ARACAJU/SE, 19 de dezembro de 2024 , 14:55:19

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Seu filho não gosta de verduras? Pois saiba que não é birra: ele nasceu com isso, diz a ciência

 

Gosto não se discute. Paladar é questão de DNA. Para desalento de pais que tentam, sem sucesso, que os filhos comam vegetais, a genética mostra que nem sempre isso é possível, ao menos não com todos os legumes e verduras. Gostar ou não de brócolis, couve e outros vegetais de sabor amargo tem a ver com as variações genéticas de cada pessoa. E as mesmas variações também podem fazer com que alguns indivíduos torçam o nariz para chocolate amargo, café e cerveja.

Depende do “pacote” herdado. O agrião, por exemplo, pode ser delicioso para uns e detestável para outros. E a preferência acompanhará a pessoa por toda a vida.

A ciência começa a desvendar a complexa composição da salada genética do paladar. Mas, se não dá para mudar a preferência natural, pode-se pensar em transformar o sabor do vegetal.

Estudos prometem tornar mais apetitosos alimentos saudáveis, que para muita gente são intragáveis. E isso pode ser possível tanto com seleção de mutantes naturais quanto por meio de edição genética ou transgenia.

No caso de brócolis, agrião e uma série de outros vegetais crucíferos de folhas verde-escuro, o amargor tem a ver com a presença de compostos chamados glucosinolatos. A percepção deles como amarguinho gostoso ou impossível de engolir está relacionada a um gene conhecido pela sigla nada atraente de TAS2R38.

Esse gene, por sua vez, tem muitas variantes que modulam a percepção do sabor amargo, que pode ser agradável para uns e horrível para outros.

O TAS2R38 é o que se chama de receptor de amargor. Ele detecta compostos como PTC (feniltiocarbamida) e PROP (6-n-propiltiouracil), explica um dos pioneiros no estudo da genética do sabor, o geneticista americano Paul Breslin, da Universidade Rutgers e do Monell Chemical Senses Center.

Os vegetais, porém, não produzam diretamente esses compostos. Mas os glucosinolatos são quimicamente muito semelhantes ao PTC e ao PROP e acabam sendo captados da mesma forma.

Uma história de amor e ódio

A história de amor e ódio por certos alimentos começa com as papilas gustativas. Elas estão na boca e na garganta e são a porta de entrada para os sabores: doce, salgado, azedo, amargo e umami.

As papilas, por sua vez, possuem células especiais capazes de detectar nuances sutis de sabor. E nelas são ativados genes receptores de sabor. O doce e o umami, por exemplo, são captados por três genes da família TAS1R.

A coisa começa a complicar quando se chega ao amargo. Existem dezenas de genes agrupados numa família chamada TAS2R, sigla que basicamente quer dizer receptor de sabor do tipo 2. O TAS2R38 faz parte dessa família e é um dos mais conhecidos. Ele ganhou o apelido de gene do paladar, alcunha enganosa, posto que está longe de ser o único.

Existem variantes “sensíveis” ao sabor amargo. Quem as herda pode apenas não gostar muito, se tiver herdado uma cópia da variante; ou não tolerar de forma alguma, caso tenha as duas cópias.

Inimigos do chocolate e da cerveja

As pessoas com duas cópias são chamadas de “superprovadoras” e podem achar certos vegetais verdes intensamente amargos, enquanto aquelas com uma ou duas cópias de outras variantes, ou uma forma “não sensível”, podem perceber um sabor mais suave. São os superprovadores que não gostam de chocolate amargo, café e cerveja.

Na outra ponta estão as pessoas com duas cópias recessivas do gene. São as “insensíveis”. Para elas, não há amargor que não possa ser tolerado. A maioria das nuances de amargo lhe cai muito bem.

À revista The Scientist, Breslin disse que impressiona a diferença de percepção do sabor do brócolis, da couve ou do agrião entre pessoas com duas cópias da forma sensível do TAS2R38 com aquelas com duas cópias da forma insensível.

Os superprovadores para o gene TAS2R38 são seletivos ao tipo de amargor. Demonstram repugnância aos alimentos que contém glucosinolatos, mas não a outros vegetais notoriamente amargos para muita gente.

Breslin e seus colegas testaram o paladar do grupo com vegetais crus ricos em glucosinolatos. No caso, couve-de-Bruxelas, couve comum e brócolis. Também deram a eles vegetais que não produzem glucosinolatos, mas são amargos. Foram escolhidos para representar essa categoria uma variedade amarga de melão, espinafre e endívia.

Para os superprovadores, os alimentos ricos em glucosinolatos eram significativamente mais amargos. Já para o grupo “insensível” não havia diferença e todos eram apreciados ou indiferentes. “Um único gene, ou as cópias e formas desse gene que se tem no genoma, influenciam a percepção do sabor dos vegetais”, destacou ele.

Há bastante tempo a indústria alimentícia já percebeu que glucosinolatos incomodam muita gente. As variedades atuais da notoriamente amarga couve-de-Bruxelas, por exemplo, são bem mais suaves do que há três décadas.

O que é que a chicória tem

Breslin, que tem as duas cópias “insensíveis” do gene, adora sentir um amargor intenso nos alimentos. Ele se diz fascinado pela forma com o ser humano adquiriu tamanha diversidade.

Os vegetais com glucosinolatos não são os únicos a deixar um gosto amargo na boca. Existe, por exemplo, uma outra classe de compostos amargos conhecidos como lactonas sesquiterpênicas. Este tipo de amargor é captado por outro gene aparentado, o TAS2R46.

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Um exemplo de verdura com esse tipo de amargo é a chicória. Pertencem à mesma família a escarola, o almeirão, o cardo, a camomila, o dente-de-leão e a alcachofra.

No entanto, a chicória desperta interesse especial porque sua raiz, bem crocante, contém uma alta concentração de inulina. Esta é uma fibra prebiótica que atrai a indústria de alimentos porque é benéfica para a saúde intestinal.

Uma pesquisa liderada pela Universidade de Navarra (Espanha) e publicada na revista científica Nutrients este ano comprovou os benefícios da inulina para o metabolismo e mostrou como atua sobre a flora intestinal.

O problema é que junto com a inulina vem um intenso sabor amargo, que é extremamente desagradável para algumas pessoas. Para tornar a inulina tolerável a todos os paladares, a indústria a submete a intenso processamento químico. O objetivo de pesquisadores é desenvolver cultivares de chicória naturalmente menos amargos, o que eliminaria a maior parte do processamento.

Um estudo com 41.839 pessoas na Coréia do Sul e publicado em setembro no periódico científico Appetite sugeriu que, de forma geral, pessoas que toleram o amargor costumam ter uma dieta de melhor qualidade porque consomem uma quantidade maior de vegetais amargos e ricos em nutrientes importantes.

Entre venenos e curas

Estão nesse grupo amargo flavonoides, fenóis, isoflavonas, glucosinolatos e isotiocianatos. São substâncias de nomes difíceis de engolir e propriedades fundamentais, como ação antioxidante, antimicrobiana e anti-inflamatória. Esses compostos estão associados à prevenção de câncer, diabetes e doenças cardiovasculares, além de fortalecerem a saúde hormonal, imunológica e metabólica.

Os gustativamente polêmicos glucosinolatos, por exemplo, fortalecem o sistema imunológico e combatem a inflamação crônica.

No entanto, não gostar de amargo é também uma adaptação evolutiva. O sabor amargo é dos mecanismos de sobrevivência dos organismos vivos. Muitas substâncias tóxicas frequentemente são amargas, o que as faz serem rejeitadas.

A genética dos sabores, afirmam Breslin e outros cientistas, é mais complexa e rica do que se imagina e pode levar a descobertas que melhorem a qualidade de vida.

Fonte: O Globo

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