ARACAJU/SE, 22 de maio de 2025 , 3:11:13

A primeira audiência pública do Supremo Tribunal Federal

Há 18 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) abria uma nova e importante página em sua história. Pela primeira vez desde sua criação, em 1891, a mais alta Corte do país convocava uma audiência pública para ouvir especialistas antes de julgar um caso de grande impacto social. O tema em questão era delicado e carregado de implicações éticas, religiosas, científicas e jurídicas: a constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias, permitida pela Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). Sem muito esforço, constatava-se que a controvérsia submetida ao crivo do STF suscitava numerosos questionamentos e múltiplos entendimentos a respeito da tutela constitucional do direito à vida. A audiência pública, convocada pelo então relator da ação, o sergipano e mestre de muitos de nós, Ministro (e sempre Professor) Carlos Ayres Britto, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510, marcou uma inequívoca virada institucional. Pela primeira vez, o STF reconheceu formalmente que, diante de temas complexos, seria preciso ir além dos autos do processo e ouvir democraticamente as razões a serem apresentadas pela sociedade civil organizada. Estreava, assim, um novo canal de diálogo entre Justiça e cidadania. Fortemente inspirada na concepção dos “amigos da corte” (amici curiae), já de muito aceitos pelo Tribunal, a primeira audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal se revelou um espaço de escuta estruturado, com tempo definido, critérios técnicos para a seleção dos participantes e uma lógica voltada ao esclarecimento dos julgadores, e não ao embate entre partes. Foram convocados médicos, cientistas, religiosos, representantes de ONGs e instituições públicas. Essa abertura do STF ao debate público foi considerada, à época, uma inovação democrática. Em vez de se encastelar na linguagem hermética do direito, o Supremo passou a reconhecer que a legitimidade de suas decisões pode – e deve – dialogar com a pluralidade de visões existentes na sociedade. O Direito, afinal, sabemos todos, não é um universo isolado: é parte da vida social. O gesto do STF teve consequências duradouras. A audiência pública de 2007 inaugurou um novo instrumento processual e comunicacional. Desde então, o Supremo já realizou dezenas de audiências em temas como aborto de anencéfalos, união homoafetiva, cotas raciais em universidades, marco civil da internet, descriminalização de drogas e mudanças climáticas. Elas não apenas ajudam a Corte a formar convicções mais embasadas, como também cumprem função pedagógica e de transparência, permitindo que a população acompanhe, compreenda e participe, mesmo que indiretamente, das decisões judiciais que moldam a vida coletiva. Além disso, a adoção da audiência pública tornou-se referência para outros tribunais e instituições públicas. Cortes estaduais, Tribunais Superiores e até o Congresso Nacional passaram a usar mais amplamente esse mecanismo como forma de qualificar o debate em torno de decisões importantes. A audiência pública de 2007 também teve efeitos concretos sobre o caso em questão. Após os debates, fortemente lastreados nos elementos levados à Corte pela sociedade, o STF decidiu, em 2008, por maioria de votos, que a pesquisa com células-tronco embrionárias não violava a Constituição. A decisão garantiu o avanço de pesquisas científicas no Brasil em áreas como tratamento de doenças degenerativas e regeneração de tecidos, com respaldo ético e legal. Mais do que o resultado, no entanto, o processo foi o que mais chamou atenção. O Supremo mostrou que estava disposto a dialogar. E esse gesto teve eco. Para muitos, foi um símbolo de que o Judiciário brasileiro podia se abrir à escuta, à dúvida e ao diálogo racional – qualidades essenciais para qualquer democracia. Ainda que as audiências públicas não sejam vinculantes, seu impacto simbólico e argumentativo é inegável. No entanto, críticas surgem quanto ao seu formato, que pode favorecer grupos organizados e excluir vozes menos institucionalizadas. Além disso, o volume crescente de temas tratados pelo STF levanta a dúvida: seria possível manter a profundidade e a pluralidade desejadas em todas as ocasiões? Esses desafios, contudo, não diminuem a importância da iniciativa. A audiência pública no STF, inaugurada em 2007, consolidou-se como uma ponte entre o tribunal e a sociedade. Em tempos de polarização e desconfiança nas instituições, manter abertos os canais de escuta e argumentação pode ser mais do que uma escolha técnica – pode ser um compromisso com a democracia.