ARACAJU/SE, 30 de agosto de 2024 , 7:50:51

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O caso Pontes Visgueiro (I)

Na crônica criminal brasileira, poucos episódios são mais marcantes do que o caso Pontes Visgueiro. Essa tragédia enlaça feminicídio, passionalidade e conflitos de classe, o que mantém o interesse em seu enredo permanentemente renovado.

Em 14 de agosto de 1873, em São Luís, o desembargador José Cândido de Pontes Visgueiro assassinou Maria da Conceição, conhecida por Mariquinhas. Ela tinha idade indefinida (entre 16 e 20 anos) e era sua amante. Visgueiro tinha, ao tempo do crime, 62 anos e uma longa trajetória de cargos públicos relevantes. Nasceu em uma família de prestígio em Maceió, diplomou-se em Direito em São Paulo, elegeu-se deputado provincial e depois foi nomeado juiz em Alagoas. Também foi membro da Câmara dos Deputados do Império entre 1838 e 1841. Depois disso, foi magistrado no Piauí e chegou, em 1857, a desembargador do Tribunal da Relação do Maranhão. Foi, porém, designado, em 1861, para a função de fiscal do Tribunal do Comércio.

Visgueiro era surdo e celibatário, embora tivesse uma filha, casada com um desembargador seu colega. A posição social e a reputação de Visgueiro, até junho de 1872, eram as melhores possíveis. Foi quando conheceu Maria da Conceição, uma jovem que fora mendiga e era prostituída por sua mãe. Enlouqueceu de paixão e passou a sustentá-la. Ela, porém, mantinha encontros com terceiros, alguns dos quais flagrados pelo desembargador.

Ele dava mostras públicas de desespero nesse sentimento mal correspondido. Ajoelhava-se diante dela pelas ruas da cidade, ofertava-lhe os melhores presentes, procurava-a em bares, tavernas e prostíbulos. Prometeu-lhe casamento. Mas a jovem ora se aproveitava dessa emoção exacerbada do idoso admirador, ora se distanciava dele.

O ciúme cresceu tanto dentro do magistrado que ele decretou a morte de quem queria possuir, ter somente para si. Encomendou dois baús, um de madeira e um de zinco, para, sobrepostos, guardarem o corpo da jovem amante. Foi ao Piauí, supostamente para passar uma temporada distante da causa de sua aflição. Entretanto, ali chamou um cúmplice para o delito, adquiriu clorofórmio, para fazer adormecer sua amante na hora fatal, culminando, assim, os preparativos para o ato letal. De volta à capital maranhense, no dia fatídico, convidou a jovem para um encontro em sua casa.

Desconfiada de algo, Mariquinhas não queria ir, mas acabou aceitando o convite, na companhia de uma comadre. Ficaram por algum tempo juntas com o homicida, até que a amiga saiu, deixando-a sozinha com o algoz. Ele a convidou para uma sala, a pretexto de lhe mostrar um novo presente. Foi ali que o desembargador, com o comparsa, a prendeu, a sedou e a esfaqueou. Depois de matá-la, tentou encaixá-la no caixão de zinco, sem sucesso, pois o corpo era maior que o recipiente. Arrancou, à faca, uma perna e cortou fora a cabeça da morta para que houvesse o encaixe. Guardou as peças do corpo em um baú dentro do outro e deixou-os recolhidos em um armário da sala de visitas.

Mas, não demorou muito, o corpo começou a exalar mal cheiro. Um outro conhecido do desembargador foi chamado às pressas para soldar os baús de modo a segurar o odor dentro deles. Após isso feito, pela noite, a urna funerária foi enterrada no quintal da casa. Mas, logo após, na madrugada do dia 16, foi descoberta pelos policiais, que já investigavam o desaparecimento da moça.

O crime chocou a sociedade, que tentou linchar o infrator e depredar a sua casa. O chefe de polícia ouviu testemunhas, elaborou dois relatórios e enviou o material ao Supremo Tribunal de Justiça, no Rio de Janeiro, pela prerrogativa de foro do cargo do acusado. Ali, além da determinação de prisão do assassino, todo o procedimento foi cumprido.

A acusação preparada pelo Procurador da Coroa, Francisco Baltazar da Silveira, foi de cometimento do crime de homicídio com qualificadoras (como a da premeditação, abuso de confiança e do impedimento da defesa). Pediu-se a pena capital.

A defesa, a seu lado, foi a de que o desembargador não agiu de modo preordenado, mas privado dos sentidos, em razão da paixão cega que nutria pela infeliz vítima. A meta era a absolvição. O patrocínio de Pontes Visgueiro ficou a cargo de Franklin Dória, o Barão de Loreto, um notável orador, político respeitado dos tempos imperiais, membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupante da cadeira 25 da Casa de Machado de Assis.

Apesar do talento do causídico, o Tribunal, em 13 de maio de 1874, por unanimidade, condenou o homicida à prisão perpétua com trabalho. Houve um recurso, mas sem sucesso. Visgueiro havia perdido a condição de magistrado e destinava-se a passar toda a vida restante no cárcere, trabalhando.

O tempo cumprido foi pouco, contudo. Em 24 de março de 1875, ele morreu na prisão. O debate acerca desse crime passional e a responsabilidade do homicida seguiu vivo, porém. O grande Evaristo de Moraes, em 1934, afirmou que houve erro judiciário. Como? Sobre isso falaremos na próxima semana.