ARACAJU/SE, 4 de maio de 2024 , 0:55:07

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Governo Lula planeja nova política de mineração no país

 

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda mudar o arcabouço legal da mineração para forçar empresas do setor a explorarem, de fato, suas unidades produtivas. O diagnóstico é que há milhares de minas paradas pelo país e que a medida em estudo poderia movimentar um volume de recursos na economia nacional comparável aos investimentos anuais da Petrobras.

O assunto é de grande interesse de Lula, que acusa o setor de não explorar as minas e de apenas se aproveitar da venda de direitos sobre as unidades.

De acordo com números levantados pelo governo e obtidos pela Folha, 25% das mais de 14 mil concessões de lavra concedidas às empresas estão paralisadas, pela falta de início da exploração ou por suspensão das atividades.

A movimentação do governo pelas novas regras tem como um dos alvos principais a brasileira Vale, mas empresas como a australiana BHP Billiton e a anglo-australiana Rio Tinto também são citadas nas conversas, de acordo com relatos ouvidos pela Folha.

“O que nós queremos é que a Vale tenha mais responsabilidade. Há uma quantidade de minas na mão da Vale que ela não explora há mais de 30 anos e fica funcionando como se fosse dona e vendendo. A Vale ultimamente está vendendo mais ativo do que produzindo minério de ferro”, afirmou Lula há menos de dois meses ao jornalista Kennedy Alencar, sem dar detalhes.

O estudo sobre a situação da exploração mineral no país é feito pelo governo Lula desde o ano passado. As análises envolvem os ministérios comandados por Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) e apontam que grande parte das minas entra em cenário de paralisia antes mesmo do começo da exploração.

Segundo o levantamento do governo, as unidades com início de atividade adiado estão nessa situação pelo tempo médio de dez anos; as que estão com atividades suspensas, pelo tempo médio de 12 anos.

Para mudar a situação, o governo avalia endurecer as regras, o que pode envolver mudanças na legislação. Mas também estuda uma saída que não precise de alterações legais, já que há uma visão de que o arcabouço de hoje contém instrumentos para a devida exploração.

Entre as primeiras alternativas analisadas, estão ajustes para uma rigidez maior nos prazos para empresas prorrogarem a fase de pesquisa (que antecede a exploração) ou para suspenderem temporariamente as atividades. Caso esses limites sejam descumpridos, há a possibilidade de partir de maneira mais firme para a extinção do direito minerário da unidade.

Outro ponto estudado é elevar a chamada taxa anual por hectare (a TAH) – valor que a empresa paga durante a primeira fase do processo, a autorização de pesquisa, até a entrega de um relatório final sobre a viabilidade da unidade. O aumento dos valores, que podem inclusive ser progressivos com o tempo, desestimularia o que é visto como uma retenção proposital e especulativa das áreas.

Na avaliação do governo, a situação de paralisia pode ainda contrariar uma série de dispositivos legais que buscam preservar a livre concorrência.

A legislação prevê infração à ordem econômica quando, por exemplo, empresas agem para impedir que novas empresas acessem o mercado, criam dificuldade ao funcionamento de concorrentes e cessem total ou parcialmente atividades sem justa causa comprovada.

Além disso, há a visão de que o cenário prejudica a arrecadação para os cofres públicos. Isso porque a Constituição assegura à União, aos estados e aos municípios uma parte dos recursos obtidos com a exploração de recursos minerais (como acontece com os royalties do petróleo).

O governo estuda a revisão do arcabouço legal ao mesmo tempo em que defende a mineração como uma parte fundamental da transição energética. Há minerais essenciais demandados em grande escala atualmente para a fabricação de componentes voltados à economia de baixo carbono, como as baterias.

O tema tem como pano de fundo também a intenção de Lula de aquecer a economia brasileira, tema que passou a tomar ainda mais a atenção do mandatário em meio à queda recente de popularidade identificada nas pesquisas de opinião pública.

