As práticas sustentáveis de extração da mangaba e a criação de uma reserva extrativista no bairro 17 de Março, na zona de expansão de Aracaju, demonstram que é possível conciliar a preservação da natureza com o desenvolvimento econômico e a inclusão social. Esse tema é tratado em uma pesquisa realizada no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD), da Universidade Tiradentes (Unit). O trabalho do advogado e pesquisador Adson Müller de Andrade Moura foi realizado a partir de uma análise da ação civil pública movida em 2020 pelo Ministério Público Federal (MPF), que resultou na criação e demarcação da reserva, dois anos depois.
A área de mais de 94 mil metros quadrados é o último ponto de reserva extrativista em meio urbano no Brasil e conta com o trabalho de cerca de 40 famílias de catadoras de mangaba que vivem na área e se sustentam através da coleta do fruto, utilizado principalmente em doces, bolos, polpas e outros produtos. De acordo com Adson, ela se estendia por outras áreas da Zona de Expansão de Aracaju e chegava a produzir e gerir mais de 5 toneladas de mangaba todos os anos, mas sofreu uma diminuição por causa de situações envolvendo a degradação ambiental e a especulação imobiliária.
“Eu escolhi estudar esse tema porque queria trazer como a luta de uma comunidade que está à margem da sociedade, quase esquecida e deixada de lado, é importante para a discussão acadêmica, tendo em vista que mais de 87% de toda a produção de mangaba do mundo é feita no nordeste brasileiro e mais de 73% desse quantitativo vem de Sergipe”, destaca Adson, destacando que a dissertação buscou “compreender como práticas tradicionais podem contribuir para a conservação ambiental, empoderamento feminino e construção de um futuro mais justo e equitativo”.
A ação do MPF, que tramita atualmente no Tribunal Regional Federal (TRF-5), em Recife (PE), foi movida após a denúncia do corte de cerca de 50 árvores da região das Mangabeiras, em uma área na qual a Prefeitura de Aracaju construiu um conjunto habitacional. “Quando começaram a fazer as obras sem anuência do pessoal da comunidade, o Ministério Público interveio, paralisou durante um tempo, e acarretou que a reserva acabou sendo criada, trazendo tudo o que precisava trazer para ser considerado uma reserva extrativista condizente à ideia de etnodesenvolvimento. Isso exige que a reserva seja um local cercado, com segurança, com monitoramento e que traga lucro, mas seja explorado de maneira sustentável e consciente”, relembra o advogado.
Adson se refere ao conceito de etnodesenvolvimento, segundo o qual os recursos naturais podem ser explorados de maneira consciente e sustentável, sem destruir ou interferir no meio ambiente. “As pessoas pensam que desenvolvimento sustentável parte do pressuposto de pegar e tentar extrair ao máximo das plantações da natureza para que ela própria vá se autogerir. No conceito de etnodesenvolvimento, eu consigo fazer o uso extensivo e lucrativo, mas de forma consciente, preservando as árvores e sem degradar o meio ambiente. Na reserva das catadoras, elas fazem o uso para venda, mas elas tratam das mangabeiras. É uma situação de simbiose, em que os dois lados saem ganhando. Por isso que a reserva das catadoras de mangaba se enquadra nesse conceito”, explica o autor, referindo-se à teoria desenvolvida pelo antropólogo mexicano Guillermo Bonfil Batalla (1935-1991), um dos principais estudiosos sobre comunidades tradicionais e povos originários na América Latina.
A dissertação, intitulada “Etnodesenvolvimento e sustentabilidade na gestão de comunidades locais: o caso das catadoras de mangaba em Sergipe”, teve a orientação do professor-doutor Dimas Pereira Duarte Junior, do PPGD/Unit, e deve ser publicada em breve.
Fonte: Asscom Unit