ARACAJU/SE, 2 de abril de 2025 , 1:36:20

O problema dos limites territoriais Aracaju-São Cristóvão e as suas dramáticas questões sociais

Voltou à tona, de forma cada vez mais socialmente dramática, a discussão sobre a que Município (Aracaju ou São Cristóvão) pertencem as áreas de parte dos bairros Santa Maria, Mosqueiro, Robalo, Areia Branca, Matapuã, entre outros locais.

Isso porque transitou em julgado sentença – em ação proposta pelo Município de São Cristóvão em face do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Município de Aracaju – na qual é determinado ao IBGE que efetue a correção dos mapas de limites geográficos e ao Município de Aracaju que se afaste da gestão dessas localidades.

Toda essa antiga controvérsia perpassa a temática da possibilidade de redefinições territoriais de municípios, criação de novos municípios, desmembramentos, anexações.

 

É verdade que a Constituição Federal admite a possibilidade de que novos municípios venham a ser criados, ou que ocorram redefinições territoriais municipais, a partir de incorporações, fusões e desmembramentos de municípios existentes.

 

Na redação dada à norma do § 4º do art. 18 da Constituição Federal pela emenda constitucional 15/1996, essas possibilidades ficam condicionadas à regulamentação, por lei complementar federal, dos períodos possíveis para que isso ocorra, bem como a regulamentação da apresentação e publicação dos estudos de viabilidade municipal. Todavia, desde a promulgação desta emenda (em 12/09/1996) até a presente data, não foi promulgada a lei complementar federal exigida, permanecendo a não regulamentação do aludido dispositivo constitucional.

Isso faz com que essa norma constitucional que admite a criação de novos municípios, desmembramentos, anexações, seja desprovida de eficácia plena, sendo uma típica norma de eficácia limitada; ou seja, a produção integral dos seus efeitos jurídicos está condicionada à promulgação dessa lei complementar federal, nos termos da pacificada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Em dezembro de 2008, o Congresso Nacional aprovou a emenda à constituição federal 57, por meio da qual ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação.

Por sua vez, a Constituição do Estado de Sergipe, de outubro de 1989, determinou, nas suas disposições transitórias, a criação de diversos novos municípios, mediante desmembramento. Nenhum desses desmembramentos foi concretizado. É que a Constituição Federal de 1988, já em sua redação original, exigia (como continua a redigir na redação atual) como um dos pré-requisitos para desmembramento de Municípios, a aprovação pela população, mediante plebiscito. E tais plebiscitos nunca foram realizados.

 

Nesse mesmo contexto, a Constituição do Estado de Sergipe fixou a delimitação territorial do Município de Aracaju em relação ao Município de São Cristóvão (no art. 37 das disposições transitórias). A emenda à constituição do Estado de n° 16/1999 modificou a redação desse art. 37 para a seguinte: “Fica alterada a delimitação do Município de Aracaju com o Município de São Cristóvão a partir do Pontal N da barra do rio Vaza-Barris, que passa a ter a seguinte descrição: […]”. Por fim, a mencionada emenda 16/99 acrescentou ao art. 37 do ADCT da Constituição do Estado de Sergipe o § 2°, que esclareceu situarem-se no Município de Aracaju o povoado Mosqueiro, o povoado Areia Branca, o povoado São José, o povoado Robalo e o povoado Terra Dura (compreendendo lixeira da Terra Dura e núcleos habitacionais Santa Maria, Maria do Carmo e Antônio Carlos Valadares.

Tanto a redação original quanto a redação conferida pela emenda 16 tratam de alteração da delimitação territorial do Município de Aracaju em relação ao Município de São Cristóvão. Ainda que a intenção tenha sido corrigir eventual falha descritiva dos limites geográficos tradicionais, o fato é que a norma constitucional estadual mencionou alteração dos limites geográficos dos Municípios. Em sendo alteração, teria ocorrido desmembramento de áreas que pertenciam ao Município de São Cristóvão e sua anexação ao Município de Aracaju. E esse tipo de redefinição territorial somente pode ocorrer mediante aprovação da população em plebiscito popular.

Assim, a inconstitucionalidade original (e também a inconstitucionalidade após a  emenda à constituição do Estado n° 16/99) do art. 37 do ADCT da Constituição de Sergipe, já incidentalmente declarada pelo Tribunal de Justiça do Estado, no incidente de inconstitucionalidade 001/2000 – exatamente por não observar a exigência de plebiscito constante da Constituição Federal – não tem como ser juridicamente remediada pela realização de plebiscito com o nítido propósito de convalidar o seu comando originalmente inconstitucional/inválido.

Foi exatamente no julgamento do recurso extraordinário interposto pelo Município de Aracaju em face da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe que o STF fixou a tese de repercussão geral para o Tema nº 559: “A EC nº 57/08 não convalidou desmembramento municipal realizado sem consulta plebiscitária e, nesse contexto, não retirou o vício de ilegitimidade ativa existente nas execuções fiscais que haviam sido propostas por município ao qual fora acrescida, sem tal consulta, área de outro para a cobrança do IPTU quanto a imóveis nela localizados”.

Isso quer dizer que não há alternativa? Favas contadas que as áreas do Mosqueiro, Areia Branca, São José e Terra Dura (Santa Maria), além dos núcleos habitacionais Santa Maria, Maria do Carmo e Antônio Carlos Valadares pertencem ao Município de São Cristóvão, mesmo após tantos anos de vinculação efetiva e afetiva (sentimento de pertencimento da população) ao Município de Aracaju?

Não se pode desconsiderar a realidade fática de que todas essas áreas, há trinta e cinco anos, são consideradas pertencentes ao Município de Aracaju; realidade fática evidenciada em diversas situações, desde registros civis de nascimento e pagamento de tributos ao Município de Aracaju, passando pela execução de serviços públicos e implementação de políticas públicas por parte da Administração Pública do Município de Aracaju naquelas localidades, até a participação dos seus cidadãos na vida política do Município de Aracaju, a exemplo do exercício do direito do voto e do direito de ser votado na sua circunscrição eleitoral.

 

Eventual declaração de invalidade/nulidade da norma estadual, trinta e cinco anos após a sua integral vigência e aplicabilidade de seus efeitos concretos, causará à ordem jurídica e à população um trauma muito maior do que aquele que se pretende coibir com sua permanência. Trata-se de harmonizar a realidade fática com a ordem jurídica constitucional, homenageando o respeito à lealdade e à boa-fé dos administrados e, sobretudo, o primado da segurança jurídica.

Existe base legal (art. 27 da Lei nº 9.868/1999) e precedentes do Supremo Tribunal Federal (inclusive precedentes específicos envolvendo o mesmo tema) para a adoção da técnica da “declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade”.

E isso pode ser buscado em decisão que tenha efeitos gerais, mediante propositura, no STF, de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que pode ser proposta, por exemplo, pela Mesa da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, sugestão que apresentei na importantíssima audiência pública ali realizada na última sexta-feira (29/11), como uma alternativa jurídica para solução desse gravíssimo e dramático problema.