Para se ter uma ideia do tamanho do mercado, em 2023 o Brasil comercializou R$ 312 bilhões em minérios — apenas considerando as 11 principais substâncias metálicas produzidas no território nacional (como ferro, ouro, cobre, níquel e alumínio).

Também permeia a discussão o papel da Vale, que Lula quer ver mais ativa na atividade nacional. Recentemente, ele atuou para emplacar Guido Mantega, seu ex-ministro da Fazenda, como CEO da companhia – mas não obteve sucesso.

“A Vale tem que saber o seguinte: não é o Brasil que é da Vale. É a Vale que é do Brasil”, afirmou Lula. “O que nós queremos é ter uma nova política mineral, que esse país dê força a todas as empresas que querem cuidar dos chamados minerais críticos […]. O dado concreto é que o potencial do Brasil tem que ser explorado e a Vale não pode ter o monopólio”, disse o presidente.

Procurada, a Vale afirma que detém menos de 1% do número total de direitos minerários do Brasil e que o portfólio dessa carteira no país foi reduzido desde 2005 em 80% após desinvestimentos, cessões de direito e desistência de áreas.

Segundo a empresa, as concessões de lavra em situação de início prorrogado ou com lavra suspensa são impactadas por fatores externos que impedem a produção.

“A Vale é a empresa que mais investe de forma contínua em pesquisa mineral no país”, afirma a companhia. “Como resultado destes investimentos, a Vale possui ativos minerais de excelente qualidade que fazem da empresa a maior produtora mineral do país, arrecadando maior volume de CFEM (contribuição paga aos cofres públicos pela exploração mineral) do que todos os outros players de mineração somados”, diz a mineradora brasileira.

Já a BHP Brasil informou que seus direitos minerários “se encontram ainda em fase de pesquisa e que vem cumprindo rigorosamente com os estudos e pesquisas previstos na legislação nacional”. A Rio Tinto foi procurada, mas não se posicionou.

Entenda

O que diz a lei: o setor é regido principalmente pelo Código de Mineração (decreto-lei 277/1967) e um decreto que o regulamentou em 2018 (9.406). O arcabouço diz que, antes de explorar uma mina, o interessado precisa entrar com o pedido para a chamada pesquisa mineral.

Autorização de pesquisa: trata-se de uma autorização com validade de um a três anos anos dada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) à empresa. O prazo pode ser prorrogado por igual período. A empresa precisa começar a pesquisar em 60 dias (não podendo interromper os trabalhos sem justificativa por mais de três meses consecutivos).

Relatório: os estudos feitos na fase de pesquisa devem concluir pela viabilidade ou não da lavra e caberá à ANM avalizar o relatório da empresa. Aprovado o relatório que aponte viabilidade, o interessado tem um ano para pedir à ANM ou ao Ministério de Minas e Energia a concessão de lavra, prazo que pode ser prorrogado por um ano.

Concessão de lavra: quando publicado o decreto de concessão, os trabalhos para a exploração precisam começar em no máximo seis meses – e, uma vez iniciados, não podem ser interrompidos por mais de seis meses consecutivos. A empresa precisa demonstrar à ANM, a cada seis meses, que o processo ambiental está em curso e que tem adotado medidas para obtenção da licença.

Suspensão: é possível a empresa pedir suspensão temporária da lavra a partir de uma solicitação embasada, sendo necessária inspeção da ANM, que deve fazer um parecer a ser submetido à decisão do Ministério de Minas e Energia.

Penalidades: a empresa pode sofrer diferentes tipos de penalidade caso descumpra obrigações, mas a lei prevê expressamente a caducidade da autorização de pesquisa ou mesmo da concessão se for caracterizado o abandono da jazida ou da mina, ou se verificado o não cumprimento de prazos de pesquisa ou lavra mesmo após advertência ou multa.

Fonte: Folha de S.Paulo

Foto: Ricardo Teles/Divulgação/Vale

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