Atrás do andor de Santo Antônio vinha a banda, e nesta a tuba, que a gente chamava de baixo, exibindo sua enorme e brilhante bacia, a se balançar de acordo com a pisada do músico, o som do dobrado enchendo a Rua do Sol. Ao lado, terno verde-escuro, segurando um guarda-chuva, caminhava Antônio Silva, que durante anos e anos foi da banda o grande maestro. A presença do velho mestre foi motivo para uma senhora, sua parenta, na calçada lá de casa, desmaiar de emoção. Antônio Silva tinha chegado do Rio, onde fora buscar cura para a moléstia que lhe pegava de cheio. A emoção foi grande para a sua parenta. O mestre, que comandou tanto a banda, agora reduzido a condição de simples acompanhante. Foi a última procissão que participou.
Muitos anos depois, Antônio Melo tocava saxofone tenor na Praça da Igreja, o pé no banco, sozinho, num tempo em que a banda estava quase desativada. Era preciso tocar até mesmo por não saber fazer outra coisa. Ali, na praça, no banco quase em frente à sua casa, quando o sol permitia, o sax tenor pendurado no pescoço, entoava solitário canto. Depois, vou vê-lo numa procissão de Santo Antônio com a farda da banda do ginásio, no meio dos meninos de doze a quinze anos, todos com idade de serem seus netos, – que ele não teve – o saxofone praticamente tocando sozinho, porque já sabia tudo de cor, e, ele, para lá e para cá, como segundo maestro, já que o comando da banda era de João de Matos, se contentando Antônio Melo só por estar a tocar.
Na última vez que estive no Cemitério de Itabaiana, passei em frente a sepultura de Antônio Melo, do lado esquerdo de quem entra, já perto da Capela, quase em frente a de Antônio Silva, em carneira, do lado direito. Ou seja, moram na mesma rua, um de um lado, o outro, do outro, o que possibilita a conversa frequente, e, para não perder a embocadura, do papo a música escapole, Antônio Silva compondo dobrados que nunca serão levados a qualquer partitura, nem executados, homenageando as pessoas importantes com o nome no cabeçalho, e Antônio Melo correndo os dedos no saxofone tenor numa velocidade impressionante, o instrumento num movimento de baixo para cima, o som produzido a invadir o cemitério no silêncio da noite, e, quiçá, algum vizinho chato se aborreça, a gritar, porra, aqui, agora, não se pode nem mais dormir.
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras