Quase todos os dias, o noticiário enfatiza o atual momento de intolerância, polarização e radicalismo político. Os três aspectos merecem detida atenção, pois são a antessala da violência – física, inclusive. Mas os tempos hoje não estão, nesses elementos, nem perto dos piores dias da história republicana.
O nível de civilidade do debate político brasileiro pode ter decaído – sem dúvida, declinou vertiginosamente, diante da miséria intelectual de considerável parcela dos representantes eleitos – mas, nessa disputa entre populismos indigentes, de moralidade rasteira e republicanismo escasso, não se retrocedeu tanto quanto se costuma supor. Se os bons modos desertaram do debate público, se as boas ideias foram trocadas por clichês, a morte dos oponentes não é mais uma via cogitada – não com a esperança de aceitação social.
Seja na política nacional, seja nas estaduais, a agressão física entre rivais partidários se tornou inadmissível e rara. Felizmente. Mas não era assim. Já houve tempo em que, sem pejo algum, os maiores absurdos se justificavam nas disputas políticas.
Ana Maria Fonseca Medina e Claudefranklin Monteiro escreveram “As exéquias do monsenhor Olympio Campos”. A obra recorda o assassínio do maior líder político sergipano de seu tempo. Suas páginas abrigam as informações adiante e sua leitura fica enfaticamente recomendada.
Em 9 de novembro de 1906, o senador Olímpio Campos atravessava a Praça 15 de Novembro, no Centro do Rio de Janeiro, quando tiros foram disparados. Em fuga, ele correu na direção da Rua Primeiro de Março. Os tiros não cessaram. Foi ferido pelas costas. Um de seus agressores – eram três – aproximou-se e o esfaqueou. A vítima caiu na sarjeta em frente ao Hotel de França. Derreado sobre a faca, entortou-a, aprofundando o ferimento. Com o corpo derrubado, o parlamentar ainda foi baleado pelos homicidas inclementes.
A covardia foi imensa. Foram numerosos os ferimentos: onze por arma de fogo e dois à faca. O socorro veio rápido. O clérigo e parlamentar, com a batina empapada de sangue, desfalecido, foi levado para a Drogaria Carvalho, a poucos metros do local. Um médico que tinha consultório no sobrado vizinho – Dr. Joaquim de Mattos – prestou o urgente atendimento. Pouco depois, chegou o Dr. Rego Barros, médico da polícia, que ajudou o colega. O amparo que ali se efetivou, porém, foi infrutífero. Agonizou o clérigo e parlamentar por alguns minutos e expirou.
Houve imediata comoção no Congresso Nacional e em Sergipe. Seu corpo foi velado na Capital Federal e levado no vapor Esperança para Aracaju, onde recebeu as maiores homenagens fúnebres já prestadas em Sergipe, até hoje.
Seus assassinos? Três jovens acadêmicos: Arnaldo de Aguiar Cardoso, Humberto de Aguiar Cardoso e Délio Guaraná. Os dois primeiros eram filhos de Fausto Cardoso, deputado federal morto em agosto daquele ano. O último, sobrinho dele.
Meses antes, Fausto houvera liderado uma rebelião armada que desalojara o governador do Estado, Guilherme de Campos, irmão de Olímpio, e tomara a administração estadual, à força. Diante da óbvia quebra da ordem constitucional, a União interveio e tropas federais retomaram o governo de Sergipe. No momento final da operação, Fausto Cardoso resistiu a se render e foi fuzilado, vindo a morrer, pouco depois, nas adjacências da praça que hoje leva o seu nome e onde há uma estátua sua. Ali estão, inclusive, os seus restos mortais. Antes de fechar os olhos definitivamente, suplicou aos seus filhos que o vingassem. A prole prometeu atender a esse pedido macabro. O alvo da vindita foi o prócer do grupo político adversário. Promessa cumprida.
A imprensa, conforme fosse o lado do periódico, justificava a violência contra o senador, romantizando o gesto tresloucado dos jovens assassinos. A própria viúva de Fausto, D. Maria Pastora, fez declarações apoiando a atitude dos filhos, com o endosso de parte dos jornais. Isso também mostra o quanto as paixões políticas embaçam o discernimento dos formadores de opinião desde anos muito idos. Não há nada novo aqui também.
A obra vale muito a pena. Cabe completar a história com a informação de que os homicidas foram presos pouco depois de seu delito, mas absolvidos sob o fundamento de coação moral irresistível.
Para além desse repulsivo abono ao ato homicida, resta dessa tétrica história a irreverência do destino. À frente da Catedral Metropolitana de Aracaju, situada à Praça Olimpio Campos, fica a estátua do Monsenhor, erigida em 1916. Ela dista 150 metros da de seu rival, levantada em 1912. Ambas estão praticamente alinhadas e nada impede que uma mire a outra. Mais. A sede histórica do governo estadual sergipano é o Palácio Olímpio Campos, sito à Praça Fausto Cardoso. Ironia maior não poderia haver do que essa: terem de conviver, próximas, “ad eternum”, as memórias de dois adversários políticos. De que valeu o ódio?