A Americanas (AMER) elaborou a primeira versão do seu plano de recuperação judicial , com o aporte de R$ 10 bilhões do trio de acionistas de referência, e um complexo conjunto de condições que ainda precisam passar pelo crivo dos credores, especialmente os bancos, para conseguir avançar.
A varejista formulou três propostas a fornecedores e quatro opções aos credores financeiros. Para bancos em geral, debenturistas e donos de títulos o deságio médio atinge 45%, e na opção em que estão os grandes bancos privados, o “haircut” é de 35%. A depender da escolha do credor, seja indústria ou banco, ele pode receber o valor em aberto logo após a homologação ou em até 20 anos.
No total, são R$ 42,48 bilhões em dívidas e 9.654 credores em quatro classes. A maior parte da dívida está na classe daqueles sem garantia real, como os bancos, com 8.134 nomes e débitos de R$ 42,3 bilhões.
Após a apresentação do plano são 90 dias até a assembleia geral de credores para a votação. Nesse período, devem ocorrer ajustes na primeira versão, como é comum nesses processos — a própria empresa acredita em alterações nas condições propostas.
Em fato relevante divulgado na noite desta segunda-feira (20), a Americanas detalhou o plano e informou tê-lo apresentado à Justiça.
Pelo plano, a Americanas trouxe para a mesa a proposta de capitalização de R$ 10 bilhões pelo trio de sócios de referência — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira — e mais R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões de injeção dos recursos da venda de ativos, num total de ate R$ 13 bilhões. Segundo a proposta, esses negócios que serão apresentados para a venda são a Hortifruti Natural da Terra, a rede de franquias Uni.co (dona das marcas Puket, Imaginarium, entre outras), e um jatinho da empresa. Lojas não serão vendidas, pela versão inicial do plano, e centros de distribuição devem ter uma redução no número total.
Para bancos e detentores de títulos, que são os credores sem garantia real, estão sendo apresentadas quatro possibilidades: leilão reverso da dívida; conversão dos débitos em aberto em ações (com participação no pagamento de recursos de venda de ativos); uma operação para dívida subordinada; e a opção “default”, cujo deságio é o mais alto, de 80%.
“Temos [um modelo] relativamente complexo, para uma recuperação judicial também complexa. Nós avançamos nas conversas com bancos e, o que pode ocorrer são algumas mudanças no conteúdo, mas não na mecânica, não no formato proposto. Isso deve permanecer”, disse ontem o presidente da Americanas, Leonardo Coelho.
A primeira opção envolve o leilão reverso voluntário, em que a empresa deve destinar, dos R$ 10 bilhões do aporte dos acionistas, até R$ 2,5 bilhões aos credores que aceitarem um desconto mínimo de 70% no valor da dívida. A partir daí, como se trata de leilão, quem pedir menos, consegue obter essa condição, até esse limite de valor.
Já na segunda opção aos credores, é proposta uma conversão de dívida dos bancos em ações da varejista nesse mesmo valor do aporte do trio, ou seja, de R$ 10 bilhões. Para que isso aconteça, para cada R$ 1 de dívida convertida, o banco terá R$ 0.625 da dívida recomprada com desconto de 60% para pagamento à vista.
Coelho diz que os bancos que aceitarem essa primeira condição ganham o direito de converter novas dívidas numa proporção diferente: para cada R$ 1 de dívida antiga, o credor terá R$ 0,5875 permutado em uma nova dívida. Nesse caso, com amortização do principal em cinco anos e com carência de dois anos de pagamento de juros. Esse juro será equivalente a 128% do CDI.
Além disso, quem escolher a segunda opção fará parte do grupo de credores beneficiado pelo montante arrecadado com a venda de ativos da rede varejista.
Isso porque, após a venda dos negócios, a Americanas usará os primeiros R$ 2 bilhões (obtidos na negociação) na compra da dívida em aberto com esses credores. O restante do valor da venda dos negócios irá para o caixa da empresa.
Mas haverá uma contrapartida dos bancos nesse caso. “Para cada R$ 1 de dívida reduzida nessa opção que envolve o dinheiro do M&A, o credor tem que me abrir R$ 2,50 de limite de crédito para usar como fiança bancária e seguros, e outras linhas desse tipo que precisamos para a operação, porque eu preciso de ‘bancabilidade’ no final do dia”, disse o o CEO.
O executivo diz que a discussão hoje com os bancos passa por eventuais ajustes nas condições de conversão, e sinaliza que as condições centrais do modelo não têm total apoio das instituições. “Não vou dizer que a espinha dorsal está aceita agora, mas não está sendo discutida [por nós]. O que estamos discutindo é o tamanho das opções que demos. O credor pode querer uma regra de conversão que não seja 0,625, mas que seja 0,7, por exemplo, isso é aberto à negociação”, afirma o CEO.
Ele também diz que esse aporte da empresa, de R$ 10 bilhões, e esse valor da conversão de dívida em ações podem sofrer ajustes — a expectativa do mercado é que o aporte supere essa cifra. Há informações no mercado de que essa soma poderia ir a R$ 12 bilhões, como o Valor já noticiou.
Uma terceira opção aos credores financeiros envolve as dívidas subordinadas — neste caso, podem entrar credores das “assets”. Para estes, os créditos em aberto podem ter o pagamento do valor do principal em 20 anos, com juros equivalentes ao IPCA do período.
Por último, uma quarta opção envolve todos os credores que não escolheram as três possibilidades anteriores. Nessa situação há um deságio de 80%, com conversão de R$ 1 da dívida em R$ 0,20 de um novo título, e com amortização do principal também em 20 anos.
Para credores fornecedores, há três opções: fornecedor prioritário, com dívida até R$ 12 mil; aqueles com dívidas superiores, mas que aceitem R$ 12 mil em troca da quitação integral de seus créditos; e o credor colaborador, que precisa manter as condições comerciais negociadas com a Americanas em 2022. Este último será pago em parcela única em até 360 dias da homologação do plano ou após a capitalização do trio — o que ocorrer primeiro.
Os credores trabalhistas e pequenas empresas (classes I e IV) devem ser os primeiros a receber, com pagamento integral logo após a homologação do plano. Seus créditos somam R$ 240 milhões.
Fonte: Valor