ARACAJU/SE, 23 de outubro de 2024 , 9:56:22

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As espórtulas na Igreja Católica

No início da década de 1980, mais precisamente, em janeiro de 1982, eu fui com o padre Raimundo Cruz e o sacristão da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, Jorge de Zé de Jonas, visitar Dom Edvaldo Gonçalves do Amaral, então Bispo de Parnaíba, no Piauí, que tinha sido nosso Bispo Auxiliar, como, aliás, declinei no meu último artigo, aqui publicado. Mas, antes disso, fomos à cidade de Pedreiras, no Maranhão, visitar o Pe. Jacinto Brito, que fora colega do Pe. Raimundo, no Seminário de Olinda.

A Paróquia de São Benedito (Santuário) pertence à Diocese de Bacabal. Na época da nossa visita, disse-nos o Pe. Jacinto Brito, hoje, Arcebispo Emérito de Teresina (PI), desde fevereiro deste ano, que as despesas paroquiais eram custeadas pelo dízimo e pelas ofertas dos fiéis, e não se cobravam espórtulas pelos serviços religiosos prestados. Uma bênção. Disse-nos que era assim em toda a Diocese, cujo Bispo, com quem almoçamos, um dia, era alemão e tinha imprimido uma consciência coletiva de responsabilidade das comunidades para com as suas Paróquias.

Em muitas Dioceses do Brasil, por vezes, o dízimo recolhido dos fiéis dizimistas e as ofertas nas missas não chegam para fazer face às despesas paroquiais. Daí a necessidade de cobrar-se espórtulas pelos serviços religiosos (batizados, crismas, casamentos, intenções nas missas). É uma pena que assim ainda seja. O ideal era que não fossem mais necessárias tais espórtulas. Todavia, repito, nem todas as Paróquias conseguem sobreviver do dízimo, que, na Igreja Católica, depende do coração e da boa vontade de cada um, e das ofertas nas coletas das missas.

Nas Dioceses, cabe aos respectivos Ordinários (Bispos) a fixação dos valores das espórtulas. Na Arquidiocese de Aracaju, a última edição do regramento das espórtulas decorre de 2017, mas, assinalando-se a dispensa das mesmas quando os fiéis não tiverem condições de arcar com tais valores. Uma providência mais do que necessária.

Há, porém, em algumas Dioceses, padres que estabelecem cobranças outras, que, de fato, envergonham a Igreja de Jesus Cristo. Afinal, o sacerdócio não é um meio de enriquecimento. Claro que o padre deve ter uma vida digna, sem apertos, mas, também, sem luxos. Especialmente, aqueles que constituem a esmagadora maioria do Clero e que se dedicam unicamente ao pastoreio. Não é o meu caso, que sou advogado aposentado da DESO e professor da UFS. Cheguei ao sacerdócio já nessa condição.

Não se deve, ao menos da minha parte, censurar nenhum padre que possa, em qualquer Diocese, fazer cobranças extras para isto ou para aquilo, fora do que estabelecem as determinações episcopais. Cada um sabe de si. E há, ainda, fiéis que têm suas preferências. O que não devemos encarar com naturalidade é o excesso. Qualquer excesso, seja lá qual for, ou onde for, na Igreja ou fora dela, na vida religiosa, na vida pública ou na vida privada, não merece guarida.

Vejamos os exemplos dos padres que se tornaram “artistas”, que vivem, por exemplo, de realizarem shows, porque têm o dom de cantar. Cobram exorbitâncias? São “artistas”. Pagam-nos quem os admira. Não vejo nada de errado. Exploram os seus dons extra-sacerdotais, por assim dizer. Ou seriam dons complementares ao sacerdócio?

A Igreja não deve compactuar é com o excesso de cobranças pessoais que podem ser consideradas como atos que beiram à simonia. Só lembrando que simonia é o ato de vender favores divinos, bênçãos, cargos eclesiásticos, prosperidade material, bens espirituais, coisas sagradas etc. em troca de dinheiro. No passado, a Igreja, infelizmente, fez isso. A venda de indulgências, por exemplo, foi uma das causas que levou Lutero a protestar, sair da Igreja e abrir a porta para o protestantismo.

A etimologia da palavra simonia provém de Simão Mago, personagem referido nos Atos dos Apóstolos (8,18-19), que procurou comprar de São Pedro o poder de transmitir pela imposição das mãos o Espírito Santo ou de efetuar milagres.

Os sacerdotes devem zelar por tudo que se refere aos misteres da sua vocação, do seu ministério. Os seus votos de castidade e de obediência, para o Clero secular ou diocesano, acrescendo o voto de pobreza para o Clero regular ou religioso, precisam ser cumpridos com zelo. Mesmo os padres seculares, que não são obrigados ao voto de pobreza, não devem servir-se de sua condição sacerdotal para a busca de, digamos, cobranças que fogem ao regramento dos valores das espórtulas devidamente fixadas.

Oxalá, um dia, na Igreja Católica, em qualquer Diocese, em qualquer Paróquia, não seja mais preciso cobrar espórtulas. Na Paróquia Santa Dulce dos Pobres, na Aruana, não se cobra pelas intenções nas Missas. As demais espórtulas, caso não se tenha condições de pagar, não se paga. E vamos vivendo, com sacrifícios, construindo o templo e as demais instalações administrativas da Paróquia. Os fiéis nos ajudam, como, também, amigos e amigas não paroquianos/as. Por isso, em todas as Missas, nós oramos pelos benfeitores da Paróquia.