O bem-te-vi canta no meio da fiação elétrica no poste que fica no fundo do edifício onde moro. Há um transformador, e, em alguma parte dele o bem-te-vi faz ninho. Eu vejo, de quando em quando, um a carregar no bico pedaço de capim seco e para lá se dirigindo. Já há algum tempo, um filhote, sem pena alguma, jazia na calçada. O canto do bem-te-vi me faz olhar para cima, focalizar o transformador, e pensar em que lugar o ninho é instalado e se não é afetado pela chuva.
O bem-te-vi referido é miúdo, diferente dos que aparecem na casa de praia, bem graúdos, digamos, peso pesado, banhados pelo marrom esverdeado das asas, o papo amarelo, chamuscado por um preto que tingi a cabeça, como se fosse uma máscara. No entanto, temem o sabiá-de-praia. Na tábua, que coloco no muro com pedaços de mamão, só bicam a fruta se o sabiá-de-praia lá não se encontra. É o sabiá-de-praia pousar e o bem-te-vi, embora fisicamente mais forte, bater asas para outra freguesia próxima. Fica por perto, esperando o sabiá-de-praia se afastar para o retorno, e, cauteloso, olha para um lado e para outro, e só então inicia suas bicadas.
O sanhaçu-verde, aqui e ali, igualmente se faz presente, para saborear as iguarias da tábua. Em relação ao sabiá-de-praia e o bem-te-vi, é bem pequeno, o verde se confundindo com o marrom, isento da perseguição do sabiá-de-praia. Só o vejo sozinho. Não sei se é solteiro ou viúvo, ou solteira ou viúva. Não aparece lavandeira nem pardal. E aí repousa o mistério. Dizem que o pardal tomou conta do ninho das lavandeiras, dando um grande baque no estoque destas. Agora o que falam é que o pardal desapareceu, como se o prazo de validade tivesse atingindo o ponto crítico. De uma coisa tenho certeza: não vejo pardal nas ruas, nem nas praças, por onde ando. Enquanto isso, o número de pombos cresce assustadoramente. Seriam os responsáveis pela baixa do pardal?
Seja sim, seja não, não é da minha alçada, nem altera o colocar mamão na tábua no muro da casa de praia. Estou entre os grandes criadores de pássaros, sem problema com o Ibama. Aves soltas, que não sabem o que é gaiola e viveiro, voando para onde bem entendem, retornando sempre. De vez em quando, o sabiá-de-praia solitário canta para meu deleite. Não bato palmas para não assustá-lo. Senão bate asas e voa para outros coqueiros.
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras