A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é inaugurada por um preâmbulo que, longe de ser mero ornamento literário, proclama valores que inspiram o entendimento de todo arcabouço constitucional. Ao enunciar a instituição de um Estado Democrático destinado a assegurar a liberdade, a igualdade, a segurança, o desenvolvimento e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, o constituinte brasileiro revelou sua intenção de construir uma ordem política comprometida não apenas com a proteção de direitos individuais, mas também com a promoção da fraternidade e com a solução pacífica das controvérsias. Esses ideais nasceram em reação a um passado de autoritarismo, intolerância e violência política, funcionando como bússola ética para orientar o Brasil na esperada transição democrática. A fraternidade, embora não esteja expressamente positivada como direito fundamental, insere-se no núcleo do projeto constitucional por meio da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana e dos objetivos fundamentais da República, entre os quais se destaca a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). Mais que um sentimento, a fraternidade é um princípio normativo que exige políticas de inclusão, mas sobretudo o respeito à diversidade e o reconhecimento da alteridade como condição de convivência democrática. O compromisso com a solução pacífica das controvérsias traduz uma opção civilizatória: no plano interno, significa que os dissensos devem ser resolvidos pelas vias institucionais, seja pela atuação imparcial do Poder Judiciário, seja pela difusão de meios alternativos de composição, como a conciliação e a mediação; no plano internacional, por sua vez, conecta-se ao art. 4º, da Constituição, que afirma a defesa da paz como um dos princípios das relações exteriores do Brasil. Neste particular, é necessário lembrar que mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal proclamado, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2076, que o preâmbulo da Constituição não veicula normas jurídicas dotadas de força vinculante, não deixou de reconhecer, de modo expresso, o seu valor interpretativo, como vetor hermenêutico que auxilia na compreensão de toda a Constituição. Essa posição revela que fraternidade e pacificação, ainda que não funcionem como parâmetros autônomos de controle de constitucionalidade, devem iluminar a atuação das instituições, especialmente em momentos de crise. A interpretação constitucional, portanto, não pode ignorar os valores que presidem a nossa Carta Maior, sob pena de reduzir o texto a uma formalidade destituída de sentido histórico. O Brasil experimenta, hoje, um cenário que contrasta com o ideal proclamado em 1988. O país atravessa um momento delicado e, por vezes, triste, em que faltam demonstrações efetivas de fraternidade e pacificidade, sobretudo no relacionamento entre os Poderes da República. O espaço público, em vez de se orientar pelo diálogo e pela cooperação, tem sido frequentemente ocupado por discursos de intolerância e por práticas de hostilidade institucional. A judicialização da política, a retórica agressiva de atores públicos e a polarização social acabam por transformar o dissenso — que deveria ser instrumento de construção democrática — em combustível para o enfraquecimento da confiança mútua e da própria estabilidade institucional. Não se pretende buscar edificar uma sociedade sem divergências, até porque isso seria negar a própria essência do pluralismo político, um dos fundamentos do nosso Estado de Direito, mas de resgatar a capacidade de administrar o conflito dentro das regras da democracia e com absoluto respeito recíproco. Precisamos amadurecer enquanto coletividade rumo à construção de uma cultura que valorize a fraternidade e a pacificação como práticas efetivas, e não apenas como palavras inscritas em um preâmbulo constitucional. Esse distanciamento entre o ideal e a atual realidade brasileira vem diariamente desafiando a maturidade do constitucionalismo brasileiro, vulnerando as instituições e contaminando, ao fim e ao cabo, a sociedade como um todo. Fraternidade e pacificação não são enfeites retóricos, mas condições indispensáveis para a preservação do Estado Democrático de Direito. Em tempos de polarização, resgatar o espírito do preâmbulo significa reafirmar que a democracia se sustenta mais pela capacidade de mediar diferenças do que pela imposição de vontades. A Constituição de 1988, ao inscrever, na linha de largada, a fraternidade e a solução pacífica das controvérsias, legou-nos não apenas uma promessa, mas uma exigência: a de que as instituições e os cidadãos reconheçam, no outro, não um inimigo, mas um parceiro no esforço comum de construção de uma sociedade mais justa, solidária e democrática.