem sucedidos no intuito de encurtar as distâncias e mostrar que você não está só. Juntos somos mais fortes. Dividir nossas experiências para multiplicar apoio. Ainda que longe fisicamente, podemos estar perto emocionalmente.

CS:  Em sua live no Instagram você tocou num assunto interessante: a falta de uma disciplina de Inteligência Emocional nas escolas e faculdades. Estaríamos mais fortalecidos contra a Covid-19 se trabalhássemos as emoções desde a escola?

DS: Sem dúvida! E isso vale para a aceitação de todos os processos de mudança, de ruptura, de ressignificação. Nos preocupamos muito com a escolarização e negligenciamos a educação como um todo. Muitas das vezes não por falta de interesse, mas por falta de saber como fazer. Se não tive uma educação baseada nos conceitos de inclusão sócio emocional, como passar isso para os meus filhos? Um grande desafio, mas acredito muito que é possível, desde que estejamos dispostos a investir no conhecimento e na valorização dos aspectos psicológicos, inclusive na mobilização, por exemplo, da inclusão de cadeiras voltadas ao desenvolvimento emocional nas grades curriculares escolares.

CS:  Por falar em suas lives, como os temas são escolhidos? O público escolhe ou você sente o que está em alta no momento?

DS: Através de enquetes ou mensagens enviadas para o Centro Terapêutico @ctrecomecarsergipe ou minha página pessoal @danielrobertosoares. Estimulamos a participação, o envio de perguntas e sugestões de temas por parte dos pacientes e demais seguidores nas redes sociais. Claro que ficamos atentos aos aspectos mais questionados e em alta no momento, como foi com a escolha do tema ‘Abuso Psicológico’, amplamente discutido nas redes sociais no mês passado. As lives acontecem todas às quartas-feiras, 12:15.

CS:  O que mais te surpreendeu até agora desde o início da pandemia? Algum caso que te chamou atenção em especial?

DS: O quanto é preciso desenvolvermos a empatia. E por sua vez, como pode ser positivo caminhar nesta direção. Vimos muitas histórias de superação, de resiliência, de adaptação.

CS:  Quais os sinais que devemos ficar atentos por estarmos em quarentena por tanto tempo?

DS: Os pensamentos negativos devem ser policiados. O pensamento pode até aparecer, mas não dar corda e não deixar com que ele se transforme em um grande sofrimento emocional é de responsabilidade minha. Não podemos confundir isolamento social com abandono, com rejeição, falta de interesse. Fique atento se houver um aumento significativo no nível de ansiedade, stress ou angústia. Se necessário, busque ajuda profissional.

CS:  Quais as consequências dessa experiência para a nossa subjetividade?

DS: Vulnerabilidade emocional, baixa autoestima, insegurança, medos exagerados, paranoias. Por isso a necessidade de cuidarmos do nosso psicológico. Autoconhecimento gera crescimento pessoal e equilíbrio emocional.

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